A recente e eclética teoria da perda de uma chance é alvo de discussões entre os
estudiosos do direito, mas vem ganhando espaço nos ordenamentos jurídicos, mormente, nas
cortes superiores.
Sendo assim, urge imperiosa a definição do que é perda de uma chance.
De modo muito simplista, cuida-se da responsabilidade civil pela chance perdida
de alcançar uma vantagem ou evitar um prejuízo, com incidência na área patrimonial e
extrapatrimonial, autorizando uma indenização independentemente da ocorrência do dano
final.
Mota conceitua a perda de uma chance como sendo “[...] aquele dano do qual
decorre a frustração de uma esperança, da perda de uma oportunidade, de uma
probabilidade. [...].”
36(grifo nosso).
Segundo Santos, a perda de uma chance é “[...] considerada como a frustração
de uma oportunidade em que seria obtido um benefício, caso não houvesse o corte
abrupto em decorrência de um ato ilícito.”
37(grifo nosso).
Por sua vez, Gondim afirma que:
A teoria da perda de uma chance, como é comumente denominada, objetiva a indenização da vítima que teve frustrado o seu objetivo. O dano em si, não será imputado ao agente, pois poderá haver outras concausas; todavia, o agente será responsável pela chance perdida, ou seja, a certeza de ganho que foi encerrada por sua conduta. 38 (grifo nosso).
Seguindo estas orientações doutrinárias, pode-se concluir que a perda de uma
chance é a responsabilização de alguém pelo cometimento de uma ação ou omissão
lesivas ou risco causado, que resultou em dano a outrem, em virtude de lhe ter retirado a
oportunidade de conseguir uma vantagem ou evitar um prejuízo.
36 MOTA, Sílvia. Perda de chance no direito brasileiro: implicações jurídicas nas relações médicas.
CENPESJUR. Disponível em:<http://www.silviamota.com.br/biobio/artigos/perdadechancenodirbrs.htm>.
Acesso em: 23 out. 2006.
37 SANTOS, 1999.p. 110. 38 GONDIM, 2005. p. 23.
A oportunidade perdida é que justifica a obrigação de indenizar. E esta
oportunidade “não é o benefício aguardado, mas a simples probabilidade de que esse
benefício surgiria, se não houvesse um corte no modo de viver na vítima.”
39Isto porque não se pode deixar de indenizar uma pessoa, só porque a mesma não
pode provar que certamente teria a vantagem no futuro, por exemplo, basta que exista uma
chance séria e real e que lhe seja tolhida, haja vista que um prejuízo já ocorreu com a perda da
possibilidade.
Neste sentido, afirma e exemplifica Kfouri Neto citando os irmãos Mazeuad e
Mauzead:
São numerosos os casos em que uma pessoa se queixa de haver perdido uma chance (probabilidade) por culpa de outra. Encarregado de conduzir ao hipódromo um cavalo de corridas ou a seu jóquei, o transportador se atrasa, fazendo com que cheguem depois do início da corrida; por isso, o proprietário perde a chance de ganhar o prêmio. Notário, negligente no cumprimento do mandato que lhe havia sido conferido pelo cliente, faz com que este perca a probabilidade de adquirir uma propriedade. Auxiliar de escritório de advocacia, encarregado de protocolar apelação, ou advogado, que deveria recorrer, perdem os prazos; seus clientes perdem a chance de que se modifique a decisão contrária. (...) Todas essas espécies e muitas outras surgem na jurisprudência. Os tribunais não têm vacilado em conceder reparação.
