• Nenhum resultado encontrado

Conceito, Princípios e Filosofia dos Cuidados Paliativos

1. EVOLUÇÃO DOS CUIDADOS PALIATIVOS ATRAVÉS DA HISTÓRIA

1.1 Conceito, Princípios e Filosofia dos Cuidados Paliativos

Os CP definem-se de acordo com o PNCP (2008, p.7) em consonância com a Organização Mundial de Saúde (OMS), como “uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos doentes – e suas famílias – que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável e/ou grave e com prognóstico limitado, através da prevenção e alívio do sofrimento, da preparação e gestão do fim de vida e do apoio no luto, com recurso à identificação precoce e tratamento rigoroso dos problemas não só físicos, mas também psicossociais e espirituais. Os Cuidados Paliativos são cuidados intensivos de conforto. São prestados de forma multidimensional e sistemática por uma equipa multidisciplinar, cuja prática e método de tomada de decisões são baseados na ética clínica”.

Os CP constituem-se como uma resposta organizada à necessidade de tratar, cuidar e apoiar ativamente os doentes em qualquer estádio da doença, desde o diagnóstico até à fase final de vida, integrando a família como alvo dos cuidados da equipa multidisciplinar, quer durante a doença, quer no processo de luto, com o objetivo de promover a qualidade de vida e o bem-estar da díada doente-família, independentemente da fase da doença em que se encontra. Focalizam-se em quatro

34

áreas centrais de atuação: controlo sintomático, comunicação eficaz e ajustada; apoio à família/cuidador, sustentado por um trabalho de equipa multidisciplinar (Barbosa; Neto, 2006). Destinam-se assim, a todas as pessoas com doenças crónicas sem resposta à terapêutica de intuito curativo; com prognóstico de vida limitado; com intenso sofrimento; com problemas e necessidades de difícil resolução que exigem apoio específico, organizado e interdisciplinar. A missão da equipa dos CP deve consistir em aliviar e minimizar o sofrimento, proporcionar medidas intensivas de conforto e aumentar a qualidade de vida da pessoa doente e família. Para isso é fundamental que se estabeleça uma relação de confiança entre equipa de saúde, doente e família de forma a que o doente e família se sinta acompanhado e que as suas emoções e sentimentos possam ser exteriorizadas e validadas. Salienta, Araújo e Silva (2012), ser fundamental permitir que a pessoa doente e família possam exteriorizar as suas emoções e sentimentos, de forma a que haja compreensão não só do significado que as palavras brotam, mas também os sentimentos que veem implícitos na mensagem.

Outro aspeto primordial relaciona-se com a continuidade dos cuidados no trajeto da doença. Os CP devem iniciar-se ainda, durante a fase curativa e vão se estendendo até ao luto como podemos observar na figura seguinte.

Figura nº 1 - Modelo Organizativo de Cuidados Paliativos, OMS

Fonte: Direção Geral de Saúde (2010)

Podemos observar que o Modelo Organizativo de Cuidados Paliativos, pretende introduzir os CP o mais precocemente possível e em articulação com os cuidados curativos, ou seja, esta filosofia de cuidados pode e deve ser implementada em fases

35

mais precoces de progressão duma doença incurável e progressiva, a par de medidas com intencionalidade curativa, já que têm em vista o alívio do sofrimento e a promoção da qualidade de vida dos doentes e famílias. Assim, estes cuidados devem estar presentes desde o momento do diagnóstico até a morte e prolongarem-se para apoiar no processo de luto (Direção Geral de Saúde, 2010). Convém ainda salientar, conforme já demonstrado anteriormente que os CP não se dirigem unicamente para doentes terminais. Assim, passamos a clarificar o conceito de doente terminal.

Segundo os Standards de CP, do Servei Catalá de LA Salut (1995) Cit. por ANCP (2006, p.5) define doente terminal como “(…) aquele que apresenta doença avançada, incurável e evolutiva, com elevadas necessidades de cuidados de saúde pelo sofrimento associado e que, em média, apresenta uma sobrevida esperada de 3 a 6 meses.” É assim, uma pessoa que se encontra na fase terminal de uma doença crónica ameaçadora da vida, onde a morte passa a ser o esperado independentemente da terapêutica utilizada. O PNCP (2008, p.18) refere que “Os Cuidados Paliativos não são determinados pelo diagnóstico, mas pela situação e necessidades do doente”.

