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4.2 A COLISÃO ENTRE GARANTIAS PROCESSUAIS PENAIS

4.2.1 O conceito de norma jurídica

O estudo dos princípios e da colisão de princípios reclama um anterior estudo sobre o conceito de norma jurídica e as suas espécies, na medida em que os princípios, assim com as regras, para a doutrina mais atual, podem ser classificados como espécies de normas. Contudo, não há a pretensão de se esgotar o tema nesses tópicos, tanto em relação às normas, como, na sequência, em relação aos princípios, ante a extrema complexidade e divergências doutrinárias quanto aos pontos.

Com efeito, Bissoli Filho (2016, p. 15) destaca que a “concepção de norma pressupõe uma distinção entre os campos do ser e do dever-ser”. Desta forma, distinguem-se “‘a forma do ser’, na qual se deve estabelecer a separação entre ‘que algo é’ e ‘o que é’, e ‘a forma do dever-ser’, que se divide em ‘que algo deve-ser’ e ‘o que deve ser’”. Nesse cenário, esse autor pontua que “é possível que o que é existente, ao mesmo tempo não seja devido e que o que é devido não seja existente”.

prescreve como um homem se deve conduzir, e para tal, adjudica-lhe competência. Com isso, esse autor quer dizer que o sentido de “dever” é mais amplo do que comandar, pois engloba também a autorização e o poder para se agir. Nesse sentido, “uma norma pode não só comandar mas também permitir e, especialmente, conferir a competência ou o poder de agir de certa maneira”.

Nessa senda, “norma é o sentido de um ato através do qual uma conduta é prescrita, permitida ou, especialmente, facultada, no sentido de adjudicada à competência de alguém” (KELSEN, 2006, p. 6).

E, consoante assinala Bissoli Filho (2016, p. 16), “a norma se caracteriza por uma ligação normativa”, a qual se distingue da ligação causal porquanto esta observa o princípio da causalidade enquanto aquela “observa o princípio da imputação, o que significa dizer que, enquanto naquele não se depende de um ato de vontade, neste, há uma estrita dependência desta”.

Esse autor ainda explica que a norma jurídica não é isolada, pois o direito, “além de ser ‘uma ordem de coerção’, é, também, concebido como ‘uma ordem normativa, como um sistema de normas que regulam a conduta de homens’” (BISSOLI FILHO, 2016, p. 17).

Alexy (2008, p. 53) faz uma importante distinção entre “norma” e “enunciado normativo”, explicando que este é uma expressão daquele, e, portanto, uma norma é o significado de um enunciado normativo. Desse modo, uma mesma norma pode ser expressa através de diversos enunciados normativos, bem como por nenhum enunciado, como é o caso de semáforos, por exemplo, levando à conclusão de que o conceito de norma é primário ao conceito de enunciado normativo.

Assim, “é recomendável, portanto, que os critérios para a identificação de normas sejam buscados no nível da norma, e não no nível do enunciado normativo” (ALEXY, 2008, p. 54), o que pode ser alcançado através das modalidades deônticas do dever, da proibição e da permissão, ou seja, em consonância com a doutrina de Kelsen, expressam algo que deve-ser.

Outrossim, Grau (2013, p. 37-38) diferencia norma e enunciado asseverando que “o texto é sinal linguístico; a norma é o que se revela, designa”, assim, podemos dizer que as normas resultam da interpretação que se faz do texto normativo e, portanto, “o ordenamento, no seu valor histórico-concreto, é um conjunto de interpretações, isto é, conjunto de normas”.

Acrescente-se ainda o ensinamento de Bissoli Filho (2016, p. 21) quando menciona que as normas jurídicas se distinguem das proposições jurídicas pois aquelas “são os imperativos normalmente usados para prescrever ou dar ordens ou estabelecer obrigações, proibições e permissões”, ao passo que as proposições jurídicas “servem para ‘enunciar que há uma determinada proibição ou que algo é obrigatório ou está permitido de acordo com uma norma

ou conjunto de normas dadas’”.

Na mesma direção, Kelsen (2006, p. 4), de há muito, já defendia que o que transforma um fato externo em ato jurídico (ou antijurídico) não é o seu ser natural, mas “o sentido objetivo que está ligado a esse ato, a significação que ele possui”, e esse sentido jurídico é dado por intermédio de uma norma que a ele se refere com seu conteúdo, portanto, “a norma funciona como esquema de interpretação”.

Outrossim, Ávila (2014, p. 50) argumenta que “normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos”. Nesse cenário, é possível falar que os dispositivos são objetos de interpretação enquanto as normas são o resultado dessa interpretação.

Acrescente-se, ainda, o pensamento de Hart (2009, p. 105) quando destaca que “a ideia de norma não é absolutamente uma ideia simples”, pois existem dois tipos diferentes de normas, ainda que relacionadas: normas do tipo “básico ou primário”, que “exigem que os seres humanos pratiquem ou se abstenham de praticar certos atos”, e normas do tipo “parasitária ou secundária”, pois “estipulam que os serem humanos podem, ao fazer ou dizer certas coisas, introduzir novas normas do tipo principal, extinguir ou modificar normas antigas ou determinar de várias formas sua incidência, ou ainda controlar sua aplicação”. Com isso, o autor diferencia as normas que consistem em deveres, e as normas que outorgam poderes.

Comentando sobre a distinção entre normas “primárias” e “secundárias” de Hart, Dworkin (2002, p. 31) esclarece que “as regras primárias são aquelas que concedem direitos ou impõem obrigações aos membros da comunidade”, enquanto “as regras secundárias são aquelas que estipulam como e por quem tais regras podem ser estabelecidas, declaradas legais, modificadas ou abolidas”.

Por fim, Bobbio (2014, p. 35) explica que “as normas jurídicas não existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas que guardam relações entre si”, e é esse conjunto de normas que denominamos “ordenamento”.