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2 O SISTEMA DE PROTEÇÃO JURÍDICA DOS DIREITOS AUTORAIS

2.2 Evolução histórica e natureza jurídica dos direitos autorais

Analisando o curso de sua evolução histórica, é possível perceber as diferentes faces apresentadas pelos direitos autorais. Há, de certo, uma preocupação em se proteger a criação e os direitos do criador, de modo que seja viável a existência contínua de uma espécie de estímulo à criatividade e à produção de obras do intelecto. Contudo, é sobre o aspecto econômico e financeiro, advindo da exploração patrimonial, que parece recair a ênfase conferida pela legislação das últimas décadas.

Não se pode falar, apropriadamente, em direito autoral legislado no período anterior à Idade Moderna. O que havia, na verdade, eram institutos jurídicos e instrumentos processuais diversos que de forma indireta garantiam a tutela de eventual direito, hoje percebido como de autor, além de outros direitos, referentes a matérias variadas. A essência do que viria a ser o direito do autor, porém, sempre existiu desde a Antiguidade, ainda que eventualmente restrita ao reconhecimento122 de que certa obra de arte ou outra produção intelectual estética havia sido realizada por determinada pessoa.

O homem, enquanto ser criativo, expressa sua personalidade, sentimentos e ideias, utilizando-se dos meios que lhe estiverem disponíveis em dado momento histórico. Sua produção artística pode ser observada antes mesmo antes da invenção da escrita, quando a ação intelectual se exprimia mediante a pintura de símbolos, a modelagem de esculturas, entre outras formas. Em sistemas jurídicos como o da Grécia e o da Roma Antiga, onde havia intensa produção filosófica e já se conhecia a noção de plágio, era viável a possibilidade de reparação de danos. Isso se dava no direito romano a partir da chamada actio injuriarium123, na qual alguns autores reconhecem a origem do que viria a ser identificado, posteriormente, como direito moral do autor.124

A reprodução de obras ou mesmo a sua falsificação não eram consideradas um problema a ser enfrentado até os idos da Idade Média. Isto se dava uma vez que existiam dificuldades técnicas ainda não superadas, assim como pela sanção moral emanada pela sociedade como um todo em oposição ao contrafator. Em se tratando de literatura, por exemplo, a maior parte da produção, restrita aos interesses da igreja, ficava a cargo dos

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GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital. 4 ed. Rio de Janeiro: Record. 2001. p. 29.

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SOUZA, Allan Rocha de. Função social dos direitos autorais: uma interpretação civil-constitucional dos limites da proteção jurídica. Campos dos Goytacazes: Faculdade de Direito Campos, 2006. p. 35.

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monges copistas que a executavam manualmente. Desse modo, além de não estarem disponíveis ao público em geral, a quantidade de obras elaboradas era limitada, o que possibilitava um maior controle quanto à circulação desses trabalhos.

Essa situação, no entanto, foi modificada em razão da criação da imprensa por Gutemberg, ao início da era moderna no século XV. Nesse período, observa-se o surgimento de uma indústria cultural de proveito econômico, que se fortaleceu na figura do mercado de edição, para o qual se dirigiram as primeiras normas que se ocuparam do direito autoral. A mercancia literária, à época, era um ofício altamente custoso em termos de investimento e necessitava de regulamentação, a fim de que se evitassem eventuais práticas abusivas e concorrenciais. Observe-se que a prioridade aqui se concentrava no mercado de edição, ou seja, no aspecto econômico da exploração e reprodução da obra, abstraindo-se das necessidades do autor.

O início dessa regularização se deu através da concessão de privilégios temporários à conveniência do Rei, a quem interessava o controle político do que era publicado.125 Tal sistema, entretanto, entrou em declínio por influência da Revolução Francesa, assim como pelas ideias que emergiam do humanismo. O fim da censura e a abertura do mercado, por volta de 1694, pôs fim a esta espécie de monopólio e, como consequência, os livreiros se viram enfraquecidos.126 As reivindicações que decorriam da insatisfação dos autores adquiriram maior ênfase e o conflito emergiu ante a questão da exploração e da titularidade das obras, isto porque se compreendeu que o comércio dos editores não subsistiria se não fosse pela ação mental e espiritual dos criadores.

