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Conceitos de cultura e linguagem

2 O DOMÍNIO SOCIOCULTURAL NO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

2.1 Conceitos de cultura e linguagem

O conceito de cultura encontra-se em aberto e em debate. As inúmeras definições que existem a respeito, quase sempre, motivam alguma insatisfação. Na tentativa de encontrar um entendimento para o “conceito de cultura”, recorre-se a Don Mitchell (2003) que procura compreendê-la a partir de seis referenciais:

1) “cultura” é o oposto de natureza, é o que faz o Homem humano; 2) “cultura” são os padrões e aquilo que diferencia um povo;

3) “cultura” são os processos segundo os quais esses padrões se desenvolvem;

4) “cultura” é um conjunto de características marcantes, que

demarcam um povo de outro povo, e que permite aos indivíduos marcarem a sua singularidade;

5) “cultura” é a forma como esses padrões, processos e essas características marcantes são apresentadas;

6) a idéia de cultura, muitas vezes, indica uma ordem hierárquica de todos esses processos, atividades, modos de vida e produção cultural, quando os indivíduos comparam culturas, ou atividades culturais, com outras.

Ainda de acordo com Don Mitchell (2003), a cultura não faz parte da herança genética do Homem, nem do ambiente natural terrestre, ela é socialmente transmitida e permite a sobrevivência de um grupo como tal. Ocupa uma posição central na sociedade, estando onipresente em todos os campos da vida social. A cultura define uma espécie de matriz referencial para a existência pessoal e social do Homem na sociedade. Fundamenta-se em formas padronizadas de agir, falar, pensar e sentir, suficientemente uniformizadas, e razoavelmente diferenciadas das de outras sociedades. A cultura adquire seu sentido através de diferentes práticas sociais compartilhadas pela linguagem, num determinado contexto. Thompson (2002) esclarece que esse processo é vivido, interiorizado, transmitido e transformado, num contexto de relações de poder e conflito e acontece de acordo com a natureza e com a amplitude da participação social do indivíduo.

Strecht-Ribeiro (1998) reforça a necessidade de uma contextualização social da relação entre a cultura e a linguagem, afirmando que a linguagem é parte da cultura do Homem e desempenha um papel primordial no processo de integração na sociedade. A linguagem é, simultaneamente, parte, produto e condição da cultura. Para o autor, enquanto sistema de signos, específico, histórico e social, a linguagem deve ser encarada como um meio de comunicação fundamental entre os membros de uma sociedade e como a expressão mais visível dessa mesma sociedade, determinando uma mundivisão específica, variável de cultura para cultura.

A linguagem e a cultura não são, pois, abstrações descontextualizadas, nem se manifestam como totalidades globais homogêneas; elas se constituem enquanto variantes locais particularizadas em contextos específicos. A linguagem possibilita ao Homem significar a sociedade, e esta não só sofre a influência da cultura, mas constitui também um dos sistemas de sua difusão, sendo utilizada como elemento de expressão de seus modelos comportamentais e valores. Uma abordagem da dimensão cultural da linguagem terá de considerar, não apenas aquilo que é manifestamente concreto, mas também a percepção que cada grupo tem do que o rodeia e que é, em maior ou menor grau, partilhada pelos outros. A cultura adquire, pois, sentido, através de diferentes práticas sociais compartilhadas pela língua, num determinado contexto.

Por vezes, o meio cultural em que vivemos modela a visão de mundo de tal forma que a realidade parece poder ser percebida objetivamente, apenas através de uma padronização cultural própria, o que leva a considerar aquilo que é diferente como estranho ou até falso. Desse modo, constituiria um veículo privilegiado para transmitir uma compreensão distorcida da realidade e conduzir ao estereótipo e ao preconceito. Contudo, e recorrendo de novo às idéias de Thompson (2002), ele pode, também, criar e sustentar as condições para a resistência e práticas libertadoras. Nesse processo, encontramos em Strecht-Ribeiro (1998) a sustentação para afirmar que o ensino de uma língua estrangeira, ao possibilitar o contato com culturas, permite a constatação de que os falantes de outra língua, além da língua diferente, também exibem padrões culturais, costumes, formas de vida que refletem visões de mundo culturalmente especificas, características que as identificam como membros de outra sociedade. Quebra-se, desse modo, a tendência para o estereótipo e o preconceito, motivada pela divisão do mundo em espaços rigidamente opostos, e abrem- se espaços para o plurilingüismo e a consciencialização intercultural.

