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CAPÍTULO III ANÁLISE DE DADOS

7. Análise das atividades do Caderno

7.3 Concepção de linguagem

Para construirmos nossa discussão sobre a concepção de linguagem contida no Caderno do Professor, precisaremos retomar alguns pontos importantes da análise das atividades que nos ajudarão a comprovar nosso ponto de vista.

O primeiro indicativo47 apresentado no campo de orientação didática no Caderno do Professor em relação à sua espinha dorsal (e ensino) é o foco no sentido, ou seja, em “tarefas nas quais os aprendizes envolvam-se na construção e na negociação de sentido em e por meio da língua inglesa, com ênfase na compreensão” (SÃO PAULO, 2009, p. 9); no léxico, por meio do sentido das palavras, e não de sua tradução; e nos gêneros textuais, cujo contexto “delimita os contornos em que um dado repertório de conhecimentos linguísticos e discursivos manifesta-se em uma determinada comunidade de falantes” (SÃO PAULO, 2009, p. 10).

O foco no sentido e no léxico pode ser exemplificado com a atividade retomada a seguir:

47 Nossa análise das atividades do Caderno do Professor procurou demonstrar esses princípios organizadores do livro de forma mais aprofundada. Nesta seção, retomamos algumas atividades apenas para podermos justificar a concepção de linguagem que foi revelada pelos dados.

(CP – Atividade 3, p. 20)

A atividade em questão requer dos aprendizes o engajamento na interação para que possam ocorrer a construção e a negociação de sentidos. Tendo conhecimento ou não do vocabulário encontrado em cada alternativa da atividade, os aprendizes terão de trocar informações, ideias, conhecimentos para chegar a um resultado (ou termo) que represente a definição fornecida.

O interesse em enfatizar a colaboração está coerente com as exigências atuais (GEE, 2004) com relação às habilidades necessárias para agir no mundo. Ela pode ser realizada entre alunos ou entre professor-aluno. O professor é responsável por auxiliar o aprendiz nesse processo, e, por essa razão, encontramos nas orientações do professor (no Caderno do Professor) sugestões como:

Circule pela sala e monitore o trabalho dos alunos, ajudando-os a levantar hipóteses sobre o significado das descrições e chegando a conclusões, quando necessário. Corrija as respostas oralmente” (SÃO PAULO, 2009, p. 23); “Circule pela sala e monitore o trabalho. Ajude-os a pensar em diferentes possibilidades para resolver as situações descritas, levantar hipóteses e chegar a conclusões, pois esse é o objetivo principal da atividade (SÃO PAULO, 2009, p. 26).

Podemos inferir dessa instrução (e atitude) que os autores do material sugerem ao professor que se mostre mais disposto a ajudar e a tornar-se mediador, distanciando-se da figura autoritária e detentora do conhecimento, possível de ser encontrada em professores que utilizam a abordagem gramatical (MIZUKAMI, 1986), possibilitando, dessa forma, redução do filtro afetivo48 (KRASHEN, 1982) do aprendiz e, consequentemente, a possibilidade de ocorrer aprendizagem.

De acordo com o excerto, o papel do professor não aparenta ser o de “dar (aulas, conhecimentos...), passar, transmitir” (ALMEIDA FILHO, 1997, p. 23), mas o de “compartilhar, construir para e com os alunos fazer; trocar, intercambiar, negociar” (ALMEIDA FILHO, 1997, p. 24). Não se trata mais de transmitir conhecimento, mas de construir e estimular essa construção, na interação entre aprendiz-aprendiz e aprendiz- professor. Uma vez que o professor não é mais visto como o detentor do conhecimento, os aprendizes passam a dividir com ele as responsabilidades da aprendizagem, participando ativamente, colaborando, expressando opiniões, propondo ideias e negociando significados durante a interação com o outro.

Nessa atividade, para chegar ao resultado esperado, os aprendizes não necessitam traduzir palavra por palavra, uma vez que podem se utilizar de conhecimentos de inferência, cognatos e predição para entenderem algumas palavras. Mais uma vez, o foco é compreender os sentidos disseminados pelo enunciado por meio de palavras específicas que eles podem conhecer.

