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2 O SISTEMA DE PROTEÇÃO JURÍDICA DOS DIREITOS AUTORAIS

2.1 Conceito e nomenclatura

A expressão do íntimo humano e a exploração de condições sensoriais, por vezes, vertem-se em criações artísticas e culturais, assim como a interrogação e a investigação que redundam em exercício intelectivo são capazes de se desdobrarem em conhecimento a ser aplicado cientificamente. Todo o resultado desse tipo de ação criativa pode ser protegido em seus caracteres essenciais, independentemente, se ao tempo de sua arquitetura, a vontade do autor era a de se manifestar através da arte, se sua finalidade era meramente estética, se o seu interesse era apenas o da produção cultural, ou, ainda, se sua ideia era a de construção de um trabalho científico.

O laço subsistente entre o autor e o produto final exalado de seu âmago, bem como as relações jurídicas decorrentes da eventual exploração do bem imaterial ocasionado são resguardados através da atuação do direito autoral, desde o momento de sua criação. O zelo e a precaução assim estabelecidos são destinados aos escritos literários (poemas, contos, romances, etc.) às artes plásticas sob as suas diversas formas (pinturas, estruturações, esculturas, etc), à fotografia, às peças de teatro, à música, ao roteiro cinematográfico, à obra publicitária, mas também aos bancos de dados, às teses, às pesquisas, entre outros.

Não âmbito da tutela autoral, não há que se estabelecer distinções ou debates acerca da qualidade do trabalho criado. Não faz parte das atribuições deste ramo do direito dirimir conflitos sobre uma eventual obra ser ou não considerada arte em sua essência, ou ainda se o seu destino é o da cultura de massas. O fato de ter ocorrido a exteriorização de uma ideia original é suficiente para que haja o amparo legal. Para José de Oliveira Ascensão:

O mérito literário ou artístico não é relevante. Mas a tutela extensa do direito de autor só é justificada pela criatividade, pelo o que, se não houver uma base de criatividade, nenhuma produção pode franquear os umbrais do Direito de Autor.115

O direito autoral é um conjunto de atribuições cujo objetivo é salvaguardar o vínculo entre criador e obra. Segundo Carlos Alberto Bittar, “é o ramo do direito privado que regula as relações jurídicas, advindas da criação e da utilização econômica de obras intelectuais estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e nas ciências”.116 Na lição de Antônio Chaves, corresponde ao

[...] conjunto de prerrogativas que a lei reconhece a todo criador intelectual sobre suas produções literárias, artísticas, cientificas, de alguma originalidade; de ordem extrapecuniária, em princípio, sem limitação de tempo; e de ordem patrimonial, ao autor, durante toda a sua vida, com o acréscimo, para os sucessores indicados na lei, do prazo por ela fixado.117

As dicções “direito autoral” e “direito de autor” são comumente dispostas para significar as diversas prerrogativas relacionadas a esse tema existente na legislação. Utilizado como designação de gênero, o termo tem sido empregado, inclusive, no sentido de indicar o valor pecuniário devido pela utilização de uma obra protegida.118 Sobre o tratamento inoportuno conferido ao termo, Pontes de Miranda, já ensinava:

A expressão “direito autoral” ou “direito de autor” tem os inconvenientes que derivam de no conceito ora (A) se porem (sic) sob tal expressão a) o direito de identificação da obra, como direito autoral de personalidade, b) o direito de ligar o nome à obra e c) o direito de reprodução, ora (B) somente a) e b), ou (C) somente c). É chocante chamar-se direito de autor o que adquire o outorgado de direito de edição. Daí a necessidade de se tratarem separadamente tais direitos, com os seus nomes científicos. [...] Quando se diz que o direito de personalidade é parte integrante do direito autoral, a direito autoral dá-se o sentido (A) ou (B). Assim, estaria de tal modo extrapolado o conceito que abrangeria o direito de personalidade, o direito autoral imprecluível de nominação e, em (A), o direito real precluível.119

115

ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 3.

116

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 8.

117

CHAVES, Antônio. Direito de Autor – Princípios Fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 17.

118

ASCENSÂO, José de Oliveira. Direito Autoral. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 16.

119

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial - Tomo XVI - Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1955, p. 9.

Ocorre que, ainda que imprópria, a expressão “direito de autor” é amplamente utilizadas nos sistemas de proteção de diversos países, no que esclarece Carlos Bittar:

As obras mais modernas já ostentam essa denominação, que os autores utilizam indistintamente, ao lado da expressão “Direito Autoral” (neologismo introduzido por Tobias Barreto em 1882). Assim é que se encontram os nomes droit d’auteur,

diritto di autore, Autorrecht, derecho de autor, e equivalentes, mantendo-se, no

entanto, no sistema anglo-norte-americano, em face de peculiaridades do regime, a designação de origem – copyright – embora insuficiente para abranger todas as prerrogativas desse Direito.120

A lei autoral brasileira em vigor acertadamente utiliza a expressão “direitos autorais” com vistas a englobar tanto os direitos que se reportam ao autor da obra, como também às prerrogativas que se referem a terceiros que, embora não sejam criadores, possuam vínculos com o bem cultural.121 São os chamados direitos conexos, também denominados de direitos vizinhos ou afins ao direito de autor.

Para a exata compreensão da abrangência desse grupo, é preciso se estabelecer a distinção entre quem detém a autoria de uma obra e quem apenas possui titularidade sobre ela. A autoria será sempre de quem a criou originalmente, ao passo que a titularidade estará constantemente relacionada à contribuição de terceiros na consubstanciação da ideia em um suporte que a veicule. Em outras palavras, os direitos vizinhos se referem aos trabalhos de divulgação, interpretação, execução, produção, radiodifusão entre outros.

Optou-se no presente trabalho pela utilização do vocábulo “direitos autorais”, assim como de seu singular, “direito autoral”, para designar tanto os direitos do autor como os direitos a que lhe são conexos, uma vez que a temática conflituosa ora discutida repercute nas duas esferas de proteção indistintamente.

120

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 10

121

Apesar de haver muitas semelhanças entre os termos Direito Autoral, Direito de Autor ou Direitos Autorais, a expressão Direitos Autorais é, na nossa concepção, uma expressão mais ampla e que melhor se aplica no direito autoral brasileiro (art. 1º., da LDA/98) para designar simultaneamente os dois termos: Direitos de Autor (que são as obras literárias, artísticas, ou científicas) e os Direitos Conexos (os que têm conexão com o direito de autor, tais como o direito de artistas, interpretes ou executantes, produtores de fonogramas e os organismos de radiodifusão). MALLMANN, Querino. A natureza jurídica do direito da propriedade intelectual: o direito autoral. In: Revista do Mestrado em Direito, v.2, n. 3. Maceió: Edufal, 2008. p 185.