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O conceito de representações sociais: themata , comunicação, tempo e senso comum

3. Perspectiva teórica e instrumentos de análise

3.1. O conceito de representações sociais: themata , comunicação, tempo e senso comum

A teoria das representações sociais constitui o ponto de partida em torno do qual foi construído o modelo de análise subjacente à investigação. Trata-se de uma teoria sustentada num conjunto de reflexões estruturadas, com destaque para as propostas de Serge Moscovici25, que nos faculta um quadro analítico com forte potencial para consolidar um campo de pesquisas sobre o pensamento social em África.

Dada a complexidade que a teoria assumiu, e não sendo o nosso propósito aprofundar essa perspectiva, mas antes seleccionar e conferir coerência ao que serve a nossa investigação, optámos por sistematizar o conceito de representações sociais tendo em conta o subconceito de themata e seleccionando três pressupostos dos quais dependem as representações sociais enquanto fenómenos cuja existência é empiricamente verificável: os intercâmbios comunicativos; a dimensão tempo; e o senso comum.

Apesar da extensa produção escrita que remonta aos anos sessenta do século XX, os dois textos fundamentais da teoria foram elaborados por Serge Moscovici, o seu criador e principal teórico, no intervalo de uma década. Primeiro através da sistematização do conceito de representações sociais (1984) e, mais tarde, complementado pelo subconceito de themata (clarificado em 1993/1994 em parceria com Georges Vignaux). O último texto retomou as teses centrais do primeiro e acrescentou a definição dos themata (plural de thema, do grego).

Embora Serge Moscovici designe os themata por conceito no título do artigo, mas ao não lhe conferir a mesma importância para a teoria que confere ao conceito de representações sociais, consideramos themata um subconceito. O último não se apresenta como um instrumento de análise autónomo, dado que só existe e só é funcional quando considerado enquanto aspecto específico do conceito mais vasto e autónomo de representações sociais. Ou seja, quando se abordam os themata está a abordar-se o conceito de representações sociais propriamente dito. O mesmo vale para outros termos associadas ao conceito que

25

Moscovici 2000. Cf. Vala 1993 & 1997; Duveen 2000; Minayo 1999; Moscovici 1999 [1994]; Baczko 1985a e 1985b.

apresentaremos de seguida (os intercâmbios comunicativos, a dimensão tempo e o senso comum).

A ideia inicial com que se deve ficar do conceito de representações sociais é que ele permite captar a forma como os actores sociais constroem, no domínio do pensamento social, a sua própria realidade26. As representações são factores produtores da realidade, dado que as dinâmicas sociais condicionam as representações e é em função destas que os indivíduos interpretarem o mundo que os rodeia, determinando em grande parte as respostas ao que julgam ter acontecido27.

«(…) it is no longer appropriate to consider representations as a replica of the world or a reflection

of it, not only because these positivist conception is the source of numerous difficulties, but also because representations also evoke what is absent from this world, they form it rather more than they simulate»28.

Dito por outras palavras, uma representação não se limita apenas a ser o reflexo de um objecto na mente dos indivíduos, mas é também a criação do próprio objecto para o sujeito29. As representações sociais têm a ver com o conhecimento colectivamente gerado, partilhado e reelaborado30, isto é, com conhecimento que os actores sociais produzem a partir das interacções que constituem a essência da acção social.

26

Cf. Berger & Luckmann 1999 [1966]. 27

Vala 2002, pp. 461-463. Cf. Heimer et alii 1990, p. 20. Nas palavras de Moscovici: «(…) social representations determine both the character of the stimulus and the response it elicits, just as in particular situation they determine which is which. (…) It is quiet clear that the situation determines both the questions we will ask and the answers these will elicit» (Moscovici 2000 [1984], pp. 70-71). Berger & Luckmann referem, por seu lado, que a «(…) relação entre o conhecimento e a sua base social é dialéctica; isto é, conhecimento é um produto social e conhecimento é um factor de transformação social.» (Berger & Luckmann 1999 [1966], p.96).

