• Nenhum resultado encontrado

Espiritualidade em Cuidados Paliativos

3. CUIDAR DA PESSOA EM SITUAÇÃO DE FIM DE VIDA

3.1. Espiritualidade em Cuidados Paliativos

Hoje, a maior parte dos doentes morrem no hospital, local desconhecido, hostil, impessoal carregado de rotinas, sendo percebidos como ameaçadores para o doente e família, que se encontram numa situação de fragilidade, vulnerabilidade, contribuindo

68

para aumentar a sua ansiedade, stresse, desconforto, etc., apelando assim, à necessidade de atender à sua dimensão espiritual. Para isso, o acompanhamento da pessoa em fim de vida e família exige uma participação ativa e competente da equipa de saúde, no sentido de satisfazer as suas necessidades, privilegiando o direito de morrer com dignidade e o direito de receber bons cuidados, alicerçada no dever do respeito pela vida (Cerqueira, 2010).

Importa salientar, que a pessoa é constituída por quatro dimensões fundamentais: física, psíquica, social e espiritual e, por conseguinte, os profissionais de saúde devem procurar atender às necessidades da pessoa em todas estas dimensões.

Sendo a dimensão espiritual, especialmente reconhecida pela pessoa em fim de vida, como uma dimensão fundamental, os profissionais de saúde devem reconhecer a importância da espiritualidade, particularmente no contexto de doença, devendo ser um processo implícito na prática dos cuidados. Contudo, a falta de formação, a sobrecarga de trabalho, o défice de recursos humanos, entre outros fatores, constituem-se como limitações importantes à implementação de cuidados espirituais de forma eficaz e eficiente, particularmente aos doentes em fim de vida (Martins, 2015). Sabe-se que a desvalorização do cuidado espiritual, implica que o doente que experiência o processo de morrer não consiga redescobrir o seu próprio sentido da vida.

Salienta-se ainda, que para além da desvalorização da dimensão espiritual na prática de cuidados, muitas vezes esta dimensão é confundida, como seja a dimensão da religiosidade, mas é importante percebermos que são conceitos distintos. Assim, espiritualidade refere-se à vivência multidimensional, complexa, individual e subjetiva, ou seja, dá significado à própria vida da pessoa, como ser único. Religião é uma das muitas formas de o ser humano expressar a sua espiritualidade, e caracteriza-se por um conjunto de crenças, valores e rituais que representam fidelidade a uma realidade última, ou seja, aplica-se a crentes e a não crentes, sendo a religião englobada na espiritualidade (Sapage, 2015).

Importa destacar, que não existe uma definição universal de espiritualidade. Bolander, 1999 Cit. por Lourenço (2004, p.99) define espiritualidade como: “(…) o princípio de vida que impregna todo o ser humano nas suas dimensões físicas, emocionais, intelectuais, morais, éticas e volitivas (o poder de escolher e de tomar decisões)”.

69

Lourenço (2004, p.99) interpreta espiritualidade como: “(…) algo que dá sentido à vida, que nos satisfaz e encoraja no dia-a-dia a encarar os contratempos e as vicissitudes terrenas”. Ambas as definições despertam para a importância da procura de um sentido para a vida. Twycross (2003, p.56) salienta que a “espiritualidade pode ser definida como a consciência do transcendente, a consciência de algo que está para além da experiência ou do conhecimento humanos comuns”.

Assim, cada pessoa tem a sua própria espiritualidade e necessidades espirituais. As necessidades espirituais, podem ser definidas como “(…) tudo aquilo que motiva a procura do significado da vida e que ajuda a pessoa a ultrapassar as dificuldades e o sofrimento face à doença” (Narayanasamy [et al.], 2004; Erichsen; Bussing, 2013; Nixon [et al.], 2013 Cit. por Sapage, 2015, p.21), e centram-se no nosso objetivo de vida, e o sentido que lhe damos. Algumas das necessidades, que estão relacionadas com a dimensão espiritual, são:

 Necessidade de um significado para a vida;

 Necessidade de amor e relacionamento (a vida pessoal de cada indivíduo é influenciada pelos seus valores superiores, associada à relação com o transcendente, consiste numa dimensão vertical e as interações psicossociais, isto é, a relação consigo mesmo, com os outros ou com a natureza, refere-se a uma dimensão horizontal);