Salienta-se que os CP se destinavam numa fase inicial da sua implementação no terreno apenas a doentes com cancro, nos estádios terminais da doença. Com a evolução dos CP, tornou-se importante realizar transições conceptuais, de modo a garantir uma prestação de cuidados adequada. A revisão do PNCP (2008), substitui o termo Doença Terminal, por Doença Avançada Progressiva, pelo facto de se entender que “o prognóstico de meses, semanas ou dias já não é o critério fundamental para a indicação de intervenção paliativa de equipas específicas em Cuidados Paliativos” (PNCP,2008, p.10). Alargou-se assim, a situações como as insuficiências avançadas de órgão, a SIDA em estádio terminal, as doenças neurológicas degenerativas, as demências na sua fase final, entre outras. Parece-nos também importante realçar que perante um doente em fase terminal a equipa de saúde deve perceber que este doente necessita essencialmente de presença, disponibilidade e respeito permitindo-lhe uma morte serena e digna. É a qualidade dos momentos passados com a pessoa que a faz sentir-se acompanhada e compreendida, aumentando a sua confiança nos cuidados prestados e diminuindo o medo do sofrimento e do abandono (Moura,2011).

Convém ainda acrescentar, que nos CP a família ocupa um papel fundamental, sendo ela também parceira no cuidar e também foco de cuidados. Assim é importante

36

identificar na família quem será o cuidador principal e com ele estabelecer uma parceria de cuidados, clarificando expectativas e identificando as suas necessidades dando-lhe informação necessária a cada momento (Aparício, 2010).

Conhecer a dinâmica familiar, detetar conflitos ou vivências traumáticas anteriores relacionadas com a morte ou doença, bem como, saber identificar sinais de burnout é fundamental para a família se sentir membro da equipa de saúde (DGS, 2011). Salienta Pacheco (2002) Cit. por Machado (2006) que o fato da família puder estar envolvida nos cuidados a prestar ao seu familiar, de modo a conseguirem ajudar com que este fique mais confortável, faz com que a família se sinta útil e não impotente perante o sofrimento da pessoa que gosta. Ainda nesta linha de pensamento, e segundo Sapeta e Lopes (2007, p.44),o que os doentes mais desejam no processo de transição de saúde- doença é “(…) qualidade de vida, ou seja, alívio do sofrimento físico, emocional e espiritual, mediante uma interação que garanta o conforto, o controle de sintomas, a informação detalhada, tomar parte da tomada de decisões a seu respeito, manter a sua vida relacional e afetiva, permanecendo o mais próximo possível dos familiares (…)”. De acordo com o PNCP em 2004 é importante ressalvar que os CP:

 Valorizam a vida e consideram a morte como um processo natural, pelo que não pretendem provocá-la ou atrasá-la, através da eutanásia ou da obstinação terapêutica desadequada;

 Promovem o bem-estar e a qualidade de vida do doente, pelo que se deve disponibilizar tudo aquilo que vá de encontro a essa finalidade, sem recorrer a medidas agressivas;

 Promovem uma abordagem global e holística do sofrimento dos doentes, seja físico, psicológico, social ou espiritual, com prestação de cuidados interdisciplinar tanto para o doente como para a família;

 Os CP devem ser oferecidos com base nas necessidades e não apenas no prognóstico e diagnóstico, pelo que podem ser introduzidos em fases mais precoces da doença, quando o sofrimento é intenso;

 Devem abranger as necessidades das famílias e cuidadores e prolongam-se pelo período de luto;

 Os CP pretendem ser uma intervenção rigorosa no âmbito dos cuidados de saúde, pelo que utilizam ferramentas científicas e integram-se no sistema de

37

saúde, não devendo existir à margem do mesmo (PNCP, 2004 Cit. por Barbosa; Neto, 2006).

Perante os princípios anteriores, a pessoa com uma doença crónica, grave ou/ incurável, prolongada e progressiva, necessita de uma abordagem sistemática e especializada por equipas multidisciplinares com formação avançada em CP, em unidades certificadas e reconhecidas pela APCP. A pessoa é afetada em todas as suas dimensões que lhe provocam grande sofrimento e que se estende para a família. Assim, só com profissionais com formação especializada em CP e com uma prática baseada na evidência científica, conseguimos oferecer cuidados de qualidade no final da vida. Convém ressaltar, que os objetivos terapêuticos se centram na procura de conforto e de bem-estar, alívio do sofrimento físico, psicológico, social e espiritual, e em dar resposta a todas as necessidades efetivas que o doente e família apresentam.