Por essas características, podemos inferir que a língua não é vista como repetição de estruturas nem tradução de palavras ou sentenças. Ela é construção de sentido por meio da interação e/ou do conhecimento de prévio do aluno. Ela é construída, no Caderno do Professor, por meio de diferentes gêneros textuais para possibilitar ao aprendiz ampliar seus conhecimentos acerca de diferentes situações em que a língua-alvo pode ser utilizada.

Por sua vez, uma atividade representativa do trabalho com gênero textual encontra-se retomada a seguir:

48 A hipótese do filtro afetivo faz parte da teoria do Modelo Monitor definida por Krashen (1982). De acordo com essa hipótese, a melhor situação para aquisição é quando o aprendiz possui baixo nível de ansiedade, ou seja, baixo filtro afetivo. Isso significa que o “aprendiz será mais aberto ao insumo e que o insumo será adquirido mais profundamente” (KRASHEN, 1982, p. 38).

(CP – Atividade 1, página 5)

O uso de diferentes gêneros no Caderno do Professor (dicionário, placas de trânsito, mapa, site de internet etc.) enfatiza a compreensão e a aproximação lexical possíveis em cada gênero, porém sem aprofundar na estrutura deles, como pode ser verificado na Atividade 1 (p. 5) que contém o verbete de dicionário. Nela, os aprendizes precisam apenas verificar seus elementos constituintes para compreender, minimamente, as características de um verbete.

Por entendermos serem esses três princípios, a saber, o significado, o léxico e o gênero a espinha dorsal a partir da qual as atividades são propostas nas situações de aprendizagem do Caderno do Professor, compreendemos que ele não possui como eixo organizador estruturas gramaticais. Por este motivo, a concepção de linguagem não consiste na “apreensão de um sistema de formas organizadas em um número limitado de estruturas linguísticas” (BEZERRA, 2007, p. 64) por meio de memorização e prática. Parece-nos, então, que a linguagem pode estar relacionada à interação e à comunicação.

Como já demonstrado na análise de diversas atividades na concepção de ensino, no início deste capítulo de análise de dados, a interação é um dos conceitos utilizados nas atividades do livro. Algumas vezes, ela deve ser realizada na língua materna, de acordo com o que pede o enunciado, mas há momentos de interação na e pela língua-alvo. Sendo a maioria do segundo tipo, ou seja, interação sociointeracional, parece-nos que a concepção de linguagem preconizada no Caderno do Professor é determinada por uma natureza sociointeracional, estando em consonância com os PCN-LE:

O uso da linguagem (tanto verbal como visual) é essencialmente determinado pela sua natureza sociointeracional, pois quem a usa considera aquele a quem se dirige ou quem produziu um enunciado. Todo significado é dialógico, isto é, é construído pelos participantes do discurso (...) ao se envolverem em uma interação tanto escrita quando oral, as pessoas o fazem para agirem no mundo social em um determinado momento e espaço, em relação a quem se dirigem ou a quem se dirigiu a elas. (A natureza sociointeracional da linguagem – título) (BRASIL, 1998, p. 27).

Essa compreensão de linguagem como prática social fundamenta-se na “possibilidade de compreender e expressar opiniões, valores, sentimentos, informações, oralmente e por escrito”. (BRASIL, 1998, p. 54)

A Proposta-LEM compreende a linguagem como prática social, uma vez que a considera uma “forma de compreensão e ação sobre o mundo”. (SÃO PAULO, 2008, p. 17)

Por meio da análise das atividades propostas no Caderno do Professor e das orientações metodológicas advindas dos documentos oficiais, consideramos que a concepção de linguagem subjacente ao Caderno do Professor possui como função principal a produção de sentido na interação social (SOARES, 1998; KLEIMAN, 2005), mesmo que em alguns momentos ela tenha ocorrido em língua materna.

Realizamos, até esse ponto, a análise de todas as atividades do Caderno do Professor para podermos tecer considerações, no próximo item, a respeito da abordagem do mesmo.