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Educação: um ato político

No documento 2011IvaniaCover (páginas 105-108)

3 INDICATIVOS PARA A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA EMANCIPADORA

3.2 Educação: um ato político

É na diretividade da educação, esta vocação que ela tem como ação especificamente humana, de ‘endereçar-se’ até sonhos, ideais, utopias e objetivos, que se acha o que venho chamando politicidade da educação. [...] A raiz mais profunda da politicidade da educação se acha na educabilidade mesmo do ser humano, que se funde na sua natureza inacabada e da qual se tornou consciente. Inacabado e consciente de seu inacabamento histórico, necessariamente o ser humano se faria um ser ético, um ser de opção, de decisão (FREIRE, 1996, p.124).

A educação, como uma especificidade humana, é um ato de intervenção no mundo. Essa intervenção, referida por Freire, diz respeito tanto a mudanças na sociedade nos seus diversos campos, como também o seu contrário, no sentido de colaborar para manter as relações opressoras que desumanizam. As formas de intervenção enfatizam mais um ou outro desses aspectos e não é comum que se perceba a incoerência, por exemplo, entre um discurso progressista e a prática conservadora. Freire adverte que, entre os educadores, a questão não se apresenta diferente, pois existem educadores que se dizem progressistas e, no entanto, a sua prática político-pedagógica continua sendo autoritária, inibindo a curiosidade e não contribuindo para a autonomia do educando. Eles insistem em depositar conteúdos ao invés de desafiar os educandos a aprender.

Para Freire, é impossível a educação ser neutra, pois, se o homem é inacabado, histórico, capaz de tomar decisões, de fazer opções, não é possível a neutralidade. Para ser possível, necessário seria que não houvesse discordâncias, divergências, que as pessoas aceitassem e fossem unânimes na forma de intervir nas situações. “Para que a educação não fosse uma forma política de intervenção no mundo era indispensável que o mundo em que ela se desse não fosse humano” (FREIRE, 1996, p.125). E a educação requer, primordialmente, o respeito por cada ser humano com a sua história, a sua cultura, os seus desejos. Mesmo a neutralidade intencionada ou a omissão diante de uma situação de opressão, por exemplo, resulta no reforço da situação e fortalece o poder do opressor.

Assim, é necessária ao educador a consciência da impossibilidade da neutralidade da educação. No decorrer de sua obra, o autor expressa constantemente a sua preocupação com o desenvolvimento de práticas orientadas por uma consciência que denuncie e questione criticamente a realidade excludente e simultaneamente esteja encharcada da possibilidade e do comprometimento com a transformação. O exercício dessa opção, que é

inerente às práticas educativas, diz respeito à dimensão política da educação. Desafia-se o educador a assumir e compreender a dimensão além de educativa, também política da indagação, da pergunta, do inconformismo, da coragem e da esperança, pois a dimensão política da educação está ligada à natureza ética dos valores que fundamentam as práticas pedagógicas. E essa dimensão política é elemento que impulsiona práticas de educação libertadora que se opõem ao

caráter desesperançoso, fatalista, antiutópico de uma tal ideologia em que se forja uma educação friamente tecnicista e se requer um educador exímio na tarefa de acomodação ao mundo e não na de sua transformação. Um educador com muito pouco de formador, com muito mais de treinador, de transferidor de saberes, de

exercitador de destrezas (FREIRE, 1996, p.161 - 162).

A educação não pode deixar de considerar que o contexto das relações sociais dá-se nos mesmos moldes há muito tempo. De acordo com Brandão, “saímos de uma ditadura militar declarada e imposta e nos vemos numa disfarçada ditadura de banqueiros e poderes multinacionais” ( 2002, p. 339). Estamos submetidos, atualmente, “a uma ordem política e econômica não menos perversa e injusta do que as anteriores” (idem). Nesse contexto, não é mais possível e admissível que a escola forme pessoas como militantes dessa ideologia, ou seja, a realidade requer um educador reflexivo e consciente.

A educação tem uma dimensão política, mas que não é definida por si só, haja vista que é tecida pelas ações que se efetivam no âmbito educacional e como resultado dos valores, princípios e concepções que norteiam e identificam os sujeitos desse universo. A exemplo de outras obras produzidas na década de noventa, Professora sim, tia não: cartas a quem ousa

ensinar, como o próprio Freire registra, escreve-a “tocado por um forte sentido de compromisso ético-político”. Na Sétima carta reafirma a sua compreensão acerca da dimensão política do ato de educar.