Hoje considera-se a filosofia e perspetivas dos CP como fulcral para cuidados de qualidade e defende-se que eles devem ser um direito e uma questão de justiça. É importante que os profissionais de saúde saibam aceitar os limites e a morte com a maior tranquilidade e serenidade possível (Sapeta; Lopes, 2007). Assim, os enfermeiros devem orientar o seu agir de forma a respeitar a pessoa na sua totalidade, protegendo a sua dignidade e os seus direitos. Segundo o artigo 87º do Código Deontológico dos Enfermeiros: “O enfermeiro, ao acompanhar o doente nas diferentes etapas da fase terminal, assume o dever de:

Defender e promover o direito do doente à escolha do local e das pessoas que deseja que o acompanhem na fase terminal da vida;

Respeitar e fazer respeitar as manifestações de perda expressas pelo doente em fase terminal, pela família ou pessoas que lhe sejam próximas;

Respeitar e fazer respeitar o corpo após a morte” (Ordem dos Enfermeiros, 2003 cit. por Moura,2011, p.206).

O enfermeiro tem ainda, o papel fulcral de advogado do doente, assegurando, defendendo e zelando pelos seus direitos, desejos e vontades sejam respeitados. Assim é dever do enfermeiro:

Assegurar o direito primordial da pessoa a morrer com dignidade, enquanto sinonimo de morrer em paz, acompanhado por quem mais desejar, e não sozinho, com assistência médica que lhe é devida;

38

Acompanhar o doente privilegiando a sua qualidade de vida, não só minorando a dor, como ajudando-o a aceitar e a preparar-se para a morte, beneficiando dos CP e do acompanhamento psicológico necessário;

Respeitar o direito a uma morte com dignidade, evitando que o doente seja sujeito a tratamentos ou ao uso de terapias inúteis, pois não sendo mais possível a cura, estes apenas conduzem ao prolongar do sofrimento;

Ajudar a morrer, através da solidariedade, da presença, da atenção e ajudar a dar um sentido ao tempo que falta viver (ibidem, p.207).

Ainda nesta linha de pensamento, Moura (2011) refere que o doente em fase final de vida tem o direito de não sofrer inutilmente, o direito à liberdade de consciência, o direito a conhecer a verdade, o direito a tomada de decisão da sua própria vida. Para isso os enfermeiros terão que não descurar a relação de ajuda pois esta favorece um clima de compreensão, sendo assim, um processo interpessoal, que permite à pessoa compreender melhor a sua situação, aceita-la, a abrir-se à mudança e à evolução pessoal, promovendo a sua autonomia. Também uma relação empática, assume um papel “(…) imprescindível, no sentido de o ajudar a viver o mais serenamente possível até ao momento da morte. De facto, se não existir essa relação, todos os cuidados prestados ao doente perderão a sua eficácia, uma vez que é fundamental que este se sinta ocupado, compreendido e apoiado” Pacheco Cit por Moura (2011, p. 179). Ao desenvolver estas capacidades, o profissional consegue estabelecer uma relação de ajuda.

O PNCP (2010) também enfatiza determinados princípios na prática dos CP, nomeadamente:

 Receber CP adequados à complexidade da situação e às necessidades da pessoa, incluindo a prevenção e o alívio da dor e de outros sintomas;

 Autonomia, identidade e dignidade;

 Escolher o local da prestação de cuidados e os profissionais;

 Ser informado sobre o seu estado clínico, de forma adequada, se for essa a sua vontade;

 Participar nas decisões, num trabalho de partilha e parceria com a equipa prestadora de cuidados;

39

 Serem identificadas as suas necessidades e preferências;

 Receber apoio adequado à sua situação e necessidades incluindo a facilitação no processo de luto.

Os CP, tal como são definidos no âmbito do presente programa referido anteriormente, destinam-se essencialmente a doentes e família que, cumulativamente:

 Têm prognóstico de vida limitado;  Têm intenso sofrimento;

 Têm problemas e necessidades de difícil resolução que exigem apoio específico, organizado e interdisciplinar.

Em síntese, os CP são uma resposta estruturada da medicina moderna, atuando de uma forma interdisciplinar, no sofrimento humano relacionado com doenças sem perspetiva de cura.