28

Moscovici 2000 [1998a], p.154. 29

Cf. Moscovici 2000 [1998a], pp.131 e segs. 30

Cf. Berger & Luckmann 1999 [1966]; Durkheim 1982 [1895]; Idem 1974 [1898]. Segundo Gerard Duveen (2000, pp. 6 e segs.) foi da separação entre as representações colectivas e as representações individuais com génese em Durkheim que derivou uma tendencial separação entre a psicologia (que trataria das representações individuais) e a sociologia do conhecimento (que teria como objecto as representações colectivas), perspectiva que o conceito de representações sociais de Moscovici tenta ultrapassar. A diferenciação deixou de fazer sentido dado que o individual e o colectivo mantêm uma interacção permanente e, por isso mesmo, não retomámos o conceito de Durkheim de representações colectivas, optando pelo conceito de representações sociais. Sublinhe-se que o construtivismo (nomeadamente a produção teórica que nos interessa relacionada com o pensamento social, cf. Berger & Luckmann 1999 [1966]; Moscovici 2000) visa, precisamente, ultrapassar esquemas dualistas que, ao privilegiarem inevitavelmente uma ou outra dimensão, assumiam carácter artificial, conduzindo as perspectivas de análise do social a um impasse, como acontecia com o pensamento de Marx (infra-estruturas versus superstruturas)

«Individuals and groups create representations in the course of communication and cooperation.

Representations, obviously, are not created by individuals in isolation. Once created, however, they lead a life of their own, circulate, merge, attract and repel each other, and give birth to new representations, while old ones die out. As a consequence, in order to understand and to explain a representation, it is necessary to start with that, or those, from which it was born. (…) So what we are suggesting is that individuals and groups, far from being passive receptors, think for themselves, produce and ceaselessly communicate their own specific representations and solutions to the questions they set themselves. In the streets, in cafés, offices, hospitals, laboratories, etc., people analyse, comment, concoct spontaneous, unofficial ‘philosophies’ which have a decisive impact on their social relations, their choices, the way they bring up their children, plan ahead and so forth. Events, science and ideologies simply provide them with ‘food for thought’»31.

Tal ponto de partida reduz drasticamente os riscos de mimetismo, preocupação que tem marcado os estudos sobre as sociedades da África Subsaariana. As análises por analogia – essencialmente a transposição de modelos, teorias ou conceitos de matriz ocidental para outras sociedades – constituem a negação liminar da teoria das representações sociais, dado que as últimas implicam sempre o papel activo dos actores sociais. Daí que a teoria se apresente como particularmente útil aos estudos africanos.

Themata

Os indivíduos focalizam a sua atenção em determinados objectos que se tornam princípios organizadores a partir dos quais se constituem ou renovam as representações sociais. O thema é o que é escolhido e privilegiado entre as múltiplas possibilidades existentes no mundo quotidiano e que ganha, desse modo, relevância social através dos discursos que circulam no espaço público. É a selecção de determinados themata pelos próprios actores sociais que permite conferir conteúdos precisos às representações. O thema é o que caracteriza a relação entre, por um lado, aquilo que é estável e central nas representações (o núcleo) e, por outro lado, o que é periférico e, por isso, menos resistente à pressão da comunicação e da mudança32.

Para compreender as especificidades de cada representação social (ou de conjuntos de representações sociais), compete aos analistas proceder com clareza à identificação e

ou de Durkheim (colectivo versus individual). Cf. Moscovici in: Moscovici & Marková 2000 [1998], pp.254 e segs.

31

Moscovici 2000 [1984], pp. 27 e 30. 32

sistematização dos diversos themata. O processo implica a definição de limites em relação a campos já existentes ou conhecidos e a apresentação argumentativa dos objectos que validam esses campos pelas propriedades atribuídas pelos indivíduos que os tornam típicos ou mesmo exclusivos33. Importa, desse modo, explicitar os mecanismos que fazem as sociedades distinguir as mensagens significantes das mensagens não-significantes34.

Numa perspectiva mais ampla, consideramos que o processo referido corresponde ao funcionamento do pensamento social. É legitimo considerar que o último tem a ver com conjuntos de representações que, por sua vez, se organizam em torno de themata. É por isso que, no vocabulário a que recorreremos ao longo do texto, os termos dimensão política do pensamento social (ou pensamento social sobre o político) e representações sociais do político são equivalentes.

