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4 DIALOGANDO COM AS NOÇÕES TEÓRICAS DE AGLOMERAÇÃO,

4.2 Conceituando redes: abordagem escolhida

Harvey (2001, p. 144) defende que “[...] o capital e a força de trabalho devem se unir em algum ponto especifico do espaço para ocorrer a produção”. Castells (1999) acredita na ideia de que as redes constituem a nova morfologia de nossa sociedade, e que a lógica das redes transforma substancialmente as operações e os processos de produção, de experiência, poder e cultura, representando uma fonte poderosa de reorganização do poder. A fábrica

representaria um ponto de reunião, na fala de Harvey; como neste trabalho trataremos da prestação de serviços turísticos, o atrativo turístico, ou o recurso natural/físico, assume o papel “da fábrica”.

De acordo com Dollfus (1991, p. 113),

estão sendo criadas redes modernas que se superpõem e substituem as relegadas redes tradicionais. Essas redes modernas, entretanto, são as mais das vezes destinadas à organização de operações de drenagem de matérias-primas para o exterior ou para efetuar a sucção dos produtos do campo em benefício.

Carlos (1996, p. 27) defende o princípio de que “O desenvolvimento da técnica vem implicando profundas transformações no processo produtivo, as mudanças nos meios de comunicação ligando espaços em redes de fluxos cada vez mais densas, ultrapassando fronteiras, colocam, antes de mais nada, uma necessidade de repensar a natureza do espaço num momento em que uma relação espaço/tempo se transforma de modo incontestável.”

Essa nova morfologia defendida por Castells, somada à constatação de Carlos (1996) sobre as profundas transformações no processo produtivo, demonstram uma possibilidade de reflexão sobre o fenômeno turístico, uma vez que, através do desenvolvimento de um destino turístico, observam-se profundas transformações no espaço (como veremos posteriormente em capítulo específico), possibilitando a criação de densas relações não só dos elementos fixos no lugar, como dos elementos fluidos, que ultrapassam as fronteiras territoriais.

De acordo com Castells (1999, p. 566), “Rede é um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta. Concretamente, o que um nó é depende do tipo de redes concretas de que falamos”. O autor afirma ainda que “Redes são estruturas abertas[...] ”, baseadas na inovação e na globalização.

Em um momento no qual os avanços tecnológicos permitem deslocamentos mais rápidos, os fluxos percorrem o que o autor denomina de “espaços concretos e contínuos” em tempo cada vez mais diminuto. Os fluxos de pessoas e de informações se descentralizaram, trazendo a possibilidade de acesso a lugares antes distantes da realidade das massas trabalhadoras.

Corrêa (2001, p. 94) diz ser necessária a existência de três condições mínimas para haver uma rede:

(1) [...] em uma sociedade vivendo em economia de mercado, com transações comerciais envolvendo bens produzidos localmente e bens produzidos externamente.[...],

(2) [...] deve haver pontos fixos no espaço onde, de modo permanente ou temporário, as transações são realizadas

(3) [...] deve haver um mínimo de interações que refletem e ratificam uma diferenciação hierárquica e/ ou em termos de espacialização produtiva entre elas.

A estruturação de uma rede de serviços exige articulação entre as organizações e os demais elementos fixos no espaço de inserção, que é o lugar; assim sendo, os termos interligação, interdependência, conexão, complementariedade e flexibilidade são recorrentes nos estudos da área. Os termos anteriormente citados também aparecem frequentemente nos estudos sobre a atividade turística, uma vez que o produto turístico é o resultado de uma combinação de serviços, e que estes, somados, compõem o “produto” do destino.

Santos (2014, p. 208) acredita que as discussões em torno das redes usam duas abordagens: a primeira trata apenas de sua abordagem material e a segunda também leva em conta o dado social.

O autor explica que existem muitas maneiras de hierarquização dos espaços, tanto através da integração funcional como da integração territorial; essas integrações formam horizontalidades26 e verticalidades27. Santos afirma, ainda, que as cidades representam o ponto de convergência, havendo lugares modernizados e lugares letárgicos, sendo essa lógica produtora de arranjos territoriais diferenciados através das forças atuantes, as quais são as forças centrípetas – condutoras do processo de horizontalização – e as centrífugas – estimuladoras de um processo de verticalização. Desse modo, entendemos que a teoria das redes se preocupa com a ocupação do território, assim como as abordagens das aglomerações e APL’s, mas leva em consideração também a ativação de pontos e as relações por eles constituídas.