Dessa busca em se tentar corresponder aos anseios remuneratórios dos autores e empenhar-se em manter o poder já conquistado pelos editores e livreiros, nasce em 1710 o Copyright Act ou Estatuto da Rainha Ana, em terras Britânicas. Neste, reconheceu-se o direito de cópia ou copyright aos autores, os quais poderiam mediante contrato de cessão autorizar a reprodução de suas obras. Quanto aos editores, modificou-se o regime de perpetuidade na exploração da obra, sendo este limitado aos prazos de vinte e um ou de catorze anos, conforme o período da impressão, criando-se como resultado o conceito de domínio público.127

Outras Leis semelhantes se seguiram em alguns países, até que em 1777, a França edita legislação sobre o tema fortemente influenciada pelos ideais Iluministas de liberdade,

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SOUZA, Allan Rocha de. Função social dos direitos autorais: uma interpretação civil-constitucional dos limites da proteção jurídica. Campos dos Goytacazes: Faculdade de Direito Campos, 2006. p. 39.

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ABRÃO, Eliane Yachouh. Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002. p. 29.

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igualdade e fraternidade. Havia entre os autores um forte sentimento de vinculação à sua criação, de modo que se passou a demandar por uma maior atenção às características pessoais manifestadas na obra produzida. Dessas exigências, originou-se o chamado direito moral do autor, como dever de observância a uma série de direitos de ordem não patrimonial como, por exemplo, o da integridade da obra. Segundo a Carta do Rei Luis XVI, aos autores foi conferido também a primazia na exploração da obra, bem como aos seus herdeiros, salvo se houvesse cessão a ser cumprida por um prazo máximo de dez anos.128

A partir desses desenvolvimentos, dois importantes sistemas de proteção a direitos autorais foram formados: o anglo-americano ou copyright, de origem no direito da common law, e o droit d’auteur de influência franco-germânica, também conhecido como sistema da Europa Continental.

O significado de copyright traduz-se no direito de cópia originado na Grã-Bretanha. Sua estrutura atual, todavia, decorre igualmente de influências norte-americanas. Esse sistema, indicado como comercial, volve-se para a produção objetiva de obras e para a construção, manutenção e expansão de uma indústria cultural nos países de sua ingerência.129 O direito à reprodução é, por conseguinte, o ponto chave desse método de proteção.

Segundo o texto da Constituição Norte-Americana de 1787, o copyright deveria ser entendido como um dos meios de promoção e progresso das ciências e das artes, mas na prática não foi isso o que ocorreu. O direito autoral nos moldes anglo-americano se desenvolveu sob o ponto de vista da privatização, qual seja, a partir da ideia de que este seria uma propriedade e ao mesmo tempo um interesse econômico.130 Daí, tem-se que a propriedade privada advinda da concessão do direito temporário ao exclusivo deixou de ser compreendida como um meio, para ser vista como um fim em si mesma, consoante uma base utilitarista.131

Shubha Ghosh destaca que o modelo do copyright não cumpriu com a sua promessa da proteção autoral em prol da publicação e da distribuição do conhecimento, como fator de desenvolvimento da democracia americana.132 O autor relata que o direito de autor anglo- americano se desdobrou lado a lado com a formação de uma identidade cultural durante o

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PIMENTA, Eduardo. Princípios de direitos autorais: um século de proteção autoral no Brasil – 1898-1998. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 6.

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BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 9.

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GHOSH, Shubha. Deprivatizing Copyright. In: Case Western Reserve Law Review. p. 46. Disponível em:

<http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=443600> Acesso em 29 de maio de 2009.

