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Concepção de diálogo

No documento 2011IvaniaCover (páginas 68-70)

2 FINS E SENTIDO DA EDUCAÇÃO: CONCEPÇÕES FREIRIANAS E PROPOSTAS CONTEMPORÂNEAS PARA A EDUCAÇÃO

2.1 Concepções que fundamentam a pedagogia freiriana

2.1.5 Concepção de diálogo

A concepção freiriana de diálogo propõe que este supere os comunicados, as palavras apenas ditas. Em relações de dominação, o diálogo como “comunicados” faz-se presente para manter as relações de protecionismo, de paternalismo e de dependência.

Em sua obra Educação como prática da liberdade, Freire (2009) observa que, pela nossa inexperiência democrática, nossa cultura fixada na palavra e nas relações de dominação, não temos a experiência do diálogo.

E que é o diálogo? É uma relação horizontal de A com B. Nasce da matriz crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, esperança, com fé no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação (FREIRE, 2009, p. 115).

De acordo com essa afirmação, o diálogo não prospera em relações que visam a manter a opressão, posto que ele é condição essencial e primordial no processo de libertação dos oprimidos e requer responsabilidade dos envolvidos. Para toda a existência humana, para as questões que organizam as diferentes dimensões da vida humana, o diálogo é indispensável. Desse modo, para Freire, o diálogo assume papel central no projeto de educação libertadora. Na obra Pedagogia do Oprimido, concebe o diálogo como um processo dialético-problematizador, o que significa que, por meio dele, é possível compreender a nossa realidade e a nossa existência como um processo inacabado e em permanente transformação. O diálogo, assim concebido, promove o pensar crítico e problematizador, configurando-se como o caminho pelo qual se conquista a significação humana por intermédio da palavra. Por ela, o homem pode dizer e fazer o mundo, de tal sorte que o diálogo é, portanto, um fenômeno humano e, por isso, requer que busquemos os elementos que o constituem:

Esta busca nos leva a surpreender, nela, duas dimensões: ação e reflexão, de tal forma solidárias, em uma interação tão radical que, sacrificada, ainda que em parte, uma delas, se ressente, imediatamente, a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo (FREIRE, 2005, p. 91).

A dicotomia entre a ação e a reflexão gera formas inautênticas de existir e de pensar. A existência humana é nutrida pela palavra que não pode ser privilégio de alguns, mas direito de todos os homens. Sob tal perspectiva, a palavra verdadeira não é dita pelo homem sozinho, nem para o outro. A palavra, o diálogo verdadeiro “é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo para pronunciá-lo” (FREIRE, 2005, p. 91). O autor enfatiza que sem amor ao mundo, à vida e aos homens, sem humildade, fé no poder de fazer e refazer, de criar e recriar, fé na vocação de ser mais dos homens, o diálogo não é possível. Nessa ótica, o diálogo promove confiança entre os sujeitos, o que é oposto às relações opressoras e monológicas e à educação bancária, que são radicalmente criticadas por Freire.

O diálogo é, portanto, a base da proposta freiriana que postula um novo sentido para a vida em sociedade: o homem como um ser vocacionado para ser mais, para transpor os limites das relações opressoras e constituir-se mais livre, mais humano.

Freire entende que o homem constitui-se dialética e dialogicamente com o mundo e no mundo num movimento dinâmico de relações que têm por base a comunicação alimentada pelo diálogo, o que significa que, sem relações dialógicas, não é possível promover o processo educativo. Em conformidade com Freire: “Ao contrário da ‘bancária’, a educação problematizadora, respondendo à essência do ser da consciência, que é a sua intencionalidade, nega os comunicados e existencia a comunicação” (2005, p.77, grifo do autor).

Os seres humanos não podem ser compreendidos como “seres vazios”, destinados a serem enchidos de conteúdos, de informações, como preconiza a educação bancária. O ser humano, por sua natureza, não é um ser de depósitos, de comunicados, ao contrário, é um ser de relações, um ser de práxis que se dá na reflexão, na ação e na problematização das questões da existência humana. Assim, o projeto de uma sociedade igualitária, idealizado por Freire, propõe que a educação libertadora utilize todo o seu potencial dialógico para reconstruir e transformar a realidade crítica e criativamente. O estudioso reitera que, enquanto a educação bancária é antidialógica, a problematizadora é dialógica, afirma a sua dialogicidade e nem seria possível sem o diálogo. Freire considera que o diálogo é capaz de promover a superação da relação verticalizada do professor que sabe e transmite, para a relação em que ambos,

educador e educando, tornam-se sujeitos e educam-se em comunhão, pois o diálogo verdadeiro não exclui nem o conflito nem a diversidade.

O diálogo proposto por Freire, em sua proposta de educação, não significa a fala do educador sobre a sua visão de mundo o que pode estar distante dos anseios do educando. O diálogo precisa acontecer com o educando e considerando a sua visão do mundo que reflete ou representa a sua realidade a ser problematizada. Por isso, o conteúdo da educação não pode ser imposto, decorrente de um programa estabelecido sem a participação dos envolvidos no processo educativo. Da relação dialógica, devem surgir os temas que se deseja investigar, aos quais são denominados, por Freire, como “temas geradores” (FREIRE, 2005, p. 101).

Na Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido, Freire retoma a questão dos conteúdos programáticos da educação, considerando que sem eles não há educação e que é elementar que a escolha, a definição e a decisão sobre os mesmos faça-se democraticamente. Nessa perspectiva, não podem os educadores colocarem-se em uma posição de superioridade como se apenas eles soubessem o que os estudantes deveriam saber. O diálogo faz-se, pois, condição fundamental e precisa estar claro e compreendido que não forma professores e alunos iguais, mas também é fator que define posição democrática entre ambos. Sendo verdadeiro e pedagógico, o diálogo não será um “bate-papo” simplesmente, mas se dará em torno de um conteúdo ou de um objeto a ser conhecido.

No documento 2011IvaniaCover (páginas 68-70)