Sem dúvida, não era certo que o cavalo ganharia a corrida, ou que o recurso seria provido (...). Mas é inegável que havia uma chance. E esta chance se perdeu. Existe aí um prejuízo, que não é hipotético (...).40
Savi defende a admissibilidade da teoria da perda de uma chance no nosso
ordenamento quando conclui:
[...] em determinados casos, a chance ou oportunidade poderá ser considerada um bem integrante do patrimônio da vítima, uma entidade econômica e juridicamente valorável, cuja perda produz um dano, na maioria das vezes atual, o qual deverá ser indenizado sempre que a sua existência seja provada, ainda que segundo um cálculo de probabilidade ou por presunção.41
Entretanto, esta chance perdida não pode ser hipotética, sob pena de fomentar a
indústria de pedidos de indenizações sem quaisquer razões plausíveis de existir, baseadas em
mera suposição.
E para evitar que isto ocorra é que o uso da estatística é muito importante, pois
deverá haver um grau de probabilidade de que a chance teria de se concretizar. Ou seja, não
basta ter uma chance perdida, ela deve ser séria, não sendo suficiente uma mera expectativa.
39 SANTOS, 1999, p. 110.
40 KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas
probatórias dinâmicas, inversão do ônus probatório e consentimento informado: responsabilidade civil em pediatria e responsabilidade civil em gineco-obstetrícia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 96-97.
Sendo assim, a chance perdida passível de indenização é aquela real.
Em outras palavras, a chance perdida, além de ter que ser uma oportunidade real
de ganho ou de se evitar um prejuízo (não se tratando de ilusões, fantasias ou esperanças),
precisa estar revestida de uma grande probabilidade de ocorrência. E neste aspecto, há quem
defenda que a oportunidade perdida, séria e capaz de autorizar a concessão de uma reparação
civil, deve estar revestida de mais de 50% de ocorrência de concretização da vantagem.
42Com muita propriedade, Kfouri Neto finaliza este raciocínio dizendo que:
De maneira geral, a perda de uma chance repousa sobre uma possibilidade e uma certeza: é verossímil que a chance poderia se concretizar; é certo que a vantagem esperada está perdida – e disso resulta um dano indenizável. Noutras palavras: há incerteza no prejuízo - e certeza na probabilidade. 43
Vê-se que a análise do dano repousa sobre a verossimilhança da possibilidade de
ocorrência da chance, ou seja, há aqui a probabilidade de efetivação do resultado final que era
esperado. Há também a certeza de que a conduta do ofensor retirou da vítima a oportunidade
que tinha.
Ato contínuo, destaca-se a sintetização feita pelo jurista francês François Chabas,
acerca dos elementos caracterizadores da perda de uma chance, conforme nos apresenta
Gondim: “Os elementos que caracterizam a perte d’une chance são, segundo Fraçois [sic]
Chabas, a conduta do agente; um resultado que se perdeu, podendo ser caracterizado como
dano; o nexo causal entre a conduta e as chances que se perderam.”
44Nota-se que estes são, em regra, os pressupostos da responsabilidade civil, só que
analisados sob o prisma da perda de uma chance.
Evidentemente, percebe-se que, havendo o dano, a vítima deve ser indenizada.
E sendo assim, a teoria em discussão deve ser reconhecida seja quando estiver se
tratando de responsabilidade civil subjetiva, quando a culpa é o fundamento principal, ou
mesmo quando for responsabilidade objetiva, quando a reparação independerá da
demonstração do pressuposto subjetivo, vez que em ambas as situações uma chance séria e
provável pode restar frustrada.
Desta feita, a responsabilidade civil pela perda de uma chance é de fácil
assimilação quando se analisam seus pormenores, posto que ela está presente em muitas
42 SAVI, 2006. p. 102-103.
43NETO KFOURI, Miguel. Graus de culpa e redução eqüitativa da indenização. Disponível
em:http://209.85.165.104/search?q=cache:XeCX1dOZIJEJ:www.tj.pr.gov.br/download/cedoc/Grausdeculpaer edu%C3%A7%C3%A3oequitativadaindeniza%C3%A7%C3%A3o.doc+grasu+de+culpa+Miguel+Kfouri+net o&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=3&gl=br. Acesso em: 13 fev. 2007.