Por outro lado, a natureza dinâmica das representações sociais tem a ver com o facto dos themata funcionarem como ideias elementares (ou ideias primárias) assentes em proposições ou conceitos que estabelecem entre eles relações dialécticas explícitas ou subentendidas, num leque infinito de possibilidades, sendo que a sua validade é conferida pela relevância que os actores sociais lhes conferem35. Constituem exemplos elucidativos o modo como se manifestam nos discursos do senso comum, por exemplo, as associações entre colono/colonizado; liberdade/opressão; saúde/doença; loucura/lucidez; rico/pobre; dominante/dominado; guerra/paz; portugueses/Frelimo ou Frelimo/Renamo; elites/povo; etc. Compreender os sistemas de oposições das diferentes representações sociais é captar o processo que as mantém permanentemente vivas enquanto fenómenos sociais36.

Porque a dimensão subjectiva do real que se pretende captar (o pensamento social) comporta invariavelmente um lado opaco, obscuro, subjectivo, instável – é para esses domínios que aponta quer o subconceito de themata37

, quer o conceito de representações

33

Moscovici & Vignaux 2000 [1994], p. 178. 34

Moscovici 2000 [1984], pp.21 e segs. 35

Cf. Feliciano 1998, pp.22 e segs. 36

Cf. Moscovici & Vignaux 2000 [1994], pp.156-183, em especial pp.179 e segs. 37

«“Themata” never reveal themselves clearly; not even part of them is definitively attainable, so much are they intricately interwoven with a certain collective memory inscribed in language, and so much are they composites, like the representations they sustain, at once both cognitive (invariants anchored in our neurosensory apparatus and our schemes of action) and cultural (consensual universals of themes objectified

sociais –, a teorização de Serge Moscovici apresenta-se, também ela, em elaboração contínua. O que é estável nessa teorização é a exigência de uma contínua interacção entre a teoria e as realidades empíricas para captar as especificidades do real. Está-se, portanto, perante um processo de consolidação teórica iniciado nos anos sessenta e que se mantém em aberto. É também essa característica que torna a teoria congruente com perspectivas de tendência construtivista.

Os intercâmbios comunicativos

A teoria das representações sociais sustenta-se na importância que atribui à comunicação enquanto característica inerente aos fenómenos sociais38

. Por um lado, a dinâmica das representações depende da comunicação e, por outro lado, os intercâmbios comunicativos reflectem a natureza dos processos sociais que lhes são subjacentes39

, permitindo aos actores sociais a organização significante do real40. Ou seja, as representações sociais geram juízos valorativos sobre o meio que não funcionam como algo exterior à estrutura social, mas são incorporados e objectivados por ela41.

A dispersa construção teórica de Serge Moscovici que foi surgindo ao longo do tempo teve a sorte de encontrar um analista, Gerard Duveen (2000), que organizou e publicou uma colectânea contendo os textos essenciais da produção teórica de Serge Moscovici, compilação fundamental para a sobrevivência de uma teorização com essas características. Foi Gerard Duveen quem sintetizou de modo particularmente eficaz o que está em causa:

«(…) it is the relationship between communication and representation which is central. (…) In all

communicative exchanges there is an effort to grasp the world through particular ideas and to project those ideas so as to influence others, to establish a certain way of making sense so that things are seen in “this” way rather than “that” way. Whenever knowledge is expressed it is for some purpose; it is never disinterested.»42

by the temporalities and histories of the longue durée [itálico original])» (Moscovici & Vignaux 2000 [1994], p. 182).

38

Moscovici 2000 [1972], p.110; Moscovici in: Moscovici & Marková 2000 [1998], pp.259 e segs.; Moscovici 2000 [1998a], pp.149 e segs. Cf. Berger & Luckamnn (1999) [1966], pp.40-57.

39

Moscovici 2000 [1998a], p.152. 40

Além da organização significante do real, às representações sociais são atribuídas as funções: da comunicação, dos comportamentos representacionais e da diferenciação social (Vala 2002, pp.364-367).

41

Vala 2002, p. 365. 42

Duveen 2000, p.17. Cf. Moscovici & Vignaux 2000 [1994], pp. 159 e segs.; Moscovici & Marková 2000 [1998], pp. 273 e segs.

