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2.3 Teoria da Estruturação

2.3.1 Conceitos e definições da teoria da estruturação

A teoria da estruturação, conforme Giddens (1984), propõe um olhar crítico sobre a história da sociedade a fim de entender o próprio movimento dos grupos sociais, as suas práticas e a legitimação das mesmas, e a possibilidade de construção de novas práticas. Vários elementos dessa teoria são de suma importância para se compreender a dinâmica que envolve atores, estruturas e práticas em um dado campo. Ao apresentar sua teoria, Giddens expõe a necessidade de se compreender as práticas sociais como construídas a partir da relação de três elementos fundamentais: estrutura, sistemas e estruturação (dualidade da estrutura).

Para poder entender a estruturação das práticas através desses elementos supracitados, Giddens traz uma discussão profunda sobre o agente / ator social. Para melhor descrevê-lo, Giddens apresenta o modelo da estratificação do agente (figura 15). A estratificação acontece em três níveis, a saber: a motivação da ação, a racionalização da mesma e o seu monitoramento reflexivo. Para toda a ação instanciada haverá condições não reconhecidas da ação e suas consequências impremeditadas. Nesta introdução dos principais pontos da teoria da estruturação, atém-se aos três níveis de estratificação. A respeito da monitoração reflexiva e racionalização da ação, Giddens afirma (2013, p. 6):

O monitoramento reflexivo da atividade é uma característica crônica da ação cotidiana e envolve a conduta não apenas do indivíduo, mas também dos outros. Quer dizer, os atores não só controlam e regulam continuamente o fluxo de atividades e esperam que os outros façam o mesmo por sua conta própria, mas também monitoram rotineiramente aspectos, sociais e físicos, dos contextos em que se movem. Por racionalização da ação entendo que os atores – também rotineiramente e, na maioria dos casos, sem qualquer alarde – mantêm um contínuo “entendimento teórico” das bases de sua atividade.

Em relação à motivação da ação, Giddens a identifica muito mais como uma resposta às necessidades que instigam do indivíduo do que uma monitoração contínua da sua ação. Giddens escreve sobre a motivação (GIDDENS, 2013, p. 7) “Ela refere-se mais ao potencial para a ação do que propriamente ao modo como a ação é cronicamente executada pelo agente”.

Figura 15: Modelo da estratificação do agente

Fonte: Adaptada de Giddens 1984

Ainda com foco no ator social, Giddens dialoga e articula muito a psicanálise para poder entender o indivíduo e o seu posicionamento no mundo (através de suas práticas). Ele identifica e intitula dois tipos de consciência que o indivíduo emprega em suas atividades cotidianas. A primeira trata-se da consciência discursiva do ator social. Tal consciência pressupõe estar o sujeito apto a fazer um relato coerente de suas atividades e das razões que as motivaram. Giddens escreve (2013, p. 51) “consciência discursiva significa ser capaz de pôr coisas em palavras”. O segundo tipo de consciência, que é fundamental para a teoria da estruturação, é identificado como consciência prática. Ela faz referência a circunstâncias nas quais as pessoas prestam atenção a eventos que se desenrolam em volta delas de maneira a relacioná-las com sua atividade. Tal consciência prática estaria próxima do monitoramento reflexivo da ação e poderia ser associada ao conceito de pré- consciência da psicanálise.

Antes de apresentarmos os pilares da teoria da estruturação, outro conceito intrinsecamente ligado ao indivíduo precisa ser apresentado. Trata-se da agência do ator social. Giddens escreve (2013, p. 10 e 11):

Agência não se refere às intenções que as pessoas têm ao fazer as coisas, mas à capacidade delas para realizar essas coisas em primeiro lugar (sendo por isso que “agência” subtende poder) [...] Agência diz respeito a eventos dos quais um indivíduo é o perpetrador, no sentido de que ele poderia, em qualquer fase de uma dada sequência de conduta, ter atuado de modo diferente. O que quer que tenha acontecido não o teria se esse indivíduo não tivesse interferido. A ação é um processo contínuo, um fluxo, em que a monitoração reflexiva que o indivíduo mantém é fundamental para o controle do corpo que os atores ordinariamente sustentam até o fim de suas vidas no dia-a-dia.

Giddens define estrutura como regras e recursos, ou conjuntos de relações de transformação, organizados como propriedades de sistemas sociais (marcada pela ausência de sujeito). Um ponto crucial para se compreender o que são “estruturas”, é a visão de Giddens de que estruturas (regras e recursos) somente possuem uma existência virtual, isto é, não possuem uma realidade, exceto quando elas se concretizam em atividade. Giddens afirma (GIDDENS, 1989, p.256):

[...] a position I want to avoid, in terms of structure appears as something ‘outside’ or ’external’ to human actions. In my usage, structure is what gives form and shape to social life, but is not itself that form and shape – nor should ‘give’ be understood in an active sense here, because structure only exists in and through the activities of human agents.

