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CAPÍTULO 1. CONTEXTO GERADOR DE MUDANÇAS

2.1 A Concepção de Sociedade em Karl Mar

Compreender os principais conceitos de Marx possibilita analisar as práticas artísticas dos educandos do LeCampo no âmbito das lutas dos povos do campo pela escola e por um projeto de sociedade. O materialismo proposto por Marx convida-nos a entender as condições reais de sobrevivência para se analisar as relações na sociedade, visto que “Não é possível libertar os homens enquanto eles não estiverem completamente aptos a fornecerem-se de comida e bebida, a satisfazerem as suas necessidades de alojamento e vestuário em quantidade e qualidade perfeitas.” (MARX; ENGELS, 1846/1999, p.24).

As premissas que partimos não constituem bases arbitrárias, nem dogmas; são antes bases reais de que só é possível abstrair no âmbito da imaginação. As nossas premissas são os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de existência, quer se trate daquelas que se encontrou já elaboradas quando do seu aparecimento quer das que ele próprio criou. Estas bases são portanto verificáveis por vias puramente empíricas. A primeira condição de toda a história humana é evidentemente a existência de seres humanos vivos. (MARX; ENGELS, 1846/1999, p.11).

O modo concreto de existência é visto para Marx como a premissa para se compreender as bases da sociedade. O autor ainda destaca as formas de produção como “distinção entre os homens e os animais; esta distinção só começa a existir quando os homens iniciam a produção dos seus meios de vida.” (MARX; ENGELS, 1846/1999, p.11). Segundo o autor, essas produções dos homens vão relacionar-se com a natureza a partir dos meios já elaborados e também vão constituir-se como uma relação entre os indivíduos, estabelecendo-se aí os modos de produção que posteriormente definirão as divisões do trabalho.

A divisão de trabalho numa nação obriga em primeiro lugar a separação entre o trabalho industrial e comercial e o trabalho agrícola. E como consequência, à separação entre a cidade e o campo e à oposição dos seus interesses. O seu desenvolvimento ulterior conduz à separação do trabalho comercial e do trabalho industrial. Simultaneamente, e devido à divisão de trabalho no interior dos diferentes ramos, assiste-se ao desenvolvimento de diversas subdivisões entre os indivíduos que cooperam em trabalhos determinados. A posição de quaisquer destas subdivisões particulares relativamente às outras é condicionada pelo modo de exploração do trabalho agrícola, industrial e comercial (patriarcado, escravatura, ordens e classes). (MARX; ENGELS, 1846/1999, p.13-14).

A compreensão dessa divisão do trabalho coloca-nos diante da separação entre campo e cidade, aproximando-nos das discussões presentes no paradigma da Educação do Campo. A partir do entendimento das relações entre campo e cidade, notamos também a separação entre o trabalho intelectual e manual, bem como a construção das formas de propriedade. A propriedade é apresentada por Marx (1846) em três formas, a primeira delas a propriedade da tribo, seguida da propriedade comunitária e a propriedade feudal, também entendida como propriedade de ordens. A divisão do trabalho é crescente nesses três tipos de propriedade. Percebe-se também que a propriedade das terras aparece como um elemento fundante para o estabelecimento de relações de trabalho e sobre a divisão do trabalho. Esse elemento ainda possibilita a análise das lutas de classes, presentes nessas relações, que são marcadas por contrastes.

92 Outro elemento que se faz importante em nosso estudo é a compreensão da sociedade a partir de uma perspectiva histórica. Tal compreensão esclarece que devemos considerar:

O mundo sensível ao seu redor não é objeto dado diretamente para toda a eternidade, e sempre igual a si mesmo, mas antes o produto da indústria e do estado da sociedade, isto é, um produto histórico, o resultado da atividade de toda uma série de gerações cada uma das quais ultrapassava a precedente, aperfeiçoando a sua indústria e o seu comércio, e modificava o seu regime social em função da modificação das necessidades. (MARX; ENGELS, 1846/1999, p.26).

Essa perspectiva histórica permite analisar as relações dos sujeitos e das sociedades, não tomando apenas os elementos analisados, mas partindo-se de sua construção histórica. Partimos dessa perspectiva histórica na definição do nosso objeto de estudo “práticas artísticas” e também na busca pelo desenvolvimento do contexto da educação do campo, na tentativa de construirmos uma pesquisa ancorada em nosso referencial.

A dialética, elemento considerado um pilar do pensamento marxista, diz respeito ao diálogo entre o pensamento e a realidade, uma vez que transforma o contexto social e os indivíduos. Contraposta ao pensamento dicotômico que separa a realidade do pensamento e, com isso, traz uma lógica de raciocínio que se distancia da realidade, a dialética propõe a existência de uma comunicação de forma dinâmica, ao considerar as mudanças na sociedade e as contradições existentes nas relações entre sujeitos e objetos. Nossa tentativa ao partir de um estudo que considere a perspectiva dialética foi o de superar a visão dualista dos fatos em busca de uma análise que incorpore as contradições nas reflexões. Para a análise de nosso objeto de estudo a perspectiva dialética também possibilita analisar as práticas eruditas e populares para além da dicotomia historicamente presente neste campo.

Por fim, a compreensão da noção de sociedade em uma perspectiva dialética propõe uma análise do conhecimento a partir de uma realidade, de onde se parte, ao mesmo tempo, do pensamento que constitui tal conhecimento. A dialética coloca-nos diante da presença de contradições no conhecimento e da comunicação entre estas contradições. Tal temática tem servido de debate entre filósofos, cientistas sociais e pesquisadores das mais diversas áreas e é apontada por Prado Júnior:

Penso que se a questão da dialética marxista não for colocada em termos tais suscetíveis de servir de base e ponto de partida para a explicitação de um método científico, isto é, de normas precisas para a condução do pensamento na elaboração do conhecimento, e isto generalizadamente e não apenas na de um ou de outro fato histórico, não se estará no caminho certo. Não me parece

que o destino da dialética materialista seja o de mais um tema para os confusos debates no estilo ordinário da filosofia, ou antes, da metafísica, como tem sido tão frequentemente dialética materialista deve ter uma finalidade prática, tornando-se efetivamente (e não apenas por intuição é vago pressentimento) um método explicitado capaz de orientar a elaboração do conhecimento e a pesquisa científica. Isto em qualquer terreno. (PRADO JÚNIOR, s/d, p.5).

Ao analisar a formação de professores a partir do MHD11, Materialismo Histórico Dialético, buscamos “considerar os educandos enquanto indivíduos concretos, que se manifestam como unidade de diversidade, uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas síntese de relações sociais.” (SAVIANI, 2005, p.45). Dessa forma, ao pesquisarmos as práticas artísticas de licenciandos em formação, buscamos múltiplas determinações em uma dimensão dialética que a realidade considere as contradições existentes, uma vez que: “O materialismo histórico e dialético postula uma outra epistemologia, uma teoria do conhecimento que procura conhecer o objeto a partir de sua situação real, buscando identificar concretamente o movimento histórico que lhe deu origem e o desenvolveu.” (MARTINS, 2008, p.146).