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CAPITULO 4 – O CURRÍCULO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DA EDUCAÇÃO

4.3 Organização do trabalho de campo

4.3.3 Teorias e práticas no cotidiano escolar

4.3.3.1 Concepções e fazeres docentes da professora Sol

A primeira participante analisada foi a professora Sol. Sobre sua prática pedagógica, a educadora apresentou indícios de que teve contato com o modelo pedagógico didático amparado pelos referenciais teóricos de autores da EF escolar do século XXI (GONZÁLEZ; SCHWENGBER, 2012). Dentre as principais características observadas, destacamos o tratamento de temas que enfatizam a preocupação com o conhecimento corporal dos alunos. Quando assistíamos as aulas da professora Sol, foi possível fazermos analogia com o conteúdo didático apresentado no livro elaborado por González e Schwengber (2012). Neste momento, parecia que estávamos em contato próximo com os próprios autores, pela proximidade que a professora demonstrou ao ministrar as aulas de EF para a Educação Infantil, principalmente na aplicação dos processos didáticos que, dentre outra maneira, estão explícitos no livro desenvolvido pelos autores.

Trata-se de um livro que foi enviado para todas as escolas da rede pública municipal de Santo André, com o objetivo de orientar a prática pedagógica dos professores de Educação Física. No entanto, por parte da Secretaria não foi oferecida nenhuma capacitação para relacionar o conteúdo do livro citado com o trabalho pedagógico dos professores de EF, tampouco os professores estudaram as ideias destes autores e seus benefícios para a formação do aluno que frequenta as aulas de EF.

Por outro lado, quando pensávamos que seria fácil descrever a análise da prática pedagógica ministrada pela educadora Sol, fomos surpreendidos pelo desenvolvimento de conteúdos diferentes. Um dos motivos foi a diferença entre turmas e faixas etárias, pois ao assistirmos as aulas ministradas pela professora na Educação Infantil e Ensino Fundamental, com a turma da Educação Infantil, identificamos a ênfase nos aspectos da psicomotricidade e da corporeidade, ambos disseminados por Le Boulch (1982), González e Schwengber (2012). Sobre os aspectos psicomotores, tivemos capacitações específicas sobre o desenvolvimento dessas funções, do esquema motor e da orientação espaço-temporal, o que pode ter contribuído para o desenvolvimento da prática pedagógica da professora Sol. De modo

diferente, no que trata dos aspectos da corporeidade, mesmo não havendo capacitação específica para compreender tal conteúdo, parece que a educadora recorreu à leitura do livro de González e Schwengber (2012, p. 76), sobre os aspectos de corporeidade, vivenciados no tempo e no espaço da escola, compreendendo que é importante

Ampliar suas experiências de domínio corporal, sendo o corpo-próprio o primeiro objeto de conhecimento. Essa prática pedagógica, realizada quando o aluno chega ao ensino fundamental, pode ser classificada como diagnóstica, uma vez que nem todas as crianças tiveram oportunidade de adquirir esse conhecimento durante a educação infantil. O conhecimento do corpo é um tema estruturador e tem como função primeira sensibilizar a criança a se diferenciar corporalmente dos outros e respeitar suas diferenças. A principal referência é a noção de corpo-próprio, construída a partir da percepção de si, da superfície corporal.

É interessante ressaltar que o município de Santo André é uma das poucas cidades em que a Educação Física está presente na Educação Infantil. Esse fato em si não faz dessa rede de ensino ser uma referência no campo da EF no Estado de São Paulo. Mas é relevante destacar que nessa rede há um espaço para discussão e reflexão para tratar sobre as práticas corporais diferenciadas. Esse momento acontece em todas as segundas-feiras, efetivado por meio da formação dos professores de EF. No entanto, mesmo tendo os momentos formativos garantidos, nos bastidores dessas formações o que se ouve dos professores é: “A Educação Infantil poderia ter aulas de 45 minutos”, “Não quero ministrar aulas na Educação Infantil, cansa muito”, “Na Educação Infantil eu ministro 30 minutos de aula e 30 minutos eu deixo eles brincando de forma livre”.

Analisando esse contexto, identificamos uma lacuna no que se refere ao entendimento da EF na atuação com o ensino infantil. Neste sentido, concluímos que é necessário oportunizar nessas aulas momentos de maior diálogo com as crianças, que pode ser concretizado no momento de Círculo de Cultura. Como sugestão, valeria propor à professora Sol enfatizar essa categoria no início e no término das aulas de Educação Física, utilizando o espaço da própria quadra, visando contribuir para a melhor organização das aulas. A situação que percebemos no grupo focal, no qual a docente disse realizar roda de conversa na sala de aula, se comprovou também em nossa observação etnográfica. Em nosso entendimento, as aulas para o ensino infantil no município de Santo André poderiam diminuir para 50 minutos e deveriam ser realizadas mais formações de professores cujo tema envolva a prática pedagógica dos professores de EF para a atuação na Educação Infantil. Finalmente há uma urgência de implementar a EF no ensino infantil em todos os estados e municípios brasileiros, além de melhorar a relação da formação inicial em EF com as experiências práticas do ensino infantil.

