• Nenhum resultado encontrado

2.5 RELAÇÕES INTERPESSOAIS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

2.5.3 Concepções de educação matemática e práticas em salas de aula

Ernest (2004), da área de filosofia da educação matemática, aponta as influências das concepções dos professores sobre educação matemática e sobre a matemática em si no processo de ensino-aprendizagem, que se concretizam em atuações diversas em sala de aula. Estas práticas variam principalmente em função do ambiente educacional em que ele está inserido.

Para Ernest (2004, p. 6), existem dois grandes grupos de crenças que se opõem em educação matemática: os absolutistas e os falibilistas. Os absolutistas vêem a matemática como conhecimento lógico, absolutamente racional, atemporal, a-histórico, puro e se preocupam com o rigor das teorias utilizadas na área, para que elas não manchem a perfeição do conhecimento matemático já produzido anteriormente. Os falibilistas, por sua vez, chamam a atenção para o fato de que a matemática pode ser também uma construção humana e social proveniente de uma época e que, assim como as pessoas que a construíram, é passível de correções e mudanças paradigmáticas.

Dentro das crenças absolutistas existem, pelo menos, três grandes correntes: a logicista, a formalista e a intuicionista. A corrente logicista tenta fazer com que todo o conhecimento matemático seja produzido dentro dos princípios das lógicas matemáticas (até porque há várias) e transfere a responsabilidade de validade da

matemática para a lógica, como área mais abrangente do conhecimento. A formalista se preocupa com a linguagem do conhecimento produzido em matemática e acredita que este, ao passar pelo crivo da linguagem formal em matemática, está livre de erros. A intuicionista, mais radical das três, percebe a matemática como independente da lógica e da linguagem formal, e crê somente nos conhecimentos matemáticos obtidos de forma intuitivamente clara a partir do conjunto dos números naturais. Esta última corrente é rejeitada pela maioria dos absolutistas por não aceitar, por exemplo, os raciocínios de redução ao absurdo, em que se nega a proposição a ser provada e se tenta chegar a alguma incoerência com alguma proposição já provada anteriormente.

Por outro lado, em meio às crenças falibilistas, destacam-se três correntes: os humanistas, que buscam ajudar os alunos a alcançarem a auto-realização e felicidade através também da educação matemática; os relativistas, que procuram analisar os conhecimentos matemáticos dentro do contexto de cada cultura e comunidade; e os sociais-construtivistas que utilizam a matemática para o aprendizado da consciência crítica e promoção da justiça social. Neste caso, podem ser considerados alguns exemplos didáticos dentro e fora da educação matemática. Assim, Ubiratan D’Ambrósio, com sua etnomatemática, seria um relativista; Rubem Alves, fora de educação matemática, mas dentro de sua filosofia não-academicista da educação poderia, como já é, ser considerado um humanista; e Paulo Freire, com suas pedagogias do oprimido, da indignação, da esperança, entre outras, poderia ser denominado como social-construtivista.

Gilligan (1982) faz um paralelo entre o conhecimento produzido em matemática e os arquétipos de gênero em termos de animus (arquétipo masculino) e anima (arquétipo feminino). Isso quer dizer que entre todas essas correntes o educador pode ser também conectivista (arquétipo feminino) ou isolacionista (arquétipo masculino), de acordo com uma perspectiva de gênero. Isto quer dizer que ele pode valorizar as conexões entre as coisas e com o todo, o ser humano, a empatia, os sentimentos e a intuição e carregar estes valores para a produção em matemática e para a prática em sala de aula; ou crer que a matemática depende de regras, abstração, impessoalidade, razão pura, e produzir uma matemática centrada em objetos e no seu próprio umbigo. Neste caso, a história revela uma matemática predominantemente isolacionista, dogmática, racional e fria porque a atuação de mulheres nesta área foi tolhida durante

séculos. Considerando que os primeiros relatos de conhecimentos afins à matemática vêm desde os primórdios das civilizações e que há apenas relatos recentes de mulheres matemáticas (com raras exceções, como Hipátia da Grécia Antiga), é bastante plausível que ela tenha se desenvolvido desta maneira como uma construção social patriarcal.

Um exemplo da influência de um contexto sócio-histórico pode ser visto na geometria não-euclidiana de Lobachevsky, influenciada pelas idéias de Karl Marx e da Revolução Russa. Esta geometria baseia-se principalmente na negação de um axioma central utilizado desde a época de Euclides, o que significa uma libertação em termos de paradigma em matemática. Ela é utilizada hoje para explicar fenômenos na área de relatividade e em psicologia junguiana, segundo Eves (1995).

De acordo com as idéias colocadas anteriormente, educadores absolutistas, num departamento de matemática especializado em matemática pura de uma universidade pública, atuarão provavelmente de forma não-social-construtivista, a-política e não-humanista. Observa-se em muitas universidades uma grande influência do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA – mais reconhecido Instituto de matemática da América Latina). Dentro do próprio IMPA existe uma divisão entre os teóricos históricos (influenciados por matemáticos do Nordeste do Brasil) e os a-históricos (influenciados por estudiosos norte-americanos da área). Trata-se portanto de posturas que são adotadas dentro de sistemas específicos de valores.

Além das influências proporcionadas por orientações filosóficas em matemática, os professores experimentam também influências de suas concepções e de suas orientações humanas, como forma de agir e reagir diante das circunstâncias proporcionadas pela vida. O papel dessas influências e os efeitos delas nas práticas docentes serão abordados na próxima seção.