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CAPÍTULO I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

6. PCN-LE e Proposta-LEM

6.1 PCN-LE

Como já apontamos nas discussões sobre letramento, são inegáveis as mudanças ocorridas na sociedade em razão de progressos científicos e avanços tecnológicos. Tais mudanças definem exigências novas principalmente para o mercado de trabalho e para a educação, especialmente com relação ao tipo de ensino que deve ocorrer nas escolas. Frente a esse fato, foi proposta uma revisão dos currículos definir melhor o que deveria ser ensinado,

uma vez que o ensino de LE não estava ocorrendo de forma satisfatória. Foram criados os Parâmetros Curriculares Nacionais para Língua Estrangeira (PCN-LE), parâmetros estes estabelecidos pelo Ministério da Educação e do Desporto (MEC) e a Secretaria de Educação Fundamental (SEF), em 1998, com o intuito de ser uma referência nacional comum para a educação em todas as regiões do país. Apesar de objetivar ser uma referência comum para a educação o documento não pretende ser um dogma (BRASIL, 1998), pois se espera que professores e diretores adaptem os pressupostos dos PCN-LE ao seu contexto específico e suas possibilidades de trabalho.

De acordo com os PCN-LE, um dos objetivos fundamentais do ensino de língua na escola pública brasileira é enfatizar o engajamento discursivo do aprendiz, ou seja, “sua capacidade de se engajar e engajar outros no discurso de modo a poder agir no mundo social” (BRASIL, 1998, p. 15). O intuito primordial do ensino de LE é o uso da língua por intermédio da leitura, que se justifica pelo fato de a habilidade oral não ter relevância social, de acordo com o documento, ou seja, falar a língua inglesa não é uma ação corriqueira no contexto brasileiro, exceto por habitantes de algumas cidades turísticas, além do fato de exames como vestibulares requererem apenas a habilidade de leitura. Porém, dependendo das condições e necessidades do contexto escolar, outras habilidades comunicativas podem sim ser inseridas na sala de aula.

Outro fator que invalida o ensino das quatro habilidades são, de acordo com os PCN- LE, as condições da maioria das escolas brasileiras, como “carga horária reduzida, classes superlotadas, pouco domínio das habilidades orais por parte da maioria dos professores, material didático reduzido a giz e livro didático, etc.” (BRASIL, 1998, p. 21).

Para o ensino das habilidades, sejam elas trabalhadas plenamente ou reduzidas apenas à leitura, tem-se como pressuposto teórico um uso de linguagem determinado por uma natureza sociointeracional. Para esta teoria, o significado se dá de forma dialógica, ou seja, na interação entre falantes. O discurso formado nessa interação é “marcado pelo mundo social que o envolve: pela instituição, pela cultura e pela história” (BRASIL, 1998, p. 27); portanto, os significados não estão no texto (oral ou escrito), mas são construídos socialmente.

Outra referência à teoria do letramento nos pressupostos dos PCN-LE constitui-se na crítica aos textos de LDs que enfatizam o conhecimento sistêmico da língua. O documento mostrou-se contrário a esse tipo de ensino, postulando que o ensino do conhecimento sistêmico “não é o fim, mas sim um dos tipos de conhecimento que possibilitam a aprendizagem de LE pelo envolvimento no discurso” (BRASIL, 1998, p. 93).

O uso interacional da língua por meio de práticas sociais deve ser realizado na sala de aula por meio de diferentes tipos de texto, pois “além de contribuir para o aumento do conhecimento intertextual do aluno, pode mostrar claramente que os textos são usados para propósitos diferentes na sociedade” (BRASIL, 1998, p. 45). Entendemos como textos diferentes o trabalho com gêneros, como propõe Bakhtin (1992 apud ROJO, 2005).

Por propor um ensino de línguas baseado em práticas sociais por meio de diferentes gêneros, o documento recrimina o estudo repetitivo de palavras e estruturas, justificando que este tipo de ensino desmotiva o aprendiz. Diferentemente disso, é desejável que o aluno seja instigado a “compreender e expressar opiniões, valores, sentimentos, informações oralmente e por escrito” (BRASIL, 1998, p. 54) para engajar-se na aprendizagem e no uso da língua em atividades que promovam interação entre professor-aprendiz e entre aprendizes. Ao professor cabe o papel de mediador nessa empreitada, auxiliando o aprendiz a sentir-se seguro e capaz de aventurar-se no novo idioma.

O ensino da língua está dividido em eixos de conteúdo, de acordo com os ciclos, conforme Figura 3:

Figura 3: A divisão do ensino fundamental em ciclos

Fonte: BRASIL (1998).

No ciclo com o qual trabalharemos nesta pesquisa, 3º ciclo (6ª série), a ênfase recai no conhecimento de mundo e textual de LE ao invés de no conhecimento sistêmico, uma vez que os primeiros contatos com a língua devem priorizar o engajamento do aprendiz no discurso, conforme podemos verificar na Figura 4 a seguir:

Figura 4: Conhecimentos enfatizados no terceiro e quarto ciclos

Fonte: BRASIL (1998).

De acordo com o documento, esse engajamento discursivo só ocorrerá se do aprendiz forem requisitados temas, atividades e tipos de textos com os quais esteja familiarizado (BRASIL, 1998).

Além de capacitar o aluno a ampliar conteúdos, o ensino e aprendizagem do idioma, conforme descrito no documento, deve ser capaz de desenvolver nele consciência crítica em relação ao novo idioma, como podemos verificar no excerto:

os conteúdos referem-se não só à aprendizagem de conceitos e procedimentos como também ao desenvolvimento de uma consciência crítica dos valores e atitudes em relação ao papel que a língua estrangeira representa no país, aos seus usos na sociedade, ao modo como as pessoas são representadas no discurso, ao fato de que o uso da linguagem envolve necessariamente a identidade social do interlocutor (BRASIL, 1998, p. 71).

Portanto, mais uma vez podemos verificar a incidência de algumas práticas de letramento nos PCN-LE, distanciando-se do que conhecemos por ensino formal, fundamentado nas estruturas da língua para um ensino preocupado em preparar o aprendiz para as novas exigências do mercado, não mais preocupado com acúmulo de conhecimento acadêmico (GEE, 2004), mas além deste, o de outras várias habilidades43 e estratégias para agir comunicativamente nas diferentes práticas sociais situadas.

43 Para Gee (2004), as habilidades necessárias ao indivíduo no novo capitalismo são: a capacidade de praticar a colaboração (trabalhar em grupo), a construção de múltiplas identidades sociais, redes de contato e grupos de afinidade. Os indivíduos atualmente precisam adequar-se a vários ambientes e situações e, para isso, devem construir múltiplas identidades (estudante, profissional, filho etc.). Para auxiliar na troca de informações, produtos, serviços, conhecimento, é necessário possuir uma rede de contato ampla e variada. É preciso, ainda, participar de grupos de afinidade, ou seja, afiliar-se a outras pessoas com interesses comuns e/ou de mesma cultura, etnia etc. para trocar conhecimentos.