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Concepções de erro na escrita

No documento Patrícia de Fátima Olival da Rosa (páginas 36-40)

Iniciaremos este subcapítulo aludindo, brevemente, ao termo concepção, na medida em que este enforma parte do trabalho de investigação que apresentaremos posteriormente.

Para Richardson (1996) a investigação educacional relacionada com as concepções dos professores refere-se, muitas vezes, a processos, estruturas cognitivas, conhecimentos e crenças, não havendo uma distinção entre estes constructos. Estes são usados para referir o mesmo conteúdo educacional embora possam significar, do ponto de vista psicológico ou filosófico, coisas diferentes (Prawat, 1992). Para além destes constructos, que especificam as cognições dos professores, um outro – concepção – foi adquirindo expressão entre os investigadores educacionais.

Thompson (1992), uma das autoras que se debruçou sobre este tema, reconhece que não existe uma definição clara e consensual do termo concepção. Na síntese da investigação que realizou sobre concepções de professores, esta autora refere concepções (conceptions) como “uma estrutura mental mais geral, incluindo crenças (beliefs), significados, conceitos, proposições, regras, imagens mentais, preferências e outras coisas semelhantes”.

Efectivamente, ao analisarmos algumas definições da palavra concepção em diferentes dicionários da língua portuguesa, podemos constatar que esta abarca significados como os seguintes: “operação mental que conduz à elaboração de conceitos; acto de criar mentalmente, de formar ideias (…); modo particular de pensar; modo de ver, ponto de vista” (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, 2001). Outros referem-se igualmente ao termo concepção como “faculdade ou acto de apreender uma ideia ou questão, ou de compreender algo; compreensão, percepção, modo de ver ou sentir, ponto de vista; entendimento, noção (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2005)

Centrar-nos-emos agora no conceito de erro e nas diferentes perspectivas que, ao longo das últimas décadas, este tem vindo a adquirir.

Num primeiro ponto de vista, destacado por Galisson e Coste (1983), o erro é considerado como algo que se desvia da norma estabelecida. Todavia, estes autores salvaguardam que as normas variam diacronicamente, pelo que, através do uso e das transformações que ocorrem numa língua, o que era considerado incorrecto pode vir a tornar-se correcto ou vice-versa.

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Para Peres e Móia (1995, citados por Cardoso, Costa & Pereira, 2002) o conceito de desvio linguístico, ou erro, ou irregularidade, ou anomalia, define-se como o afastamento involuntário das construções ou usos linguísticos relativamente ao Português padrão ou norma, a que os autores denominam variante central do Português europeu.

Ainda na mesma linha de ideias, Sousa (1999, p.65) salienta que “o conceito de erro ortográfico, na história de uma língua, é relativo, porque associado a uma norma que evolui. O que hoje é considerado ortograficamente correcto pode não o ser após uma reforma ortográfica”4

Rio-Torto (2000, p.596) reitera os aspectos anteriormente mencionados e acrescenta que “não é possível escamotear quanto são por vezes ténues ou problemáticas as fronteiras entre o erro, a anomalia, o desvio, a irregularidade, a variação e até mesmo o produto da criatividade ou da inovação linguística. (…) O carácter difuso dessas fronteiras prende-se com a própria premeabilidade das normas de referência. Do mesmo modo que a fixação das normas linguísticas decorre de um processo lento e continuado ao longo do tempo, também os limites daquela são instáveis, flexíveis, provisórios. Por definição, uma norma admite uma margem de flutuação de variação relativamente pequena, mas não negligenciável.”

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Apesar da ideia de erro aparecer frequentemente associada a um valor depreciativo, em situação de aprendizagem, este pode constituir um fenómeno natural e revelador de indicadores positivos, de sinais de que a aprendizagem se está a processar. Nesta perspectiva, Gomes (2006, p. 82) faz referências aos “erros inteligentes”que correspondem às “influências sistemáticas correctas, por parte do utente da língua, mas onde a norma, porém, surge, impondo uma solução diferente, em resultado das cristalizações de usos (traditio), de modificações históricas”5

Também Ferreiro e Teberosky (1999) já se haviam debruçado sobre este tipo de erros, designando-os de “construtivos” e enfatizando que estes são reveladores de que a aprendizagem já foi realizada.

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A este propósito, veja-se a título de exemplo algumas das alterações propostas com a entrada a vigor do novo acordo ortográfico (Janssen, 2008), entre as quais, a queda das consoantes mudas (ex.: fato em vez de facto).

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Na sequência dos contributos fornecidos pela linguística e pela psicologia contemporânea, uma nova abordagem das dificuldades dos alunos, a partir da análise dos erros, emergiu (Azevedo, 2000). Duas atitudes podem, por conseguinte, ser tomadas face ao erro: considerá-los indesejáveis e, como tal, reprováveis, ou então como algo inevitável no processo de ensino-aprendizagem da linguagem escrita.

