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CONCEPÇÃO DE CONSCIÊNCIA EM NOSSO ESTUDO

ATIVIDADE COMUNITÁRIA E PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

4. CONSCIÊNCIA PESSOAL

4.7. CONCEPÇÃO DE CONSCIÊNCIA EM NOSSO ESTUDO

Analisando as concepções de consciência em Vygotski e Paulo Freire, vemos que entre elas não há uma oposição, mas uma ampliação e adequação às questões do desenvolvimento sócio-econômico e da educação, especialmente nos países pobres.

Estes autores tratam os mesmos aspectos essenciais da consciência e de seu desenvolvimento, tais como sua origem cultural, a distinção entre significado e sentido, o papel da interação social, o diálogo, a cooperação, as condições culturais de seu desenvolvimento, a relação entre aprendizagem e desenvolvimento, a perspectiva transformadora da realidade cultural, a natureza essencialmente transformadora da consciência, a relação entre atividade e consciência, as bases e os elementos implicados na mediação pedagógica da relação consciência-mundo (atividade prática, linguagem, base de orientação ativa, zona de desenvolvimento próximo e diálogo- problematizador).

A visão interacionista-dialética (VYGOTSKI, 1991) serve de referência para esses estudos e aplicações, e por nós é tomada como base para nossa atuação em Psicologia Comunitária.

Partindo desses autores, compreendemos a consciência como a propriedade da mente que dá sentido, tanto à vida psíquica, como à própria atividade externa dos indivíduos, e que esta atividade, por sua vez, orienta e dá a substância da própria consciência. Portanto, esta é formada, sob determinadas condições da atividade prática e social, e da própria mente. Em seu processo de formação vai possibilitando ao indivíduo apreender a realidade objetiva e sua vida interior, distinguindo as duas através de sua inserção cada vez mais profunda e intencional no mundo, desde a infância e por toda a vida.

A consciência tem um caráter ativo, não surge da adaptação, mas do processo de apropriação da realidade e do desenvolvimento cultural.

Apoiando-nos em Vygotski, é possível adentrar no movimento interno da consciência e, a partir daí, analisá-la em seus tipos ou níveis de consciência (de acordo com Freire). Para isso é necessário guiar-nos por algo que objetive a própria consciência. Encontramos a resposta no “sentido”, ou categoria psicológica presente na linguagem e própria do movimento interno da consciência.

A análise do sentido permite identificar os tipos de consciência (mágico, ingênuo e crítico) existentes nas diferentes formas de ler e interpretar a realidade pessoal e social (descrevê-la e explicá-la). Esta leitura (FREIRE, 1994) é própria do indivíduo (consciência pessoal) e se refere à sua compreensão com relação aos fatos da realidade.

Outro aspecto a considerar nessa questão diz respeito ao desenvolvimento da consciência, que em seu movimento, pode passar de uma condição semi-intransitiva a uma condição de transitividade, isto é, ir da tomada de consciência (semi-intransitivo mágico a transitivo ingênuo) a uma

consciência aprofundada no mundo (transitivo ingênuo a transitivo crítico), mediante a conscientização.

Engels, a seguir por Vigotski, Rubinstein, Leontiev e Luria, na Psicologia dos anos 20 e 30, depois na década de 60 por Paulo Freire na educação e na década de 80, em Psicologia Social, por Sílvia Lane, nem sempre ocupou um lugar de destaque na Psicologia em geral nem na Psicologia Comunitária.

Em Psicologia Comunitária, sabemos da importância que têm as práticas comunitárias e a participação comunitária para o desenvolvimento comunitário e o

desenvolvimento humano (MUSITU, 1996; ARANGO, 1996; HOMBRADOS

MENDIETA, 1996; GIL LACRUZ, 1997; MARTÍN GONZÁLEZ, 1989; SÁNCHEZ VIDAL, 1991, 1996; FREITAS CAMPOS, 1996), assim como da importância da conscientização (QUINTAL DE FREITAS, 1996a). Todavia, a atividade humana como categoria psicológica não é considerada como algo que mereça ser aprofundado na perspectiva da Psicologia Comunitária, exceção feita a Lane (1984, 1996) e Sawaia (1987). Em geral, não a consideram do ponto de vista da Psicologia, como propõe Leontiev (1979, 1982), e como tal estudada em Psicologia Comunitária.

Para nós, as práticas comunitárias têm valor real para o desenvolvimento do indivíduo, pois estabelecem um vínculo concreto e psicológico entre este e o mundo objetivo da comunidade e da sociedade em que se encontra. Por isso a importância de serem estudadas a partir dessa perspectiva.