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GHOSH, Shubha. Deprivatizing Copyright. In: Case Western Reserve Law Review. p. 47. Disponível em:

<http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=443600> Acesso em 29 de maio de 2009.

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GHOSH, Shubha. Deprivatizing Copyright. In: Case Western Reserve Law Review. p. 47. Disponível em:

século XIX, mas adverte que o ideal e a finalidade do progresso pela educação e pela cultura em proveito do bem-estar coletivo foi invertido no século XX, através do poder exercido pelas grandes empresas do entretenimento, da computação e das telecomunicações.133

O droit d’auteur, por sua vez, nasce de um critério subjetivo, no qual a exclusividade é conferida no interesse do autor, para que este possa participar de todas as formas de exploração de sua obra134, diferentemente do que ocorreu na Inglaterra cujo benefício foi concedido ao monopólio de editores e comerciantes. Sua inspiração reside nos princípios da Revolução Francesa, quando se extinguiu a ideia de privilégio e se acolheu a doutrina da obra como propriedade natural, fruto da criação intelectual e do esforço humano despendido na sua concretização.

É graças a essa concepção que se reconhece legalmente e pela primeira vez, direitos inalienáveis e irrenunciáveis à paternidade, à integridade, ao ineditismo entre outros compreendidos no que se convencionou por chamar de direitos morais do autor. Concebido como uma prerrogativa nascente do processo de criação, o direito autoral assumiu um caráter de pessoalidade135, representando os interesses da sociedade civil, mesmo enquanto inserido num contexto dominado pela ideia de que não se poderia impor limites sobre o direito de propriedade.136

Esse foi o sistema adotado pela maioria dos países ocidentais, e também aquele que deu base à Convenção Internacional para a proteção das Obras Literárias e Artísticas assinada em Berna, na Suíça, responsável pela sua internacionalização.

Dentre as diferenças apresentadas por esses dois sistemas: a) a ênfase conferida aos direitos morais do autor no regimento francês – o copyright tem como objetivo a atividade comercial, ao passo que o droit d’auteur tem no autor a finalidade de sua proteção; b) o objeto da proteção para o copyright, segundo o copyright act 1976, precisa necessariamente estar fixado em suporte material e ser registrado, enquanto no sistema do direito do autor isso é prescindível, bastando apenas a exteriorização para que haja a respectiva tutela; c) a separação entre os direitos do autor e os direitos conexos pelo critério da originalidade que é inexistente no âmbito do copyright, pois o sistema abrange ambos os casos indistintamente.

Há que se ressaltar, entretanto, que, muito embora ambos os sistemas tenham se constituído segundo pontos de partida diversos, atualmente se percebe uma aproximação entre

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GHOSH, Shubha. Deprivatizing Copyright. In: Case Western Reserve Law Review. p. 47. Disponível em:

<http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=443600> Acesso em 29 de maio de 2009.

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BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 9.

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ABRÃO, Eliane Yachouh. Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002. p. 32.

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SOUZA, Allan Rocha de. A função social dos direitos autorais: uma interpretação civil-constitucional dos limites da proteção jurídica. Rio de Janeiro. Ed. Faculdade de Direito de Campos. 2006, p. 46.

essas duas tradições autorais e um desejo de harmonização mundial das normas sobre direitos autorais.137 Isso se dá em função dos avanços na área de tecnologia, que provocam efeitos universais no campo das telecomunicações e do acesso à informação, assim como pela assinatura de tratados internacionais que são administrados pela OMPI – Organização Mundial da Propriedade intelectual – pela OMC – Organização Mundial do Comercial – ou pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

Como se pode observar, a ideia da necessidade de proteção da criação do intelecto é, portanto, introduzida pouco a pouco no ideário humano. Ainda que iniciada a partir dos interesses comerciais da época, a regulamentação do direito autoral se sedimentou com o passar dos anos em prol de uma proteção tanto dos direitos patrimoniais, como dos direitos morais, independentemente do sistema legal adotado. A diferença, contudo, reside no interesse daqueles que são afetados diretamente pela elaboração das leis. Aos intermediários entre o autor e o público, caso das gravadoras musicais, editoras de livros, entre outros, destaca-se a perspectiva financeira, já para os autores em geral, salienta-se tanto o aspecto moral como pecuniário.

