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2. Revisão Teórica e Estado da Arte

2.3 Conceitos de deficiência

Conhecer cada tipo de deficiência e suas implicações é o primeiro passo para que a sociedade em geral entenda as limitações e, principalmente, as potencialidades das pessoas com deficiência (CLEMENTE, 2004).

A determinação de quem é uma pessoa com deficiência é uma tarefa complicada. Pelo fato de a condição ser objeto de estudo e ação de várias disciplinas, a

noção de deficiência varia bastante. Do ponto de vista biomédico, deficiência refere-se à incapacidade de uma ou mais funções da pessoa. Na literatura econômica, deficiência significa dificuldade a ser vencida para melhor produzir. No mundo jurídico, a condição de deficiência é fixada pela lei. Tradicionalmente, a deficiência tem sido vista como problema único do indivíduo e, portanto este deveria se adaptar à sociedade, ou deveria ser modificado por profissionais através de reabilitação (FLETCHER, 1996).

Em 1999, a OMS afirma que o corpo humano possui uma estrutura (esqueleto, órgãos, membros e componentes) e um conjunto de funções (fisiológicas, psicológicas e sociais). Com o seu corpo, os seres humanos desenvolvem atividades. No desenvolvimento dessas atividades podem existir dificuldades devido a impedimentos associados a problemas da estrutura ou das funções do corpo. Isso pode restringir a participação das pessoas com deficiência em diversas situações de vida. A extensão desses impedimentos, entretanto, está ligada a providências que são ou não são tomadas do lado social. Por isso, uma pessoa é deficiente quando tem restrições de estrutura ou funções corporais não compensadas por providências sociais. Seguindo a Convenção 159, a lei brasileira passou a considerar pessoa com deficiência como aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anomalias de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano (BRASIL. Presidência da República, Decreto no 914/93 e Lei no 7.853/89).

Essas pessoas não constituem um grupo homogêneo, o que traz dificuldades para a elaboração conceitual do termo “deficiência”. Nesse grupo de pessoas, encontram-se aquelas com deficiências mentais, visuais, auditivas ou de fala, motoras, de metabolismo e até as que possuem altas habilidades. O que caracteriza uma pessoa com deficiência é a dificuldade de seu relacionamento social nas condições ambientais em que atua, ou seja, aquilo que a OMS classifica como desvantagem9. A

9 A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1980, decidiu fazer uma distinção entre “incapacidade”,

“deficiência” e “desvantagem”: A incapacidade refere-se a uma restrição para realizar uma atividade dentro dos parâmetros considerados normais para um ser humano. A deficiência refere-se à perda ou anomalia de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, como é o caso da impossibilidade (ou redução da capacidade) de ver, andar ou falar. Já a desvantagem refere-se a uma situação de atividade reduzida, decorrente de uma deficiência ou de uma incapacidade que a limita ou impede o desempenho normal de determinada função, levando-se em conta a idade, sexo e fatores sócio-culturais (ONU, 1993).

caracterização da deficiência implica a redução efetiva da capacidade de socialização, com necessidade de equipamentos, adaptações, ou recursos especiais para um relacionamento melhor com o meio ambiente e social10.

São hegemônicos em nossa sociedade, discursos e formulações de que a deficiência é uma questão individual e têm alguns elementos em comum: abordam a deficiência como um campo de expertise profissional; utilizam um paradigma positivista11; enfatizam a prevenção primária, nesta incluindo condições biológicas e ambientais; caracterizam deficiência como incapacidade em relação aos não deficientes; geralmente tratam da inclusão de pessoas com deficiência como uma responsabilidade privada; destacam as condições individuais como o ponto primário de intervenção (RIOUX, 2002).

Ainda que fossem utilizados apenas critérios biomédicos, seria impossível não reconhecer que as pessoas com deficiência representam um conjunto de grande complexidade, pois, além da sua divisão pelos tipos gerais de lesão ou incapacidade - física, mental, sensorial e suas combinações, existe um grande número de especificidades: deficiência congênita12 ou adquirida; mais ou menos rara; ocorrendo

uma patologia, pode ser incurável, crônica, letal, etc.; os graus de incapacidade, como já referido anteriormente, podem variar no contexto e no tempo; por tipo de atividade produtiva desenvolvida ou ausência dela; pela existência de vínculo empregatício; se existe suporte familiar ou não; se há acesso à habilitação ou reabilitação; por gênero; segundo etnia; conforme idade; por status social; conforme escolaridade, etc.

