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Concepções de Educação para os Media

8. Educação para os Media: concepções, práticas, aspectos críticos

8.1. Concepções de Educação para os Media

Tal como não existe , no plano internacional, um consenso acerca de um conceito amplamente aceite que designe o que decidimos chamar aqui por Educação para os Media, também em Portugal rapidamente se desengana quem for para o terreno na expectativa de encontrar uma terminologia amplamente aceite, como foi, aliás, refe-rido na parte I deste trabalho.

Educação para os Media ou Literacia Mediática (ou dos Media) serão as nomencla-turas mais usadas. Mas as notas críticas e mesmo as discordâncias começam logo aqui. O Prof. Vítor Reia-Baptista, da Universidade do Algarve, um dos nomes que há mais tempo acompanha esta área, prefere falar em “literacia dos media” em vez de “Educa-ção para os Media”, por acreditar que “o objectivo a procurar deve ter prioridade em relação ao processo”. E junta um argumento de ordem pragmática:

“Educação para os Media, sendo um processo educativo, consciente, programado como tal, é mais restrito e terá mais dificuldades em vingar” .

A Prof. Conceição Lopes, da Universidade de Aveiro, rejeita, por sua vez, aqueles dois conceitos. “A educação por si só implica um contexto existencial que é habitado pelos media, portanto a educação tem, por natureza, de abordar tudo o que está na envolvência do nosso projecto de existir”. Por essa razão, entende ela que pretender educar para os media “implica considerar que os media são um contexto institucional

à parte da nossa existência. E não são. Invadem e estão no nosso quotidiano, quei-ramos quer não. A educação não é ‘para’, a educação ‘é’. O ensino é que é ‘para’, está direccionado para a aquisição de competências”, sublinha. E vai até mais longe: “Edu-cação para os Media fortalece a manutenção dos paradigmas da época industrial. Não faz a revolução, não muda, é uma abordagem de fora para dentro. Os media fazem parte da nossa vida, nós já não existimos sem os media”.

Se os media integram o tecido de que se faz a vida quotidiana, com fortes impac-tos na vida individual e na vida pública, isso ocorre também com o fenómeno da infor-mação. Para além da informação de actualidade, torna-se hoje cada vez mais relevante a questão de aprender a lidar criticamente com o fenómeno da informação em sen-tido lato, nos websites, nas redes sociais, nas bases de dados , cujo crescimento tem sido exponencial em quantidade e diversidade. É para a necessidade de mapas e bús-solas para navegar nesse oceano agitado que alerta Armando Malheiro, investigador da Universidade do Porto, com uma produção significativa num âmbito que introduz, no campo conceptual que aqui referenciamos, uma nova vertente: a Literacia da Infor-mação. As competências e conhecimentos não apenas para ler, mas para entender e tirar partido do que se lê e estabelecer e aplicar “critérios de avaliação da verdade e da falsidade” da informação a que se acede tornam-se hoje cada vez mais cruciais e básicas. Aquele investigador reconhece e valoriza, entretanto, as “potenciais ligações” entre essa modalidade de literacia e a literacia dos media, e as potencialidades que podem advir de interagirem mais.

Não voltaremos, nesta fase, aos debates de que demos conta em momento ante-rior deste trabalho e que não são exclusivamente nossos. Servem, contudo, estas notas para mostrar que o campo de iniciativas que procuram conjugar o universo da comu-nicação com o da educação é habitado por perspectivas diversificadas.

A questão que se pode colocar e que nos parece ser mais importante é esta: que conteúdos são enunciados por detrás dos nomes? Existe convergência entre pelo menos alguns desses seus enunciados? Vejamos algumas definições:

A Associação de Consumidores de Media coloca a ênfase nas necessidades de protecção e de segurança, em particular dos mais novos, em relação às tecnologias e aos novos media, no que toca ao uso, mas também ao consumo mais generalizado de conteúdos. Define, assim, a Educação para os Media como a capacidade de refle‑ xão sobre os meios que se utilizam. “É [pôr os jovens] a pensar sobre a utilização que fazem das tecnologias. A tecnologia, os equipamentos em si não são maus, são instrumentos, depende do uso que nós lhes damos”, afirma Maria Vaz Pinto, da ACMe-dia. Não distante desta preocupação está Tito Morais, formador e activista do “Miúdos Seguros na Net”, para quem as questões dos conteúdos devem acompanhar a introdu-ção da tecnologia nas escolas mediante a capacitaintrodu-ção dos indivíduos, em torno de qua-tro aspectos: a sensibilização para os benefícios das ferramentas utilizadas, os riscos, as

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soluções para os riscos e os erros comuns. Mas alerta: “Isto não é um problema tec‑ nológico, é um problema de pessoas, relativo à forma como nós e os outros utiliza-mos estas ferramentas que, por acaso, são tecnológicas. As pessoas acham que é um problema tecnológico e que se combate com ferramentas tecnológicas”. Observa, na mesma linha, a investigadora Rita Espanha: “Acho que andamos há demasiado tempo focados nas questões tecnológicas das literacias de media. E menos focados nos con-teúdos, quando é o conteúdo que faz mover a utilização desses media”.

A Educação para os Media instaura-se neste tipo de abordagem e, para Tito Morais, avança num “sentido ascendente, dos mais jovens para os adultos. A sua per-cepção é que, “através dos jovens nós conseguimos chegar aos adultos, que nor-malmente não se preocupam com estas questões relacionadas com eles próprios”.