Nesse contexto, o lugar ocupa um papel de destaque, sendo ele o pano de fundo para a formação da aglomeração e da estruturação da rede. Ele nos é apresentado inicialmente por Carlos (1996, p. 28) como “[...] a identidade histórica que liga o homem ao local onde se processa a vida”. Posteriormente, a autora define lugar como um “fragmento do espaço”, como um “ponto de articulação” entre a mundialidade e o local. Santos (2014, p. 251) explica que o lugar é visto como um “intermediário entre o Mundo e o Indivíduo”, sendo cada lugar “à sua maneira o mundo”, e ainda “virtualmente mundial”.

26“[…] extensões formadas de pontos que se agregam sem descontinuidade.” (SANTOS, 2014 p. 225)

27 “[…] pontos no espaço que, separados uns dos outros, asseguram o funcionamento global da sociedade e da economia. (SANTOS, 2014 p. 225)

De acordo com Carlos (1996, p. 34), “O lugar na era das redes traz a ideia de que os novos processos de produção e de troca se dão hoje de outra forma no espaço num momento em que as vias de transporte e de comunicação mudam radicalmente sua configuração que não passa somente pelas rotas terrestres tradicionais – marítimas, rodoviárias, ferroviárias - mas cada vez mais pelas aéreas[...]”.

Alguns autores tratam o estudo do lugar como uma “redescoberta da dimensão local”; no caso do recorte territorial objeto de estudo desta tese, observamos dois lugares fragmentados, a sede de Aracati e a Praia de Canoa Quebrada, integrantes de uma mesma unidade territorial – o município de Aracati. Esse dois fragmentos representam pontos de articulação e conectam o destino turístico à mundialidade.

Esse lugar, produto das relações humanas, tecido por tramas sociais, é o plano de estruturação das redes, onde se prendem os fixos e se movimentam os fluxos. O lugar, ainda trazendo o pensamento de Carlos (1996, p. 29), é uma “unidade da vida social”, situado em um espaço “[...] concreto e real onde se reconhece ou se perde, usufrui e modifica”. No munícipio de Aracati, as atividades, em grande medida, giram em torno do turismo, criando múltiplas relações entre seus diversos atores; os turistas integram temporariamente esse lugar, se reconhecem nele, e por vezes até se fixam, usufruem da experiência de viver as práticas do lugar e, em certa medida, também o modificam.

A rede de serviços turísticos, a partir das ideias apresentadas, demonstra uma multiplicidade de relações: turistas com a comunidade, comunidade com prestadores de serviços, prestadores de serviços com turistas e com os fornecedores, comunidade com as instâncias de governança e tantas outras. Dias destaca que a “[...] rede aparece como o instrumento que viabiliza exatamente essas duas estratégias: circular e comunicar” (DIAS, 2001, p.147). As redes de turismo atenderiam a essas duas estratégias, pois a circulação gera fluxos de pessoas e de capitais e comunica.

Esta pesquisa, realizada através da abordagem das redes, nos permitiu, portanto, um estudo aprofundado de uma rede de serviços imaterial, em que as relações/articulações entre os elementos ou nós formados nesse território (Aracati/Canoa Quebrada) se evidenciam ao longo do trabalho, ressaltando a importância dos agentes para a realização da atividade turística.

De acordo com Santos (2014, p. 208), “Em suas relações com o território, as redes podem ser examinadas segundo um enfoque genético e segundo um enfoque atual.”. Assim,

seria possível analisar o processo de formação e/ou a realidade como um dado da realidade atual.

Na segunda parte deste trabalho, analisaremos a rede de serviços turísticos de Aracati/ Canoa Quebrada-CE a partir dos dois enfoques propostos por Milton Santos, o enfoque genético, através do qual descreveremos o processo de estruturação, bem como discutiremos a realidade atual da rede. Como forma de lançar outro olhar ao estudo em questão, apresentaremos ainda a rede local a partir das dimensões propostas por Corrêa (2001).

PARTE B – ESTRUTURAÇÃO E DINÂMICA DA REDE DE SERVIÇOS

TURÍSTICOS DE ARACATI

A segunda parte deste trabalho demonstra a estruturação da rede de serviços turísticos de Aracati e Canoa Quebrada-CE. Além disso, apresentamos os elementos que compõe a rede e os efeitos socioespaciais decorrentes da estruturação da rede de turismo. Os dados primários da pesquisa de campo são associados a dados secundários na busca por construirmos um trabalho que contribua com o entendimento da formação de uma rede de turismo.

5 ESTRUTURAÇÃO DA REDE DE SERVIÇOS TURÍSTICOS DE