Todavia, no plano analítico, é importante existir a predisposição para separar os intercâmbios comunicativos (em particular os discursos do senso comum que circulam nos espaços de sociabilidade) das representações sociais propriamente ditas (ou o que está na cabeça das pessoas). Isto é, mesmo que seja pouco viável, na prática, estabelecer uma diferenciação entre o que os indivíduos dizem e o que os indivíduos pensam, no estudo do pensamento social a dimensão do reprimido ou dos interditos (no sentido do não-dito que se torna relevante precisamente por ser silenciado) não deve ser subestimada, o que implica uma capacidade interpretativa por parte dos analistas capaz de ir além do verbalmente explícito.

A dimensão tempo ou a procura do momento original

As representações, enquanto fenómenos sociais, têm necessariamente de ser contextualizadas no tempo. No seu tempo de vida, mas também no tempo histórico das sociedades onde se manifestam. É por isso que a questão da origem das representações sociais – o momento inicial em que se manifestaram ou as pré-representações de onde derivam – é relevante para a sua compreensão.

Essa focalização na dimensão tempo, tendo em conta o modo como se equaciona na teoria das representações sociais de Serge Moscovici43, é congruente com uma preocupação recorrente nos debates sobre as sociedades da África Subsaariana. No último caso é sistemática a tendência de fazer derivar as análises do social, directa ou indirectamente, das interacções entre as heranças ancestrais africanas e os impulsos de modernidade proporcionados pela colonização europeia. Para o período pós-colonial a última condicionante tem-se metamorfoseado numa série de argumentos que tendem a sobrevalorizar o impacto dos factores exógenos nas sociedades africanas suposta e quase eternamente tidas como de matriz tradicional. Mesmo que mantenham alguma utilidade, trata-se de argumentos que vão-se perpetuando desde a ocupação colonial efectiva iniciada

43

Berger & Luckmann quando propõem uma teorização para a sociologia do conhecimento, também consideram essencial a dimensão tempo: «O mundo da vida quotidiana é estruturado tanto em termos espaciais como temporais. A estrutura espacial tem pouca importância nas nossas presentes considerações. (…) A temporalidade é uma propriedade intrínseca da consciência. (…) O tempo-padrão pode ser compreendido como a intersecção entre o tempo cósmico e o seu calendário estabelecido pela sociedade (…) / (…) A mesma estrutura temporal (…) é coerciva. Não posso inverter, à minha vontade, as sequências por ela impostas (…)» (Berger & Luckmann 1999 [1966], pp.38-39).

em finais do século XIX e que podem e devem ser repensados. Importa questionar, na actualidade, em que medida a matriz tradicional é central ou é periférica para a percepção dos processos políticos associados ao estado e em que medida essas características interagem nos diferentes contextos sociais da África Subsaariana.

Mais de um século passado, do qual seguramente mais de um terço corresponde ao período pós-colonial, é forçoso reconhecer ser esse um intervalo de tempo suficientemente amplo para que as sociedades africanas tenham sofrido recomposições profundas pautadas pela existência dos estados autónomos. Não existem hoje, por isso, razões convincentes para que tais sociedades não sejam abordadas, no plano analítico associado ao pensamento social, ao nível das demais sociedades da contemporaneidade. Os argumentos de carácter histórico que legitimam, no caso das sociedades africanas, um tipo de análise essencialmente assente no contraponto entre o tradicional e o moderno, ganham acentuada relatividade na fundamentação apresentada por Serge Moscovici para a sua teoria:

«Our past experience and ideas are not dead experiences or dead ideas, but continue to be active,

to change and to infiltrate our present experience and ideas. In many respects, the past is more real than the present. The peculiar power and clarity of representations – that is, of social representations – derives from the success with which they control the reality of today through that of yesterday and the continuity which this presupposes. (…) [But] The social representations with which I am concerned are neither those of primitive societies, nor are they survivals, in the subsoil of our culture, from prehistoric times. They are those of our current society, of our political, scientific, human soil, which have not always had enough time to allow the proper sedimentation to become immutable traditions. And their importance continues to increase, in direct proportion to the heterogeneity and fluctuation of the unifying systems – official sciences, religions, ideologies – and to the changes which these must undergo in order to penetrate everyday life and become part of common reality»44.

