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Não obstante a necessidade de admissibilidade da nova teoria, diante das situações

cotidianas, o Código Civil de 1916 não fazia e o atual de 2002 também não faz menção a

teoria da perda de uma chance. Entretanto, nosso ordenamento jurídico mostra-se receptível

61 SILVA, Roberto de Abreu e. A teoria da perda de uma chance em sede de responsabilidade civil. Revista da

EMERJ, Rio de Janeiro, v. 9, n. 36, [aproximadamente 20p], 2006. Disponível em:<EMERJ – Publicações

emerjpublicacoes@tj.rj.gov.br>. Acesso em: 09 jan. 2004.

62O referido maratonista brasileiro, nas Olimpíadas de 2004, quando liderava a prova da maratona, faltando 6

quilômetros para terminar a prova, abruptamente, foi barrado por um homem do público, vindo ao chão. Segundos depois, com ajuda de algumas pessoas, conseguiu livrar-se do agressor e retornou à prova, chegando em terceiro lugar e ganhando a medalha de bronze. In: SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Perda de uma

chance. Disponível em:<http://209.85.165.104/serach?q=cache:_HnzucSL2-

4J:www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosc/Regina_perda.doc.+perda+de+uma+chance+brasil&hl=pt- BR&gl=br&ct=clnk&cd=10>. Acesso em: 08 jan. 2007.

para acolhê-la, cujos argumentos repousam na Carta Magna e no próprio Código Civil em

vigência.

Primeiramente, observando os preceitos da Constituição Federal, destaca-se o

princípio da dignidade da pessoa humana que deve ser observado sempre que alguém

causar qualquer tipo de dano injusto a outrem.

Referido princípio fundamenta, juntamente aos demais, o Estado Democrático de

Direito, no qual, além do respeito à liberdade das pessoas, é preciso observar-se os direitos

dos demais cidadãos, dos quais, mormente, cita-se a vedação de lesão ao patrimônio e/ou a

personalidade daqueles.

O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no art. 1º, inciso III, da

Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...];

III – a dignidade da pessoa humana; [...].63 (grifo nosso).

Segundo José Afonso da Silva “Dignidade da pessoa humana é um valor supremo

que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à

vida”.

64

(grifo do autor).

Acrescenta Santos sobre a dignidade da pessoa humana:

Ela pressupõe a existência de outros direitos. Sem ela não há como o ser humano desenvolver-se em plenitude e atingir a situação de bem-estar social. Até para viver em sociedade, sem aquele plexo de dignidade, não há como haver essa interação. Quando a Constituição protege interesses públicos, como o direito ao meio ambiente saudável e não degradado, essa proteção visa resguardar a dignidade.65

Sem dúvidas, referido princípio é primordial e indispensável para que se fixe

indenização em favor dos ofendidos, pois busca coibir condutas degradantes e ofensivas, em

respeito à condição humana de cidadão integrante de uma sociedade democrática.

63 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 de outubro

de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 jun. 2007.

64 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros.

2003. p. 105.

E reforçando a importância da dignidade da pessoa humana, surge imperiosa a

previsão do inciso I, do art. 3º, da Magna Carta, notadamente, quanto à justiça: “Art. 3º

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir

uma sociedade livre, justa e solidária; [...]”.

66

(grifo nosso).

Sem menosprezo as demais concepções, sinteticamente e especialmente dentro do

instituto da responsabilidade civil, entende-se que a justiça é o que se busca quando é fixada

uma indenização em favor de alguém que tenha sofrido um prejuízo patrimonial ou uma dor

moral, protegendo a sua dignidade.

Sendo assim, aliando a dignidade da pessoa humana à justiça, trazendo-os para o

instituto em apreço, tem-se o princípio da reparação integral dos danos, implicitamente

previsto na Constituição Federal do Brasil, o qual justifica a aceitação da teoria da perda de

uma chance, pois ele objetiva maior proteção às vítimas de atos ofensivos.

Na esfera infraconstitucional, em consonância com as previsões da Constituição

Federal, tem-se o Código Civil pátrio em vigência.

A Legislação Civilista está aberta para o reconhecimento desta nova espécie de

dano, vez que não se percebe limitação aos tipos de danos indenizáveis, ressalvando tão-

somente a impossibilidade de reparação de danos hipotéticos, que não é o caso da perda de

uma chance.

É o que se percebe quando se analisa os arts. 186 e 927, ambos do Código Civil,

respectivamente:

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.67

A inexistência de um rol taxativo de danos que possam ser indenizados é o

primeiro passo para a aplicação da teoria em explanação, pois a sociedade é mutável e novas

condutas e prejuízos podem surgir diariamente, e, caso as vítimas não possam ser reparadas,

um clima de impunidade civil permearia a vida social.

A legislação civilista acima citada caracteriza-se por ser um código com cláusulas

abertas, permitindo que o julgador possa melhor interpretar o direito positivado, autorizando-o

a adequar as normas jurídicas ao caso concreto, para o fim de dar uma resposta justa, o que,

evidentemente, exige do operador maior conhecimento e responsabilidade.

68

66 BRASIL, 1988, loc. cit. 67 BRASIL, 2002, loc. cit. 68 Cf.: SAVI, 2006. p. 83-86.

E se assim o é, porque não aceitar a teoria da perda de uma chance?

A importância da admissibilidade da teoria da perda de uma chance é muito bem

apresentada por Mota quando assevera que :

Faz-se relevante estabelecer juridicamente a perda de uma chance como vínculo da causalidade, em resposta à necessidade premente de proteção à pessoa humana, ajudando a reordenar os paradoxos e atendendo aos anseios de Justiça do homem da atualidade.69 (grifo do autor).

Vê-se nesta nova teoria, além de uma atenção merecida às vítimas de ilícitos civis,

representa uma nova forma de se avaliar a responsabilidade civil, haja vista uma nova espécie

de dano, que merece atenção dos legisladores, dos doutrinadores e dos aplicadores do direito,

especialmente, diante do seu objetivo: proteção às vítimas.

E como demonstrado, o nosso ordenamento respalda esta nova forma de

indenização, não sendo conveniente que se deixe de reconhecê-la, observando-se as inúmeras

situações que aparecem no dia-a-dia da sociedade, razões que se utiliza para a exposição do

assunto do próximo item: a reparação dos danos.