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3.2 GARANTIAS PROCESSUAIS PENAIS

3.2.1 Conceito e distinções entre direitos e garantias

3.2.1.2 Garantias

Barbosa (1892, p. 194) de há muito já defendia uma distinção entre direitos e garantias, explicando que as disposições constitucionais declaratórias imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, enquanto as disposições assecuratórias são as que limitam o poder em defesa daqueles direitos, constituindo-se em garantias, “ocorrendo não raro juntar-se na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia com a declaração do direito”.

Bonavides (2010, p. 525) explica que as garantias derivam de garant do alemão gewähren-gewähr-leistung, e refletem “uma imposição que afirma a segurança e impõe cobro à incerteza e à fragilidade”. Desta forma, “existe a garantia sempre em face de um interesse que demanda proteção e de um perigo que se deve conjurar”.

O autor ainda acentua que “a garantia – meio de defesa – se coloca então diante do direito, mas com este não se deve confundir” (BONAVIDES, 2010, p. 526).

Na mesma senda, Mendes e Branco (2016, p. 167) conceituam garantia como “a possibilidade de exigir dos Poderes Públicos o respeito ao direito que instrumentalizam”.

De acordo com Tucci (2011, p. 55), esse dualismo – direito e garantia – é indispensável, pois estes tutelam aqueles através de instrumentos correspondentes de acordo com a sua grandeza, dignidade e importância.

Prossegue o autor contando que “estabelecidos os direitos fundamentais do indivíduo, devem ser, igualmente, estatuídas as garantias a eles correspondentes, a fim de preservá-los e tutelá-los mediante atuações judiciais” (TUCCI, 2011, p. 55).

Bonavides (2010, p. 526) esclarece que a distinção entre direitos e garantias foi realizada por publicistas de renome na América Latina que tiveram “justificada preocupação de fixar um conceito de garantia tanto quanto possível desembaraçado e independente do conceito de direito”.

Nessa acepção, citando trecho de Carlos Sánches Viamonte, Bonavides (2010, p. 527) expõe que “garantia é a instituição em favor do indivíduo, para que, armado com ela, possa ter ao seu alcance imediato o meio de fazer efetivo qualquer dos direitos individuais [...]”.

Segundo Jorge Miranda, as liberdades assentam-se na pessoa, enquanto as garantias reportam-se em relação aos modos de organização e atuação do Estado. Desta forma, a proteção da liberdade contra o Estado é o polo jurídico da formulação conceitual de garantia que temos hoje (BONAVIDES, 2010, p. 528-529).

Bonavides (2010, p. 531-532) conta que para o doutrinador Amancio Alcorta, assim como para muitos outros publicistas do liberalismo hispano-americano e luso-brasileiros, “as garantias constitucionais são as garantias individuais, não havendo distinção de significado no

emprego de ambas as expressões”, peculiar aos valores do liberalismo, concentrados sobre a liberdade e o indivíduo e não sobre igualdade e a sociedade.

De outro lado, Bonavides (2010, p. 532-533) distingue as garantias em acepção lata, como garantias da própria Constituição, e acepção estrita, como garantias dos direitos subjetivos expressos na Constituição.

Explica o autor que na acepção lata, as garantias funcionam como forma de manter a eficácia e permanência da ordem constitucional e conservação do Estado de Direito, sendo-lhe reservado o termo garantia constitucional por constitucionalistas italianos posteriores a Segunda Guerra Mundial (BONAVIDES, 2010, p. 533).

De outro lado, nessa acepção estrita, as garantias visam proteger direitos fundamentais através de remédios jurisdicionais providos pela ordem constitucional, sendo esta a acepção mais adotada pelos constitucionalistas latino-americanos (BONAVIDES, 2010, p. 533).

Outrossim, essas garantias constitucionais em sentido estrito podem ser entendidas como mecanismos de coerção direcionados as condutas contrárias ao exercício dos direitos fundamentais (MORAES, 2018, p. 285).

Na mesma direção, Silva (2005, pág. 412-413) distingue as garantias em gerais e constitucionais, sendo aquelas destinadas a assegurar a eficácia dos direitos constitucionalmente previstos, enquanto estas “consistem nas instituições, determinações e procedimentos, mediante os quais a própria Constituição tutela a observância ou, em caso de inobservância, a reintegração dos direitos fundamentais”.

De todo modo, Bonavides (2010, p. 534) pontua que as garantias “passaram por uma espécie de alargamento, visto que não ficaram tão somente circunscritas à guarda dos direitos individuais na projeção clássica do liberalismo”.

Desta forma, com o advento do Estado social substituindo o Estado liberal, a partir da República de Weimar, Carl Schmitt já reconhecia uma modalidade autônoma de garantias, denominada de garantias institucionais, que tratavam de uma proteção que a Constituição confere a determinadas instituições que reconhece como fundamentais para a sociedade (BONAVIDES, 2010, p. 535-537).

Bonavides (2010, p. 539), citando Klaus Stern, explica que “determinadas instituições jurídicas devem ser resguardadas de uma supressão ou ofensa ao seu conteúdo essencial ou esfera medular, por parte do Estado, sobretudo do legislador”.

Nesse cenário, a garantia institucional pode ser maior ou menor em cada Estado de acordo com o valor atribuído às suas instituições, conferindo mais flexibilidade e independência aos Estados do que na esfera dos direitos fundamentais (BONAVIDES, 2010, p. 541-542).

forma de defesa das liberdades individuais contra arbítrios do Estado, foi acrescida, na Constituição de 1934, o mandado de segurança, que visa proteger o direito individual contra atos manifestamente inconstitucionais ou ilegais de qualquer autoridade administrativa.

A Constituição de 1988 trouxe, ainda, novas garantias processuais, como o mandado de injunção que deve ser concedido sempre que a falta de norma regulamentadora tornar inviável o exercício dos direitos e liberdades e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; o mandando de segurança coletivo, caracterizando-se pelo alargamento da legitimação para propositura daquele mandado de segurança já previsto desde 1934; e o habeas data, que visa garantir o acesso a informações relacionadas à pessoa impetrante, constantes de registros de banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público (BONAVIDES, 2010, p. 551-552).

Já no âmbito penal, Ferrajoli (2010, p. 494-495) divide as garantias em penais e processuais, explicando que aquelas dependem destas para serem efetivadas, e comenta que entre os conjuntos de garantias existem nexos estruturais e funcionais.

Nesse sentido, o autor explica que as garantias processuais são ditas como instrumentais pois garantem a efetivação das garantias penais, chamadas, por sua vez, de substanciais. Porém, as garantias penais também guardam uma vertente instrumental uma vez que visam garantir juízos não arbitrários. E, por isso, tanto as garantias penais quanto as processuais não valem apenas por si mesmas, senão para garantia recíproca de efetividade (FERRAJOLI, 2010, p. 495).

Contudo, tais garantias instrumentais não devem ser entendidas tão somente sob uma perspectiva técnica, pois também configuram instrumento para efetivar o acesso à justiça.

Nesse sentido, Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 86) esclarecem que “a própria Constituição incumbe-se de configurar o direito processual não mais como mero conjunto de regras acessórias de aplicação do direito material, mas, cientificamente, como instrumento público de realização da justiça”.