Após ter expressado essas ideias em 1984, o autor voltou a insistir nelas em 1998, compondo um texto, tal como os outros, mas este em particular, merecedor de análise no âmbito dos estudos africanos45. Depois de uma resenha sobre a evolução do conceito de representações colectivas que antecedeu o de representações sociais46, e da diferenciação

44

Moscovici 2000 [1984], pp. 24 e 32. 45

Moscovici 2000 [1998a], pp. 120-155 e sobretudo pp. 131-149. 46

«A substituição do termo “colectivas” por “sociais” marca, assim, a original diferença estabelecida em relação a Durkheim. (…) Ora, para Moscovici, as representações nunca seriam de “outra natureza”: elas seriam da natureza mesma dos grupos sociais que as criam, e sua eficácia – tanto prática como simbólica – dependeria dessa inserção, e não poderia jamais ter um sentido universal. Com este argumento, Moscovici acabou por demonstrar que as representações não derivam de uma única sociedade, ultrapassando-a, como insistiu Durkheim, mas das diversas sociedades que existem no interior da sociedade maior, e, portanto, não podem ultrapassá-la.» (Oliveira 2004, pp. 180-186).

que então se estabelecia entre sociedades primitivas e modernas, Serge Moscovici escreveu:

«(…) I prefer simply to state my disagreement with the idea that collective representations should

have a meaning in distant societies or in former times, but not in our own, with is deification of scientific beliefs. (…) it seems to me legitimate to suppose that all forms of belief, ideologies, knowledge, including even science, are, in one way or another, social representations. It seemed then (Moscovici, [1961]/1976) and it seems all the more so today, that neither the opposition of the social to the individual, nor the evolution from the traditional to the modern, had, in this regard, the importance which is given to them»47.

Neste debate, insistimos na necessidade das investigações se reportarem às origens para que se compreendam e se expliquem as representações sociais48, bem como na necessidade de se considerar também o facto dos tecidos sociais assentarem em contínuos históricos, pressupostos que relativizam, e muito, a noção de origem. Na perspectiva em que a noção de origem vai ser por nós abordada (e na perspectiva em que ela pode e deve ser abordada noutros estudos sobre o pensamento social), não constitui premissa válida estabelecer-se uma relação directa e imediata entre, por um lado, a noção de momento original e, por outro lado, as tradições de matriz pré-colonial (ou ancestral) das sociedades africanas49, nem as últimas são necessariamente o mais relevante n’importe quoi.

Se o caminho pode ser esse, para compreender o fenómeno das representações sociais existem também outras possibilidades de considerar as origens, não só quando estão em causa as sociedades ditas de tipo ocidental, como quando estiverem em causa quaisquer outros tipos de sociedades como as africanas. Partindo do caso de Moçambique, identificam-se momentos que desempenham (e desempenharam) a função de momentos originais associados à construção simbólica da formação territorial independente. Esses momentos (no geral relacionados com a conquista da independência) são relevantes precisamente porque, sendo considerados genuinamente africanos, surgem desligados, aos olhos dos próprios actores sociais, das tradições ancestrais africanas. A verdade é que estamos sempre perante mecanismos do domínio do simbólico incorporados na estrutura social, quer quando a referência ao tempo ancestral africano é valorada de modo positivo, quer quando essa valoração é negativa.

47 Moscovici 2000 [1998a], pp.142-143. 48 Moscovici 2000 [1984], p. 27. 49 Cf. Feliciano 1998.

O simbólico (termo que usaremos de forma heurística como sinónimo de pensamento social) das sociedades africanas da actualidade está muito longe de se esgotar na dimensão tradicional. Para além disso, a noção de tradicional, em si, cada vez mais suscita dificuldades de caracterização, em particular quando associada às dinâmicas do estado (políticas, sociais, culturais, económicas). A verdade é que existe uma dimensão do simbólico que remete para a contemporaneidade (ou para o passado recente), tão válida e tão significativa para as sociedades africanas como para quaisquer outras, desde que as próprias sociedades consigam enquadrá-la na sua noção de tempo histórico.

Essa busca sempre relativa das origens legitimou que, no estudo do pensamento social