10 http://www.sociedadeinclusiva.pucminas.br/arquivos/mitos.doc

11 No paradigma positivista a natureza da realidade é única, fragmentada, tangível e simplificadora. Os

problemas surgem das teorias, os conhecimentos são difundidos através da bibliografia científica, o desenho da investigação é estruturado, existe um projeto inicial onde se especificam as tarefas a realizar, utilizam-se procedimentos estatísticos. A generalização dos resultados faz-se a partir de uma amostra representativa da população. Este paradigma se preocupa com a extensão dos fenômenos, a medição, a quantificação, a previsão, a formulação geral de leis (COUTINHO, 2005). Este paradigma é devedor da perspectiva cartesiana das ciências. A ele estão associados conceitos como divisão, causalidade, atomismo, linearidade, etc. (KUHN, 1998).

12 Uma estatística de lesões congênitas no mundo foi publicada pela OMS no “World Atlas of Birth

Defects” (WHO, 2003). Os dados do Brasil, referentes ao período 1993-1998, destacam como de maior prevalência as seguintes patologias: Hidrocefalia (19,28); Síndrome de Down (15,01); Lábio leporino, com ou sem fenda palatina (11,93) e Espinha Bífida (11,39), para cada grupo de 10 mil nascimentos (vivos ou mortos).

Adicionalmente, todos os tipos de deficiências podem ser permanentes ou temporários. A deficiência permanente pode ser definida como aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de alterar-se, apesar de novos tratamentos médicos e cirúrgicos.

Além das características e especificidades das lesões das estruturas do corpo e das limitações das funções, hão de ser considerados os fatores ambientais que estão diretamente ligados a participação social, a aprendizagem e aplicação de conhecimento, assim como a realização de atividades como, por exemplo, o trabalho.

2.3.1 Terminologia sobre pessoas com deficiência

É fundamental a discussão sobre os termos utilizados para designar as pessoas com deficiência nos diferentes períodos da história. Os termos refletem conceitos, percepções e valores. A terminologia é alterada de acordo com os valores e paradigmas vigentes na sociedade em determinado momento. Essas mudanças não lineares nos mostram a construção histórica de um determinado movimento.

O termo inválido foi utilizado desde a antiguidade e persistiu durante séculos fazendo referência à pessoa com deficiência. Já o termo incapacitado foi utilizado no século XX até os anos 60, aproximadamente. Ambos revelando a representação de uma dada sociedade a uma pessoa ou população (SASSAKI, 2003). Segundo Ferreira (1999), inválido quer dizer: que não vale, nulo, que perdeu o vigor, fraco, mutilado ou paralítico e incapacitado seria o mesmo que não capaz, que não tem capacidade legal. Usado em passado próximo, mas com efeitos atuais, o termo inválido relacionava-se apenas às limitações das pessoas impedindo-as de exercer qualquer papel produtivo na sociedade.

Teperino (2001) lembra que, até a metade do século XX, quando o Estado passou a tutelar o direito das pessoas com deficiência, prevalecia uma conotação de menos valia, e termos como aleijado, surdo, cego, leproso eram utilizados para denominar pessoas que “necessitavam da piedade de outrem” ou que precisavam “ser

curados”. Tais termos ainda são muito utilizados em diálogos informais nos dias de hoje.

Posteriormente utilizado, o termo deficiente tornou a deficiência sinônimo da pessoa, transformando em substantivo o que é qualitativo (AMARAL, 1995). A pessoa é vista como deficiente em todos os aspectos. Para modificar essa ênfase, adicionou-se a palavra pessoa ao termo ficando então pessoa deficiente (CARRETA, 2005). Como a própria palavra “deficiência” diz, estaríamos nomeando essas pessoas de insuficientes, ou seja, incapazes, incompetentes, intelectualmente medíocres, segundo dicionário de definições.

