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Fatores influenciadores do processo de formação da rede de serviços turísticos

5 ESTRUTURAÇÃO DA REDE DE SERVIÇOS TURÍSTICOS DE

5.3 Fatores influenciadores do processo de formação da rede de serviços turísticos

Desejosos de conhecer os fatores que influenciaram o processo de formação da rede de turismo, solicitamos que os entrevistados explicitassem a motivação para investir no setor de turismo em Aracati/Canoa Quebrada-CE. Observamos que os “nativos” da região sentem a necessidade de empreender e se tornarem elementos atuantes da atividade turística. Alguns dizem ter percebido que o turismo é uma das “vocações econômicas” da região, outros acreditam ser um bom negócio. Existem, ainda, os que visitaram o lugar, sentiram a necessidade de levar uma vida mais tranquila e ficaram, sendo o turismo a única atividade viável para a região, para “ter como ficar”.

A pesquisa apontou que os principais fatores que motivaram os investimentos estão em Aracati: são fatores endógenos, como suas belezas naturais (fatores físicos/naturais) que foram ressignificados na Praia de Canoa Quebrada, e a necessidade de investir para se ter trabalho.

Os fatores externos ou exógenos foram citados em poucas afirmações dos sujeitos, dando indícios de que o estímulo do poder público para implantação de negócios no setor do turismo é tímido na região. Outros fatores ainda foram enumerados, como a concessão de linhas de crédito públicas ou privadas, a oferta de mão de obra qualificada ou ainda a existência de infraestrutura turística.

A comunidade local e os empresários oriundos de outros lugares despertaram para a oportunidade de investir no turismo em Canoa Quebrada, sem a existência de estímulos externos, mas pelas características geográficas do lugar. É comum ouvirmos, no discurso do pesquisado, que o lugar possui uma “energia” diferente, que faz com que as pessoas queiram ficar e se, para isso, for “necessário” investir no turismo, que assim seja.

As belezas naturais e o desejo de um novo modo de viver – descolado do que ocorre nas grandes metrópoles, mais próximo da natureza e capaz de possibilitar a fruição da paisagem – são os fatores mais preponderantes para os empreendedores e parecem criar uma “lógica de mercado” peculiar. Harvey (2006) explica que, em dois casos específicos, no capitalismo comercial e na hotelaria, há uma disposição a se pagar um ágio pelo terreno, por sua acessibilidade. Sabemos que o turismo não comercializa a terra, o recurso natural ou um lugar singular, “mas a mercadoria ou o serviço produzido por meio do seu uso” sobre a base que é o recurso natural, a terra.

GRÁFICO 7 - Motivo pelo qual a empresa se localiza em Aracati (2013)

Fonte: Pesquisa direta, C. M. Diógenes, 2013.

As teorias de localização e as preocupações com os custos localizacionais parecem “não dar conta” da escolha da localização do empreendimento turístico de Aracati. Percebemos que os fatores determinantes citados na teoria não estão associados em nosso caso específico, ao menos de forma explícita. Os custos de transporte, a proximidade dos centros de consumo, a existência de barreiras de língua e mesmo o preço de instalação não foram citados como fatores relevantes para a empresa se localizar nesse espaço geográfico estudado. Os únicos fatores da teoria de localização citados foram a existência abundante de mão de obra e o posicionamento geográfico. O entendimento de posicionamento geográfico citado pelos sujeitos desta pesquisa explicita a existência de atrativos naturais capazes de induzir uma demanda turística, a matéria-prima básica da atividade, mas os entrevistados, em sua maioria, não fizeram referência ao termo técnico.