Não queremos com isso rejeitar outros modelos e concepções teóricas e práticas. Não temos essa pretensão. O que pretendemos é enfatizar, colocando mais à tona do debate em Psicologia Comunitária a relação entre mundo objetivo e mundo subjetivo, conforme apresentada pelos autores da Teoria Histórico-Cultural da Mente e pela Pedagogia da Libertação.

Consideramos importante a aproximação da Psicologia Comunitária ao estudo objetivo da atividade e da consciência como categorias psicológicas básicas entrelaçadas entre si. Que se possa examinar a atividade comunitária como fundamento e necessidade da vida pessoal e social, essencial à consciência. Além disso, que a analise como reveladora das formas e direção do desenvolvimento da atividade social e da atividade consciente em um momento histórico-cultural dado de uma sociedade ou comunidade.

Esta é a razão primeira para nos centrarmos no estudo da relação entre atividade comunitária e consciência pessoal, pois entendemos que se pode acrescentar algo aos estudos de Psicologia Comunitária e aos seus modelos de intervenção, buscando com isso o desenvolvimento tanto da coletividade como do morador e do Psicólogo Comunitário.

Muitas questões nos acompanham ao longo destes anos como Psicólogo Comunitário. Algumas se referem à relação entre atividade comunitária e consciência pessoal, tais como: a) A participação em atividades comunitárias exerce influência no desenvolvimento da consciência, ou estas são variáveis independentes? b) Que aspectos da atividade comunitária influem na consciência? c) Que tipo de consciência predomina naqueles que participam de atividade comunitária? d) Que aspectos da atividade comunitária estão relacionados com esse tipo de consciência? e) Toda atividade comunitária influi na consciência ou somente alguns tipos de atividade? f) A conscientização é o mais importante nas estratégias de intervenção comunitária para o desenvolvimento humano e a mudança social? g) Como identificar os diferentes tipos de consciência em um dado momento da comunidade? h) Qual a importância das práticas e

ajuste social, do individualismo e da alienação social, apesar de seus objetivos de desenvolvimento social?

A partir de Vigotski e Paulo Freire, e de nossa própria experiência, podemos responder a várias das questões apresentadas, porém necessitamos aprofundar ainda mais o tema para dar respostas mais consistentes. É evidente que, para isso, é necessário continuar articulando teoria-prática-compromisso social em nossas atividades de Psicólogo Comunitário.

Nosso interesse específico é estudar, mediante o discurso dos moradores, os tipos de consciência pessoal (FREIRE, 1980, 1994) existentes na comunidade em um dado momento e sua relação com o ato de participar ou não em atividades comunitárias. Pretendemos, também, estudar alguns aspectos da atividade comunitária (variáveis de participação) que podem ter importância na relação entre atividade e consciência; além disso, verificar se esta relação é significativa, independentemente das variáveis estruturais consideradas, como por exemplo, a escolaridade.

Com esta pesquisa, buscamos contribuir para o desenvolvimento teórico da Psicologia Comunitária e da própria prática comunitária, através do estudo da relação entre atividade comunitária e consciência pessoal. Queremos verificar se a atividade comunitária é importante no aprofundamento da consciência pessoal (mudança de uma consciência semi-intransitiva a uma consciência transitiva) e compreender que aspectos da atividade comunitária estão mais relacionados com tal fato, em moradores de uma comunidade rural do Estado do Ceará.

6. METODOLOGIA

A tensão entre o qualitativo e o quantitativo encontra-se hoje mais presente na Psicologia, tanto no campo axiológico e epistemológico, como no campo dos princípios metodológicos, dos métodos e das técnicas de pesquisa. Isso implica a existência aparente de dois campos opostos, algo que se dirige mais ao terreno ideológico que científico (MARTÍN-BARÓ, 1991). Não obstante, existe outra discussão, que vai mais além da aparência ideológica e, creio, inclusive, ser mais enfatizada no âmbito das Ciências Sociais e Humanas. Essa discussão reconhece a importância do qualitativo e do quantitativo na pesquisa científica, tanto por uma abertura axiológica (MARTÍN-BARÓ, 1991) como pela existência de distintos tipos de problemas ou objetos (MUNNÉ, 1995). É evidente nessa discussão a compreensão de que as diferenças entre os métodos quantitativos e qualitativos não podem ser considerados em um plano dicotômico, em campos opostos (SPINK, 1994), pois formam parte, muito mais, de um contínuo metodológico (LATORRE, DEL RINCÓN y ARNAL, 1996).

Partindo do exposto e da existência de um sem-número de técnicas de coleta e de análises de dados (VISAUTA, 1989), optamos pela entrevista dirigida para coletar os dados e pela integração do método qualitativo (análise do discurso), para identificar os tipos de consciência, com o método quantitativo (estatística descritiva, análise bivariante e análise multivariante), para verificar as características da amostra e das variáveis estudadas, bem como a existência de relações significativas entre estas variáveis.

sobre contexto, população e amostra.