Não é demais repetir aqui essa afirmação, ainda recusada por muita gente, apesar de sua obviedade, a educação é um ato político. A sua não neutralidade exige da educadora que se assuma como política e viva coerentemente com sua opção progressista, democrática ou autoritária, reacionária, passadista ou também espontaneísta, que se defina por ser democrática ou autoritária. É que o espontaneísmo, que às vezes dá a impressão de que se inclina pela liberdade termina por trabalhar contra ela. O clima de licenciosidade que ele cria, de vale-tudo, reforça as posições autoritárias. Por outro lado, certamente, o espontaneísmo nega a formação do democrata, do homem e da mulher libertando-se na e pela luta em favor do ideal democrático assim como nega a ‘formação’ do obediente, do adaptado com que sonha o autoritário. O espontaneísta é anfíbio – vive na água e na terra – não tem inteireza, não se define consistentemente pela liberdade nem pela autoridade (FREIRE, 1998, p. 85 - 86).

Conforme constatamos, o sentido da educação está no fato de os seres humanos serem inconclusos e históricos, significando que eles sabem que podem ser mais, o que depende de sua elaboração, de seu fazer, de suas relações. Quando Freire insiste em que o ser humano não é simplesmente, mas que está sendo, quer dizer que ele pode ser mais, e, nesta ótica, a educação, por ajudar na continuidade da história, compreende a dimensão pedagógica, ética e política. O educador, através de suas ações, também vai dando sentido e significado à existência humana, visto que as decisões éticas ou políticas que toma decorrem de suas concepções. Assim como as demais atitudes humanas, a do educador encontra-se sempre carregada de sentido e, por isso, tem implicâncias. Repetimos que, mesmo quando não faz opções, não se posiciona, ele está reforçando, favorecendo a posição que prefere deixar tudo como está.

Freire empenha-se, no decorrer de sua obra, na crítica a posturas que reproduzem a exclusão social. Ao afirmar que a educação é diretiva e não neutra, posiciona-se também na defesa de uma educação que tenha uma direção democrática voltada para o sentido de realizar a vocação humana de humanização. Na Pedagogia da Esperança: um reencontro com a

Pedagogia do Oprimido, é enfático:

Meu dever ético, enquanto um dos sujeitos de uma prática impossivelmente neutra – a educativa – é exprimir o meu respeito às diferenças de ideias e de posições. Meu respeito até mesmo às posições antagônicas às minhas, que combato com seriedade e paixão. Dizer porém, cavilosamente, que elas não existem, não é científico, nem ético (FREIRE, 1992, p. 79).

Nessa afirmação, transparece a sua posição favorável à democracia, entendendo que o educador não pode negar a existência de posições contrárias. Negar, não perceber, não

vivenciar o conflito entre estas posições traduz uma postura autoritária, combatida severamente pelo autor.

3.3 Relações dialógicas como núcleo fundante das práticas educativas democráticas

É necessário à prática educativa o testemunho de abertura, de atitude curiosa em relação à própria vida e em relação aos desafios, posição que é defendida por Freire (1996), ao situar as práticas dialógicas como ponto de partida e ponto de chegada para as práticas educativas democráticas. Ele justifica:

A razão ética da abertura, seu fundamento político, sua referência pedagógica; a boniteza que há nela como viabilidade do diálogo. [...] Seria impossível saber-se inacabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura de explicação, de respostas a múltiplas perguntas (FREIRE, 1996, p. 153).

Abrir-se ao mundo e abrir-se ao outro implica uma atitude de escuta e de fala. Saber escutar é uma necessidade primeira para a relação dialógica e pede um profundo respeito a quem se expressa. Requer a consciência de ambos de que não há verdades absolutas, portanto, inquestionáveis. Ambos os sujeitos, os que falam e os que escutam, são sujeitos da comunicação e é por essa razão a crítica contundente de Freire ao educador autoritário que se dá o direito de “comportar-se como o proprietário da verdade de que se apossa e do tempo para discorrer sobre ela” (FREIRE, 1996, p. 132). A prática de transferir conhecimentos, fazer um discurso sobre o objeto do conhecimento fere o princípio do diálogo, da verdadeira comunicação, uma vez que não permite ao educando o exercício da curiosidade, da pergunta. O tempo de ensinar e de aprender compreende necessariamente a comunicação. Pela relação dialógica, o educador pode provocar o educando para que “refine sua curiosidade” e pode ajudá-lo a produzir “sua inteligência do objeto ou do conteúdo” (FREIRE, 1996, p. 133).

Pela relação dialógica, o educador pode instigar o educando para que, com os elementos e materiais oferecidos, “produza a compreensão do objeto em lugar de recebê-la na íntegra” (FREIRE, 1996, p. 134). Cabe ao educador instigar o aluno, favorecer que se sinta sujeito capaz de comunicar. Nesse sentido, impõe-se ao educador “escutar o educando em suas dúvidas, em seus receios, em sua incompetência provisória” porque escutando o educador aprende a “falar com o educando” (FREIRE, 1996, p. 135, grifo do autor). A escuta referida por Freire não significa apenas a escuta auditiva: “Significa a disponibilidade

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