A questão da autoria de uma determinada obra não é mais o ponto fundamental do debate138, mas sim como a indústria do entretenimento e os artistas em geral vão se posicionar face as novas tecnologias a sua disposição. Conforme isto for sedimentado, será possível solucionar outros problemas também advindos do desenvolvimento tecnológico, como por exemplo, a questão da remuneração quanto aos direitos autorais e conexos em relação aos trabalhos disponíveis na rede mundial de computadores.

Um dos elementos principais contidos nesse conflito diz respeito à ideia de que o direito autoral representaria uma propriedade. Isso porque tal noção está relacionada com o caráter econômico do direito autoral, de modo que é do interesse de quem explora comercialmente uma obra intelectual que ela seja vista como uma propriedade em sua acepção absoluta.

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BRAEGELMANN, Tom . Copyright law in and under the constitution: the constitutional scope and limits to copyright law in the United States in comparison with the scope and limits imposed by constitutional and european law on copyright law in German. In: Cardozo Arts and Entertainment Law Journal. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=1400996> Acessado em 01 de junho de 2009.

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À exceção da problemática referente às obras órfãs. Não se quer aqui excluir os conflitos advindos da rede mundial de computadores referentes aos direitos morais do autor, mas não há dúvidas sobre a importância de se atribuir a paternidade de obras, ou mesmo quanto à proteção de seu conteúdo contra modificações e inserções não autorizadas. No caso do aspecto patrimonial, a internet foi a responsável pelo o aumento das violações de direitos dessa natureza, além de ter provocado uma reviravolta nos negócios relativos à indústria do entretenimento, que tem alegado sucessivos prejuízos decorrentes das trocas de arquivos entre usuários.

Ocorre que a delimitação da natureza jurídica do direito de autor sempre foi motivo de divergência, e, assim como no caso da propriedade intelectual, diversas teorias foram concebidas a fim de solucionar este conflito, sendo cada uma delas reflexo do momento histórico no qual foram produzidas.139

Consoante ensina Sérgio Branco, a compreensão da natureza jurídica autoral é resultante da apreciação de dois interesses em oposição, quais sejam, a utilização da obra pela coletividade, com fins de promoção de outros direitos fundamentais, e a possibilidade de aproveitamento econômico da obra produzida.140

Num primeiro momento, assim como os demais direitos de propriedade intelectual, os direitos autorais eram um privilégio real, evoluindo, logo após, à categoria de propriedade, segundo as orientações da categoria dos direitos reais.

No último século, a discussão concentrou-se na argumentação de duas correntes teóricas, a partir de critérios personalísticos e patrimonialísticos: uma referente condição de unicidade, e outra no tocante ao caráter dúplice.

As teorias monistas entendiam o direito autoral a partir de uma prerrogativa única e uniforme que seria exclusivamente patrimonial como um direito de propriedade, ou somente moral, posto que fruto da emanação da alma humana, ocorrendo o seu predomínio por entre ingleses, alemães e franceses – sendo estes últimos defensores da hipótese monista de personalidade.141 Essa concepção chega aos dias atuais sob a configuração adotada na Alemanha e na Áustria em que ambas as faces, a do patrimônio e a pessoal, se conjugam simultaneamente num só direito.142

As teorias dualistas, por outro lado, sustentam uma natureza dúplice dos direitos de autor, na qual coexistem as características pessoais e patrimoniais. É a posição aceita pela maioria da doutrina nacional, uma vez que procura conciliar duas faces importantes procedentes de um mesmo direito, a da retribuição econômica e a da essência personalística