Giddens (2013, p. 20) afirma em relação à estrutura:

A estrutura refere-se, em análise social, às propriedades de estruturação que permitem a delimitação de tempo-espaço em sistemas sociais, às propriedades que possibilitam a existência das práticas sociais discernivelmente semelhantes por dimensões variáveis de tempo e espaço, e lhes emprestam uma forma sistêmica.

Os sistemas são relações reproduzidas entre atores ou coletividades, organizadas como práticas sociais regulares (atividades localizadas de agentes humanos, reproduzidas através do tempo e do espaço). Por fim, a estruturação são as condições, governando a continuidade ou transmutação de estruturas e, portanto, a reprodução de sistemas sociais. Giddens (2013, p.29) afirma:

Analisar a estruturação de sistemas sociais significa estudar os modos como tais sistemas, fundamentados nas atividades cognoscitivas de atores localizados que se apoiam em regras e recursos na diversidade de contextos de ação, são produzidos e reproduzidos em interação.

Para o entendimento do conceito de estruturação trazido por Giddens, é necessário apresentar a visão do problema da dualidade da estrutura. A dualidade é a relação entre agentes e estrutura. As propriedades estruturais de sistemas sociais são, ao mesmo tempo, meio e fim das práticas que elas recursivamente organizam. A estrutura não é externa ao indivíduo. Estrutura não é restrição, mas é, sempre, simultaneamente, restritiva e facilitadora. Giddens (2013, p. 31):

A dualidade da estrutura é sempre a base principal das continuidades na reprodução social através do espaço-tempo. Por sua vez, pressupõe a monitoração reflexiva (e a integração) de agentes na durée da atividade social cotidiana.

Giddens (1984) propõe um modelo as estruturas são as propriedades dos sistemas sociais nos quais as práticas ocorrem. Mediando essa relação estrutura- sistemas, encontram-se as modalidades da estruturação como representadas pela figura 16. A modalidade da estruturação serve para esclarecer as principais dimensões da dualidade da estrutura em interação, relacionando as capacidades cognoscitivas dos agentes a características estruturais. Segundo Giddens (2013, p. 33) “Os atores apoiam-se nas modalidades da estruturação na reprodução de

sistemas de interação, reconstituindo, justamente por isso, suas propriedades estruturais”.

Figura 16: Representação da relação estrutura-prática em interação

Fonte: Adaptada de Giddens (1984).

A figura 16 sintetiza bem o que é uma prática e sua estruturação. A prática em si, se instancia por meio do ator em interação nos sistemas sociais. Uma prática poderá se instanciar por uma carga de comunicação, um exercício de poder (relacionado ao agente) ou mesmo uma qualidade sancionadora. Obviamente, que uma prática pode se instanciar por todas essas dimensões. Ao realizar / instanciar uma dada prática, o agente está produzindo / reproduzindo estruturas de significação, de dominação e de legitimação para ele próprio e para as coletividades onde está inserido. A reprodução de uma prática ao longo do tempo traz uma carga de significação que poderá ser exposta de maneira discursiva pelo agente por meio de sua cogniscidade. A legitimação de uma prática se dá no tempo, suportada por uma lógica e consciência prática que entende / valida certa atividade.

É importante salientar que as práticas ocorrem dentro dos sistemas sociais e essas legitimam as estruturas. Giddens ressalta a relevância da dimensão temporal da ação prática do indivíduo. A continuidade e legitimação das práticas de reprodução social têm como base a dualidade da estrutura através do espaço-tempo e pressupõem a monitoração reflexiva dos agentes.

Trabalhos recentes, voltados para se compreender a dinâmica das práticas organizacionais, têm usado o arcabouço teórico da teoria da estruturação. Lounsbury e Crumley (2007) discutem a criação de novas práticas em um setor específico, a partir de mudanças propiciadas por diversos agentes num dado campo

que desafiaram a estrutura vigente e, em vez de legitimarem aquelas práticas vinculadas às condições da estrutura corrente/tradicional passaram, pelo processo recursivo entre estrutura-prática, a delinear o surgimento de novas práticas e estruturas. Orlikowski (2000) traz uma leitura interessante sobre o setor de tecnologia pela ótica estruturacionista de Giddens. Aplicando os conceitos de estrutura, práticas e modalidades, o trabalho de Orlikowski (2000) delineia-se demonstrando diferenças na assimilação de novas práticas propiciadas por um novo recurso tecnológico, por diferentes atores com diferentes perspectivas. Parte deste trabalho se inspirou nessa adaptação, proposta por Orlikowski (figura 17), para discutir, inicialmente, a inovação orientada para a sustentabilidade pela ótica da teoria da estruturação.

Figura 17: As práticas através da estrutura

Fonte: adaptada de Orlikowski 2000