Ainda sobre essa prática docente, identificamos que a professora Sol utilizou com prioridade em suas aulas a perspectiva psicomotora. Ficou nítido, em todos os momentos das aulas, a ênfase nas características psicomotoras, como, por exemplo, identificar as partes do corpo, olhar-se no espelho como forma de reconhecimento da personalidade, além da noção espaço-temporal. Em uma das aulas observadas, a professora Sol deu a seguinte orientação às crianças: “Pessoal, peguem o esqueleto do corpo humano e identifiquem em seu próprio corpo falando pra professora onde está o braço direito e a perna esquerda”. Não foi possível reconhecer outras perspectivas teóricas naquele contexto docente.

Na observação das aulas da professora Sol para o Ensino Fundamental I, verificamos que houve mudança em termos de conteúdos e temas abordados nas aulas. Um dos possíveis motivos que tenham contribuído para modificar o conteúdo aplicado durante as aulas pode ser a diferença entre faixas etárias das turmas. Naquele grupo havia alunos que frequentam as aulas de EF na Educação Infantil, concomitantemente com alunos que participam das aulas de EF no Ensino Fundamental I.

Rodrigues e Bracht (2010) realizaram etnografia em escolas municipais do estado do Espírito Santo e analisaram a prática pedagógica de alguns professores que atuam naquele Estado. Os autores investigaram as culturas existentes no cotidiano escolar e registraram a resposta de alguns alunos, especificamente no tratamento de seu trabalho pedagógico, e relataram a prática pedagógica de um dos professores participantes da pesquisa:

Na prática desse professor, o esporte ocupa um lugar central, seja por ser o conhecimento privilegiado nas aulas e do próprio currículo da EF, explorando questões como saúde, obesidade, atividade física, informando aos alunos o valor do esporte como fator promotor de saúde, mas também por ser o meio pelo qual interfere diretamente na conduta e na motivação deles. O professor justifica essa seleção devido à preferência por parte dos alunos. (RODRIGUES; BRACHT, 2010, p. 99).

No caso específico da análise que realizamos, também utilizando os requisitos da etnografia, a professora Sol não enfatizou o tema esporte, tampouco relacionou os aspectos de aptidão física e saúde. Em sua prática pedagógica ministrada para o ciclo do Ensino Fundamental I, o tema jogos e brincadeiras foi relacionado como prioridade no desenvolvimento das aulas. Durante o desenvolvimento das atividades ficou nítida a aproximação entre os aspectos lúdicos e a utilização de materiais alternativos, ambos caracterizados consubstancialmente nos jogos e nas brincadeiras. Considera-se que a educadora se amparou nos conceitos da teoria construtivista para materializar sua prática pedagógica. Em uma das aulas ministradas pela educadora registramos os trechos de algumas falas significativa proferidas para as crianças: “Pessoal, vocês trouxeram as caixinhas de leite

para construirmos juntos na quadra para participar do jogo de queimada?”. Isso é comum em atividades que são orientadas pela teoria piagetiana, utilizando o meio em que as crianças estão inseridas para construir o conhecimento.

Considerando que a rede municipal de Santo André não tem um currículo oficial explícito para orientar a prática pedagógica dos professores de Educação Física, o trabalho pedagógico desta professora pode ser inferido a partir do resultado dos seguintes aspectos: a) influência de sua formação inicial; b) influência da formação dos professores de EF da rede municipal de Santo André; c) influência do cotidiano escolar no qual realiza seu trabalho pedagógico; d) influência de suas experiências de vida no que tange à participação em jogos e brincadeiras.

O pesquisador Maldonado (2016) também analisou o cotidiano escolar de diversas escolas públicas do município de São Paulo. Ele relata que o currículo é um princípio orientador da prática pedagógica e deve ter a participação dos professores em sua essência. Segundo ele,

O currículo é uma construção humana e, por isso, contextualizada histórica e culturalmente. Dessa maneira, a prática de elaboração e implementação curricular nunca é definitiva, está em constante construção. Essa construção, por sua vez, não é feita apenas por aqueles que ocupam postos de gestão em órgãos centrais educacionais, mas, principalmente, resulta da ação conjunta, compartilhada, negociada e pactuada de diferentes atores educacionais, em especial os que atuam diretamente nas escolas. (MALDONADO, 2016, p. 100).

Concordando com o pesquisador, acrescentamos, a partir de nossa experiência docente, que a rede municipal de Santo André, especialmente na disciplina de EF, precisa discutir os aspectos teórico-práticos que irão orientar a prática pedagógica dos professores. Todavia entendemos que a construção curricular não é algo fácil de definir, porém é urgente a necessidade de saber qual caminho a EF desta municipalidade irá seguir.

Sobre a análise da prática pedagógica da professora Sol no Ensino Fundamental I, é possível concluir que a professora priorizou os aspectos da teoria construtivista em suas aulas. Todavia, para uma compreensão mais amplia, faz-se necessário observar outras práticas docentes desta professora para identificar se existem outras perspectivas teóricas que embasam seu trabalho, considerando que a própria docente declarou utilizar várias perspectivas sem, no entanto, declarar a preferência específica de uma sobre a outra.