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Autores como Antônio Chaves, Eduardo Pimenta e Alexandre Pereira resumem em suas respectivas obras o elenco das teorias constituídas ao longo dos séculos, no que fica demonstrado o solo fértil provocador de tantos debates sobre o tema. Dentre elas: a teoria do monopólio, a da obrigação ex delito de Gerber, a doutrina da propriedade intelectual de Pouillet, a de Gierke como direitos da personalidade, a dos bens jurídicos imateriais ou direitos intelectuais de Kohler, a do direito de clientela de Desbois, a dualista de Caselli, entre tantas outras. Ver em: ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 8ss.; PIMENTA, Eduardo. Princípios de direitos autorais: um século de proteção autoral no Brasil – 1898-1998. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004. p. 30ss; e PEREIRA, Alexandre Dias. Informática, Direito de autor, e

propriedade tencnodigital. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. p.113-123. 140

BRANCO Jr.. Sérgio Vieira. Direitos Autorais na Internet e o uso de obras alheias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 20007. p. 26.

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ABRÃO, Eliane Yachouh. Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002. p. 34

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MALLMANN, Querino. A natureza jurídica do direito da propriedade intelectual: o direito autoral. In: Revista do Mestrado em Direito, v.2, n. 3. Maceió: Edufal, 2008. p 202.

impressa pelo autor na criação de seu trabalho, de modo que diversas prerrogativas restam asseguradas, com fins de compor um todo ordenado e harmônico.

A Lei brasileira adota esta última concepção, compreendendo o direito autoral como um direito híbrido, de caráter sui generis e inserido no ramo jurídico da propriedade intelectual, no que concorda boa parte dos doutrinadores do país. Nas palavras de Carlos Alberto Bittar:

“(...) exatamente porque se bipartem nos dois feixes citados de direitos – mas que, em análise de fundo, estão por sua natureza e sua finalidade, intimamente ligados, em conjunto incindível – não podem os direitos autorais se enquadrar nesta ou naquela das categorias citadas, mas constituem nova modalidade de direitos privados. São direitos de cunho intelectual, que realizam a defesa dos vínculos, tanto pessoais, quanto patrimonial, do autor com sua obra, de índole especial, própria, ou sui generis, a justificar a regência específica que recebem nos ordenamentos jurídicos do mundo atual.”143

O direito autoral tem como conteúdo tanto direitos de natureza pessoal como direitos de caráter real, o que lhe confere características bastante distintas, já que neste último caso, além de servirem como um estímulo à criação contínua de obras são também prerrogativas de utilização econômica do bem imaterial, ao passo que no anterior a retribuição financeira é substituída pelo caráter personalíssimo da obra originada da criatividade de um autor.

Ao mesmo tempo, o ordenamento jurídico brasileiro também reconhece no direito autoral uma propriedade, devendo esta ser considerada apenas no tocante ao seu aspecto patrimonial. Ainda assim, é preciso que se compreenda que tal propriedade apresenta uma qualificação especial, tendo em vista que, ao contrário do que ocorre na sua acepção habitual, quando é percebida como um direito perpétuo, que somente se extingue em hipóteses específicas, os direitos autorais são limitados, impossíveis de serem usucapidos, desapropriáveis ou perecíveis, e ingressam no domínio público no momento em que cessa a temporalidade de sua proteção.144 Some-se a isso, conforme lembra Carla Caldas, o fato de que se considerado um direito estritamente real, o direito autoral ficará restrito ao âmbito da relação jurídica entre possuidor e coisa possuída, o que não se coaduna com a dinâmica desse instituto.145

Assim, ao adotar as disposições da teoria dualista, o direito autoral brasileiro é compreendido por sua natureza jurídica híbrida, sem que se abandone totalmente a ideia do

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BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 11.

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PIMENTA, Eduardo. Princípios de direitos autorais: um século de proteção autoral no Brasil – 1898-1998. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 22