O fator motivador mais preponderante para a abertura de uma empresa no setor de turismo é que as pessoas são da localidade e têm o desejo de empreender. Seria um fator endógeno: eles percebem o turismo como uma oportunidade, ou mesmo como a única

oportunidade viável. Observamos um grande número de pequenos empreendimentos que surgem e vão crescendo e adaptando-se conforme uma dinâmica própria e contrariando a lógica do turismo de que, para a consolidação do destino, faz-se necessário a implantação de megaempreendimentos turísticos e hoteleiros, capazes de atrair visibilidade para o lugar e “gerar empregos” para a comunidade. Harvey (2006, p. 221) exemplifica esse fenômeno ao descrever a ocorrência de “disneificação” da Europa, havendo uma homogeneização insípida, transformando os lugares em menos únicos e menos especiais. O autor afirma ainda que é preciso conservar os lugares, e mesmo as mercadorias, em únicos e particulares, o que se aplica à atividade turística.

No Ceará, existem exemplos de destinos turísticos que se consolidam através de empreendimentos âncoras, como o Porto das Dunas, com o seu Beach Park, e o Cumbuco, com o português Vila Galé. Esses empreendimentos atraem outros de menor porte e forma-se o destino. No caso de Aracati, não existiu um empreendimento âncora e ainda não existe.

A adoção de nomes como Broadway, como é conhecida a rua principal, oficialmente Dragão do Mar, personalidade da abolição dos escravos, é apenas manifestação de um desejo de ser “internacional” e de estar inserido nesse mundo global. O que se percebe na prática vivenciada no destino é uma manutenção de muitos costumes: as labirinteiras ainda sentam com seus bordados na calçada, os pescadores jogam carteado na praça e as crianças estudam música na associação comunitária. A vida segue um ritmo lento, apesar das redes de wifi, dos muitos idiomas escutados e das variações cambiais.

FIGURA 32 - Tempos lentos: vida cotidiana dos moradores de Canoa Quebrada/Aracati

A atividade turística em Aracati se configurou como uma atividade econômica inovadora e difere completamente das atividades tradicionalmente desenvolvidas no município, tais como a pesca tradicional e a produção de labirinto, assumindo, no princípio, um papel complementar. O turismo se utiliza do espaço geográfico ou meio ambiente da região e não possui dependência das atividades anteriormente praticadas – elas, contudo, não foram apagadas e são praticadas concomitantemente.

Atualmente, no entanto, o turismo é a atividade principal, não há outra atividade desvinculada dela que seja praticada em Canoa Quebrada. A sede Aracati e outros municípios do litoral leste produzem camarão em cativeiro, mas em Aracati, a circulação de recursos é basicamente proveniente do turismo.

A comercialização do charque, a produção de sal e a exportação do algodão são marcas do passado e deixaram como herança, além do patrimônio arquitetônico material, a capacidade de construção de relações da localidade, tanto com o interior do estado do Ceará como através do Oceano Atlântico. Outras atividades continuam a existir, como a pesca, a agricultura familiar e a produção de bordados, sendo estes potencializados a partir do desenvolvimento do turismo e da dinamização da economia local. Os clientes vão até o local de produção e consomem o bordado e o pescado na própria comunidade.

FIGURA 33 - Artesãs de Canoa Quebrada: artesanato com escamas de peixes e labirinto

Fonte: C. M. Diógenes, 2014.

As atividades econômicas do passado e as relações constituídas no espaço formam a identidade. Neste sentido, Harvey (2012, p. 273) explica que a busca por uma identidade coletiva ou pessoal ou mesmo a identidade de um lugar é uma “[...] colagem de imagens espaciais superpostas”. A imagem de Aracati é, então, constituída a partir das relações

praticadas historicamente em seu espaço, sendo que este passa por rupturas e transformações contínuas. Um cuidado necessário a partir do desenvolvimento da atividade turística é que a busca por raízes e tradições não seja “mercantilizada”, gerando imitações de um passado apenas para agregar valor ao “produto”.

Muitos aspectos emergiram ao longo da pesquisa de campo. Percebemos que, para os turistas, a viagem é o somatório das experiências vividas em cada um dos serviços prestados, apesar de usufruírem desses serviços de forma isolada, como hospedagem, alimentação e transporte. Assim sendo, a imagem do destino está intimamente relacionada à imagem dos prestadores de serviços. Aracati será um bom lugar para ser visitado à medida que a qualidade dos serviços prestados atenda às necessidades dos turistas.