Para amenizar o foco na deficiência, passou-se a utilizar o termo pessoa portadora de deficiência, abrindo uma discussão a respeito do termo portador, pois, a deficiência se tem e não se porta. Portar caracteriza-se por uma escolha. As pessoas podem escolher se carregam consigo algo, no entanto, uma pessoa com deficiência não tem a escolha de carregá-la ou não, elas simplesmente as têm (SASSAKI, 2002; 2003)

A expressão “pessoas com necessidades especiais”, embora preferida por muitos, por não enfatizar aspectos tidos como negativos, é criticada por tantos outros, por ser genérica demais (DAJANI, 2001), sendo mais aplicável a uma situação específica, como por exemplo, uma “necessidade educacional especial”. Alguns autores, no entanto, acreditam que a utilização do termo pessoas com necessidades especiais encoberta o termo deficiência. Segundo Aranha (2003), a utilização deste termo nega as limitações que são impostas por uma deficiência e pode ser considerado tão discriminatório quanto exacerbar o papel da deficiência na vida das pessoas. Ao negar as limitações, a sociedade se desobriga de realizar as mudanças e adaptações necessárias à participação dessas pessoas na vida da comunidade.

O termo pessoas com deficiência adotado nesta pesquisa e mais recentemente utilizado pelos pesquisadores deste tema propõe-se a manter o foco na pessoa, sendo esta vista independentemente de sua deficiência, assumindo a deficiência como condição. Segundo Amaral (1995), o termo pessoa com deficiência difere do termo pessoa deficiente, pois ao se deslocar o eixo de atributo do indivíduo para sua condição, simultaneamente recupera-se a pessoa como sujeito da frase, dando um

caráter mais descritivo do que valorativo e a deficiência dessa forma não se torna sinônimo da pessoa. Este termo também foi escolhido como melhor opção a ser utilizada no texto da Convenção internacional para a Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2003 e essa escolha foi realizada pela própria população com deficiência.

A mudança de foco anteriormente centrada nas limitações das pessoas com deficiência passa para as potencialidades, permitindo a identificação sistematizada do potencial remanescente a ser considerado para sua inclusão produtiva e social (ARANHA, 2000).

Revisando a terminologia utilizada para designar as pessoas com deficiência foi notória a mudança dos termos acompanhando a mudança dos paradigmas13 existentes

quanto à pessoa com deficiência na sociedade. Os termos que inicialmente refletiam a exclusão centralizaram-se na visão do modelo biomédico da deficiência primeiramente da institucionalização14 e posteriormente da normalização, ambos acentuando as limitações em detrimento das habilidades. Junto com o paradigma da inclusão, definindo as habilidades em detrimento das limitações e a valorização das diferenças, os termos são novamente alterados e apontam para um novo modelo de deficiência.

13 Os paradigmas e seus conceitos serão tratados adiante.

14 A institucionalização da assistência à pessoa deficiente representa uma forma de se lidar com a

questão da diferença, ou seja, a manifestação de novos padrões éticos, onde os valores morais continuam sendo o da discriminação e o da segregação do indivíduo excepcional, pois que os rótulos da incapacidade e do indesejável continuam determinando a forma de relação entre os cidadãos ditos normais e aqueles que vivem confinados nas instituições de amparo à deficiência. A instituição de amparo à pessoa portadora de deficiência possui, além da função explícita de cuidar do deficiente, a função mascarada de difundir uma imagem estereotipada da deficiência, idéia generalizante e que serve como um eficiente instrumento de identificação de toda uma categoria, além de estabelecer para a mesma seus direitos e suas capacidades. O indivíduo deficiente não é visto como um ser único, indissociável e autêntico, mas, sim, como um dado de uma realidade maior, que é a categoria a que pertence. Por exemplo, um indivíduo surdo será sempre igual a todos os demais surdos, isto é, apresentará sempre as características das pessoas surdas e não suas próprias intenções e possibilidades. O que se pretende mostrar é que o estigma, que antes era do indivíduo, passou a ser assumido como um estigma coletivo, ou seja, por exemplo, mais importante do que "Pedro" ou "João", internos numa instituição de amparo à cegueira, é a idéia que se tem da categoria de "cego", surgida da substituição do individual pelo institucional, ou da deficiência visual do indivíduo pela deficiência visual como entidade autônoma capaz de igualar milhões de indivíduos (MARQUES, 1998).