 Necessidade de perdão (cada pessoa ao longo da sua vida procura um significado para as suas experiências de vida, onde poderá sentir-se culpado necessitando do perdão);

 Necessidades de esperança (esperança realista) (Lourenço, 2004; Sapage, 2015). Ao refletir nas necessidades do ser humano, pensa-se no modelo da Pirâmide das Necessidades de Maslow, que foi adaptado ao doente com necessidades em CP, por Zalenski e Raspa (2006). Segundo estes autores, e à semelhança do que sucede na Pirâmide das Necessidades de Maslow, na base encontram-se as necessidades fisiológicas e no ápice as de autorrealização, ou seja, a pessoa tem de realizar uma escalada hierárquica de necessidades para atingir a sua autorrealização. Neste último nível, encontram-se as necessidades espirituais do doente, referindo-se à necessidade de relação com ele próprio e ou outros (dimensão horizontal) ou com a transcendência e com Deus (dimensão vertical), que permite um crescimento pessoal do doente face à

70

doença, na compreensão e aceitação da situação que vivência, encontrando o significado para a vida (Sapage, 2015).

As necessidades espirituais são as variáveis que motivam a procura de significado ou propósito na vida e que ajudam a pessoa a transcender as dificuldades e o sofrimento. Segundo Pinto, Caldeira, Martins (2012, p.9) ao analisar vários estudos no âmbito das necessidades espirituais, concluíram que as necessidades espirituais mais expressas em CP são: “(…) a procura de um sentido na vida, esperança/otimismo, perdão, conforto e segurança, relacionamento, revisão de vida e conclusão de assuntos pendentes, amor, garantia do bem-estar familiar, preparação do corpo para a morte, crenças e práticas religiosas ou espirituais”.

Os profissionais de saúde devem refletir sobre a sua própria espiritualidade, de modo, a estarem despertos para a importância do cuidado espiritual, a modos de conseguirem compreender as necessidades espirituais da pessoa que se encontra em fim de vida, como nos refere o estudo divulgado por Caldeira [et al.], (2011) Cit. por Sapage (2015, p.28), “(…) a tomada de consciência da sua própria espiritualidade e a compreensão da espiritualidade como facilitadora do conhecimento do sentido da vida, são motivos imperativos para a integração do cuidado espiritual no plano de cuidados ao doente.” O cuidado espiritual caracteriza-se pela relação com o outro, pela presença consciente e pela existência de um objetivo que gera ganhos em saúde integrados no seio da equipa multidisciplinar. Este cuidado assenta em quatro princípios fundamentais: a intuição; a relação interpessoal; o altruísmo e a integração. Os profissionais de saúde em primeiro lugar devem reconhecer que a pessoa tem necessidades espirituais e, depois identificar o momento adequado para intervir (intuição). Para além destas evidências, ressalvam que a essência destes cuidados é mais que a presença física, é necessário comunicar de forma assertiva e eficaz (relação interpessoal), colocando sempre em primeiro plano as necessidades da pessoa (altruísmo). Por fim, sendo a espiritualidade uma dimensão que abarca todos os aspetos da vida humana (integração), pressupõe uma abordagem holística (Pinto, 2011; Sapage, 2015).

Neste contexto, a dimensão espiritual deve ser foco dos cuidados por parte dos profissionais de saúde, contribuindo de forma inequívoca para a qualidade dos cuidados prestados.

71

Cada pessoa é um ser único e irrepetível, com a sua história, crenças e valores, logo o profissional de saúde deverá incorporar no plano de cuidados a avaliação da saúde espiritual, uma vez que demonstra a inclusão cultural e compreende o doente como um todo, promovendo uma resposta adequada às necessidades do doente e ao processo de morrer, de modo a dar o máximo de conforto possível em cada momento, ajudar a viver em paz consigo e com o mundo. A evidência científica tem demonstrado que os doentes em fim de vida valorizam muito a dimensão espiritual, “(…) atuam como importantes mecanismos de coping, servindo de apoio, alento e esperança (Bousso [et al.], 2010 Cit. por Sapage, 2015, p.19), razões pelas quais não deve ser descurado o cuidado espiritual por parte dos profissionais de saúde, seja ao nível da prestação de cuidados, seja ao nível da investigação e ensino, de modo, a conseguirmos atender de forma eficaz e eficiente, as necessidades espirituais da pessoa.