A este propósito, Pinto (1998, p.142) advoga que o erro ortográfico desempenha dois papéis: “um dos papéis está relacionado com a visão clássica de falha e constitui objecto de «censura» com vista a melhores desempenhos de acordo com a norma ortográfica estabelecida e transmitida aos aprendentes. O outro papel do erro encontra-se porventura menos vulgarizado. Trata-se, com efeito, de uma via que nos permite penetrar no modo como a escrita se pode revelar um objecto em construção a partir de conhecimentos que a criança possui no momento. E confere-nos, por isso, a capacidade de acompanhar o processo inerente ao desenvolvimento do conhecimento”.

As diferentes concepções face ao erro, a par das da importância que as diferentes teorias da aprendizagem atribuem ao mesmo, enformam, grosso modo, dois quadros teóricos distintos. Por um lado, numa teoria de cariz behaviorista, assiste-se a uma tentativa de eliminação progressiva do erro, mediante uma programação tão controlada e exacta possível (Galisson & Coste, 1983). Neste sentido, como nos elucidam Tavares e Alarcão (1995, p.97), a atitude adoptada é “evitar as ocasiões de erro e, no caso de ele vir a ocorrer, ignorá-lo o mais possível ou puni-lo, de modo a evitar a instalação de hábitos errados”. Por outro lado, numa perspectiva mais construtivista, o erro é entendido como um dos componentes necessários ao processo de aquisição, implicando até a instituição de gramáticas transitórias, e desempenhando um papel revelador dos pontos fracos e dos sintomas de que a aprendizagem se está a processar (Galisson & Coste, 1983).

Galisson (1980) salienta, de forma dicotómica, alguns dos pressupostos consubstanciados numa concepção mecanicista e noutra de cariz cognitivista, procurando explanar a diferenciação e a evolução entre os conceitos de falha e erro. Procuraremos, no quadro que se segue, sintetizar as diferenças existentes entre a concepção mecanicista, também denominada beaviorista (atitude negativa, inibidora e culpabilizante face ao erro; ênfase na prevenção do erro e correcção centrada no professor) e a concepção cognitivista (atitude positiva face ao erro, considerado um processo normal da aprendizagem, um factor de progresso e uma excelente fonte de informação para a acção pedagógica; correcção centrada no aluno).

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Quadro 2 – De la pénalisation de la faute à la utilisation de l’erreur.

Conception mécaniciste (faute) Conception cognitiviste (erreur)

- attitude négative - attitude positive

- il faute lá prevenir à tout prix - processus normal d’apprentissage

- inhibante, culpabilisante - facteur de progrès et une excellente filière de information pédagogique

- enseignant : corrigir l’éléve - enseignant : encourager l’apprenant

(Galisson, 1980)

Em suma, corroboramos a opinião de autores como Amor (1994), Pinto (1998), Azevedo (2000), Gomes (2006), Cassany (2006) e Barbeiro (2007) que defendem que a atitude pedagógica mais adequada será perspectivar o erro como um processo natural e normal da aprendizagem, tradutor das estratégias de aprendizagem que vão dando lugar à reposição de novos conhecimentos. Como realça Gomes (2006, p.173) “o erro ortográfico aparece, pois, não como uma falta a punir, geradora no aluno de um sentimento de culpa, mas (…) como um passo natural e (…) indispensável na aprendizagem, isto é, um factor de progresso”.

Adicionalmente, Barbeiro (2007) acrescenta que o facto do erro poder ser considerado como uma competência não adquirida, não deve impedir o professor de procurar, nas incorrecções dos seus alunos, a causa e a origem das mesmas. Amor (1994, p.156) debruça-se sobre este aspecto, enfatizando que a importância da avaliação formativa adquire no âmbito desta problemática: irá permitir o desenvolvimento de práticas em que “o aprendente saiba a natureza, localização e extensão do seu erro e tome consciência, em paralelo, dos aspectos em que o seu desempenho é correcto e do nível atingido por esse desempenho, por referência a padrões estabelecidos e do seu conhecimento”. A autora salienta ainda que deverá existir uma gestão progressiva do erro, de molde a permitir um conjunto de decisões e tarefas complexas, visando não só a integração, mas também a detecção e o tratamento do erro.

Nesta sequência de ideias, e na perspectiva de Rio-Torto (2000, p.618), torna-se importante que o professor seja capaz de diagnosticar as dificuldades dos seus alunos, “que as saiba dissecar e explicar cabalmente, que mobilize as estratégias mais eficazes para as

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ultrapassar. Quando bem enquadrado e explicado, o erro pode até constituir-se como um factor altamente construtivo e estruturante.

No documento Patrícia de Fátima Olival da Rosa (páginas 36-40)