2.1.1 Plurilingüismo e conscientização intercultural e o ensino de língua estrangeira

O ensino de língua estrangeira (ELE), para atender ao intento de evitar o estereótipo e o preconceito, deve, simultaneamente com a língua, explorar os aspectos culturais. Para esse propósito e de acordo com Strecht-Ribeiro (1998), deve procurar ultrapassar uma visão que limita a língua a um meio de comunicação; a um espaço de expressão do indivíduo nas suas relações interpessoais e de interação social; a um sistema estruturado de signos que obedecem a certas regras gramaticais. Por outro lado, o ELE, fugindo a uma visão que o vincula ao ensino explícito sobre a cultura, deverá contribuir para um entendimento da língua estrangeira, como veículo de descoberta dos universos culturais dos povos que a falam.

A proposta de Strecht-Ribeiro segue o percurso de reflexão teórica

que conduziu, em 2002, ao Quadro Europeu Comum de Referência

para as Línguas, de acordo com o qual o ELE deve contribuir para que o indivíduo, partindo da compreensão da sua própria cultura, aceite as diferenças e semelhanças entre a realidade cultural que vivencia e que o rodeia e o mundo cultural dos que falam a língua estrangeira.

À medida que a experiência pessoal do indivíduo, no seu contexto cultural, se expande, da língua falada em casa, para a da sociedade em geral e, depois, para as línguas aprendidas de outros povos, ele, de acordo

com o Quadro Europeu Comum, desenvolve o plurilingüísmo e a

conscientização intercultural. Ambos referem-se à capacidade de mobilizar, aplicar e desenvolver conhecimentos, habilidades, comportamentos e atitudes, no uso de línguas para propósitos de comunicação e tomar parte em situações de interação intercultural. O seu desenvolvimento se sustenta no pressuposto de que um indivíduo não possui uma variedade de competências distintas e separadas para comunicar, consoante as línguas que conhece, mas, sim, o plurilingüísmo e a conscientização intercultural, que engloba o conjunto do repertório lingüístico de que dispõe.

O plurilingüísmo, de acordo com o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (2002, p. 231), é entendido como a

capacidade para utilizar as línguas para comunicar na interação cultural, na qual o indivíduo, na sua qualidade de ator social, possui proficiência em várias línguas, em diferentes níveis, bem como experiência de várias culturas. Considera-se que não se trata de sobreposição ou da justaposição de competências distintas, mas sim de uma competência complexa ou até compósita à qual o utilizador pode recorrer.

A partir do mesmo documento, pode-se entender o conceito de consciência intercultural como o conhecimento, a compreensão, a aceitação e o respeito aos valores e estilos de vida de diferentes culturas.

O desenvolvimento do plurilingüísmo e da conscientização intercultural está associado à idéia de que os problemas de comunicação, entre falantes de duas línguas diferentes, são, freqüentemente, ocasionados pelos diferentes pressupostos culturais presentes nas situações de comunicação, mais do que pelo próprio código lingüístico. De acordo com Strecht-Ribeiro, para (1998) que possam contribuir para o desenvolvimento da conscientização intercultural, as propostas de ELE devem possibilitar ao aluno a construção:

- do sentido de si próprio, o que conduz à identificação da

informação que lhe diz respeito, desde a raça, nacionalidade e idade, até as convicções religiosas e políticas e à nossa hierarquia dos valores;

- do sentido do outro, o que implica num conhecimento dos mesmos fatores de identificação do interlocutor, o que vai limitar a possibilidade de ocorrência de problemas de comunicação;

- do sentido de relação entre si e o outro, que implica o

reconhecimento das estratégias discursivas a utilizar;

- do sentido da situação social e do local onde o diálogo ocorre; - do sentido do propósito ou objetivo com que se comunica.

2.2 A abordagem do domínio sociocultural no âmbito de documentos