Aqui está um ponto que, de uma forma mais ou menos explícita, parece reunir consenso e que poderia ser condensado numa expressão de Teresa Calçada, coorde-nadora da Rede de Bibliotecas Escolares, ao falar do seu cepticismo quanto ao “uso utilitarista das tecnologias” . O que não significa que não haja necessidade, hoje, de uma literacia também relativa às tecnologias. De resto, a partir do lugar específico de onde observa estes assuntos, Teresa Calçada alude a uma “complexificação das lite-racias”, cabendo aos bibliotecários, no caso concreto das bibliotecas públicas e esco-lares, contribuir “para transformar informação em conhecimento”. Para fazer isso bem, observa, “tem que ensinar os seus utilizadores a serem utilizadores cons‑ cientes, proficientes e críticos”.

Este registo é objectivo da promoção de um pensamento e atitude críticos surge igualmente partilhado por outros entrevistados, alargando o âmbito a outros media e a outros conteúdos. Susana Henriques, docente e investigadora da Universidade Aberta, vê a Educação para os Media como um processo transversal orientado para fazer com que “as audiências, os públicos possam ser mais críticos, mais conscien‑ tes, mais reivindicativos. E mais informados na leitura que fazem das notícias”. Essa será igualmente uma via para dar às pessoas ferramentas que lhes permitam defen-der-se “dos perigos existentes na Internet”, através da compreensão dos riscos que podem correr. Mais vale isso do que pretender “proibir ou bloquear” usos e acessos a conteúdos, faz notar.

Também na publicidade esta criticidade da Educação para os Media se consti-tui como objectivo central, através da acção promovida pelo projecto Media Smart, algo que é considerado fundamental dentro das questões do consumo. De resto, con-selhos e orientações de autores de referência como David Buckingham e Charlotte Hughes, visam “ desenvolver o sentido crítico das crianças”, procurando conjugar as áreas do consumo, da cidadania e o direito dos anunciantes à comunicação comercial responsável . Para Manuela Botelho e Luísa Agante, respectivamente directora e con-sultora do Media Smart, “mais do que um programa de educação para a publicidade é

um programa de educação para a cidadania”. “Porque o espírito crítico é transversal”, refere Luísa Agante.

A esta dimensão crítica, Sérgio Nogueira, professor de Educação Visual na Escola EB 2,3 João de Barros, na Figueira da Foz, onde desde há mais de dez anos desenvolve projectos na área da Educação para os Media através da imagem, junta as vertentes da desconstrução e da criatividade: a Educação para os Media visa “por um lado, ensi-nar aos miúdos as técnicas básicas da imagem em movimento, como forma de lhes ensinar uma abordagem criativa e proporcionar o acesso a uma outra linguagem”. Ao mesmo tempo, “com essa experiência, podem tornar-se um pouco mais conscientes, ser mais criativos, desenvolver um bocado mais a atitude crítica face às imagens que vêem na televisão”.

Estes aspectos não esgotam o leque de concepções que acompanham as práticas inventariadas. Assim, da entrevista com os provedores do ouvinte e do telespectador, respectivamente Adelino Gomes e Paquete de Oliveira, ressalta a lógica de descons-trução do meio comunicativo, implicada no trabalho que levam a cabo, de forma con-tinuada. E que permite a quem está do outro lado (ou seja, à audiência) compreender as opções tomadas em determinadas circunstâncias no interior do meio de comunica-ção e ficar com a ideia dos caminhos seguidos na producomunica-ção das mensagens.

Por sua vez, Graça Lobo, do Cineclube de Faro, chama a atenção não tanto do aprender a fazer, mas do “aprender a ver” e, sobretudo, do “ver para aprender”, quando as actividades realizadas favorecem a leitura crítica das imagens e procuram “fomen-tar as discussões e análises”. Já Eduardo Naia, docente da escola Secundária Domingos Rebelo, em Ponta Delgada, enfatiza a formação para a cidadania. No seu caso, através do projecto “Fora de Portas”, educar para os media é “formar a pessoa como cidadão, da sua área de residência, do seu país e do mundo. E formá-lo nos valores, obviamente. Da arte, da honra, da justiça, do ser humano solidário”. Daí que a sua preocupação e a dos colegas com quem trabalha seja educar com os media – interagindo com eles, escrevendo no jornal regional, abrindo as portas da escola – mais do que edu‑ car para os media. E, por essa via, dão-se competências aos alunos “para falar, para escrever, para estar em público”. Em suma, professores e alunos tornam-se protagonis-tas, agentes do próprio processo da comunicação. O que vai ao encontro de uma ideia sublinhada por Célia Quico, professora da universidade Lusófona: “Das definições mais interessantes para mim de literacia de media, não se trata simplesmente de nós ser-mos capazes de ler e de interpretar aquilo que nos é veiculado através dos diferentes media, mas também de sermos nós próprios criadores, produtores”.

E, reforçando aqui a perspectiva da cidadania, será ainda de sublinhar o contri-buto de Teresa Fonseca, que acompanhou durante vários anos projectos vários de Educação para os Media em todo o país. Defende uma visão de Educação para os Media “transversal aos restantes domínios da cidadania”. Ainda que se possa educar

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explicitamente para os media, esta formação ganha em ser assumida como uma com-ponente de um quadro mais geral.