A rede local apresenta ainda características típicas da proximidade física, havendo uma imersão por parte do turista no contexto cultural, econômico e social da localidade, e é essa experiência vivida no local que é “levada” para o global: a imagem do destino, a soma das experiências vividas e dos serviços usufruídos. E, como o destino não possui grandes resorts, onde os turistas ficam isolados do convívio com a população, eles se integram à comunidade.

Passamos a nos questionar quais as vantagens percebidas pelos empresários por estarem localizados em Aracati e integrarem essa rede de tantos nós. Um pequeno número de entrevistados, 3,3%, afirmou não haver nenhuma vantagem. Os demais entrevistados entendem que integram uma rede em um destino turístico de grande movimentação e de belezas paisagísticas importantes. Como visto anteriormente, muitos escolheram viver no destino turístico por sua beleza e energia, ficando evidente o envolvimento afetivo dos entrevistados com o lugar, mesmo daqueles que são “forasteiros”.

Os entrevistados não descreveram ações de estímulo do poder público para o desenvolvimento da destinação, existência de infraestrutura, oferta de capacitação para a mão de obra local. Percebemos que tanto as vantagens como os fatores que motivaram a instalação estão ligados fortemente à paisagem, ao clima e à cultura do lugar. Sabemos que talvez o fator beleza não seja suficiente para desenvolver e manter uma destinação turística. Os investimentos em destinos turísticos são contínuos e buscam sempre agregar novos atrativos aos já consolidados. Mesmo destinos turísticos sólidos, como a cidade de Paris, investem em inovações, em atrativos diferentes, em exposições e em eventos que tragam visibilidade para o lugar. Um bom exemplo disso é a Expo Milão, em 2015; o evento atraiu olhares para o destino e incorporou novos conceitos, como a sustentabilidade, a um destino já consolidado.

Finalizando essa parte dos resultados, gostaríamos de avaliar a existência de desvantagens na escolha da localização do negócio. Ao perguntarmos sobre as desvantagens de a empresa estar localizada em Aracati, apenas 9,9% afirmam não haver nenhuma desvantagem. Os entrevistados apresentam, como respostas, fatores que são comumente analisados na fase de implantação do negócio, tais como falta de segurança pública, inexistência de infraestrutura adequada, ausência de ações do poder público, desorganização dos atores locais, grande concorrência e existência de poucos fornecedores de insumos, totalizando 51,7% das respostas totais.

Acreditamos que, como a escolha da localização e mesmo da atividade em que investir está associada à decisão de viver no lugar ou à necessidade de empreender, alguns fatores relevantes na análise de investimentos são colocados em segundo plano, aparecendo muitas vezes quando o negócio já está em funcionamento, sendo esse mais um aspecto da dinâmica do turismo na comunidade.

6 ELEMENTOS OU ATORES DA REDE E SUAS RELAÇÕES

Sabe-se, através da obra de Castells (1999), que ocorrem a inexistência de mão de obra globalizada e migração cada vez maior, aumentando a multiplicidade dos lugares. O principal destino turístico de Aracati foi forjado por essa multiplicidade. Visitada por estrangeiros, em sua maioria europeus, aventureiros e desbravadores, adotou como símbolo a lua e a estrela, de origem muçulmana, incorporando-a à sua identidade.

Em fases anteriores desta pesquisa, observamos que um número significativo de estrangeiros fixou residência, constituiu vínculos familiares e investiu na localidade. Os avanços de comunicação e transporte, segundo Castells (1999, p. 172), permitem que os migrantes atualmente “vivam entre um e outro país”, refazendo o caminho inicial dezenas de vezes.

A atividade turística “estimulou” que muitos nativos também investissem na atividade, fazendo com que muitos outros empregos fossem gerados na comunidade, aumentando a demanda por mão de obra qualificada, com fluência nos idiomas dos visitantes e apta a interagir com as novas tecnologias de comunicação.