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CONCEPÇÕES DE LÍNGUA, TEXTO E GÊNERO TEXTUAL O princípio básico do qual partimos para esboçar a concepção de

2 A TRADUÇÃO COMO RETEXTUALIZAÇÃO

2.1 CONCEPÇÕES DE LÍNGUA, TEXTO E GÊNERO TEXTUAL O princípio básico do qual partimos para esboçar a concepção de

língua que subjaz este trabalho é o de que nenhum ser humano é sozinho, como afirmou o poeta inglês John Donne: “Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma, todo homem é um pedaço do continente, um pedaço do todo” (1623)1. Ou seja, cada um de nós compõe uma determinada rede

de relações sociais que se realiza em contextos sócio-históricos-culturais específicos por meio da linguagem.

Essa compreensão do indivíduo como um ser social é estudada a partir de uma abordagem funcional da língua, entendida como uma ferramenta de interação social.

1 “No man is an island, entire of it self, every man is a piece of the

De acordo com essa abordagem, a língua é utilizada por seus usuários com o objetivo de construir enunciados significativos, que correspondem aos seus propósitos comunicativos. Para alcançar tais propósitos, os usuários de determinada língua fazem suas escolhas de acordo com os recursos (palavras e textos) disponíveis no sistema linguístico dessa, a fim de produzirem significados em seus contextos de interação. (ALCARAZ; COSTA et al, 2012)

Dentre os estudiosos que se destacaram nessa vertente, ressaltamos a importância do pensador russo Mikhail Bakhtin e das contribuições de seu Círculo de estudo – Círculo de Bakhtin2. Partindo de uma dura crítica

às concepções de linguagem de fundamentação formalista3, Bakhtin nos

oferece um olhar sócio-histórico sobre a linguagem, concebendo-a como uma atividade social, fruto da interação entre sujeitos situados sócio- históricos e culturalmente, sendo manifestada por meio de textos4, os quais

são atravessados por elementos ideológicos e se manifestam segundo a finalidade comunicativa pretendida em determinada situação de interação.

Desta forma, para Bakhtin [VOLOCHÍNOV] (2010[1929]), a língua em sua integridade viva não pode ser dissociada de seus falantes e de seus atos, assim como de suas esferas sociais e de seus valores ideológicos.

O autor entende que

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da

enunciação ou das enunciações. A interação verbal

2 O Círculo de Bakhtin era constituído por um grupo de intelectuais que entre 1919 a 1929 se reunia para debater ideias, principalmente concepções sobre a linguagem. Dos intelectuais que fizeram parte do Círculo, os que são mais conhecidos e estudados atualmente são Mikhail M. Bakhtin, Valentin N. Voloshinov e Pavel N. Medvedev.

3 Concepção de linguagem que precede os estudos funcionalistas e concebe a língua como um sistema que deve ser estudado em sua imanência. (DELLAGNELO; RIZZATTI, 2008)

4 Aqui substituímos o termo utilizado pelo autor “enunciado” por “texto”, a exemplo de Cassany (2008).

constitui assim a realidade fundamental da língua. (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 2010[1929], p. 127, grifos do autor)

Assim, na perspectiva bakhtiniana, a linguagem deve ser estudada no âmbito das interações sociais, pois ela tem papel instituidor nessas relações à medida que se constitui e é constituída socioideologicamente a partir delas.

Apoiado nessa concepção, Marcuschi concebe a língua como “um sistema de práticas com o qual os falantes/ouvintes (escritores/ leitores) agem e expressam suas intenções com ações adequadas aos objetivos de cada circunstância [...]”. (MARCUSCHI, 2008, p. 61)

Partindo desse entendimento, o autor propõe que o ensino de língua deva ocorrer por meio de textos, como orientam os PCNs, já que essa é uma forma natural de acesso a língua. (MARCUSCHI, 2008)

Essa ideia também encontra amparo em Bakhtin, visto que para esse o uso da língua se efetua por meio de textos (orais e escritos), os quais são proferidos pelos participantes dentro de cada espera da atividade humana. (BAKHTIN, 2010[1979]) Para o autor, o texto é um evento único, uma unidade real imediata para o estudo do homem social e de sua linguagem, posto que ambos são constituídos mediados pelo texto.

Este entendimento encontra adeptos como Koch (2011[1997]), dentro da ótica da LT, para quem o conceito de texto está diretamente relacionado com a concepção que se tenha de língua e de sujeito. Assim, ao considerar a perspectiva apresentada até o momento, na qual a língua é vista como lugar de interação dos sujeitos e esses como seres como agentes sociais,

o texto passa a ser considerado o próprio lugar de interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e são construídos. (KOCH, 2002, p. 17, grifo da autora) Atualmente, de acordo com Costa Val (2008), com os avanços das teorias do texto o mesmo pode ser definido como “[...] qualquer produção linguística, falada ou escrita, de qualquer tamanho, que possa fazer sentido numa situação de comunicação humana”. (COSTA VAL, 2008, p. 63)

Os pressupostos anteriormente mencionados, os quais buscam definir linguagem e texto a partir de uma visão sócio-histórica e

ideológica, nos levam a dois consensos da atualidade que, de acordo com Antunes (2009), vogam no âmbito dos estudos linguísticos: o uso da linguagem é uma prática social e as práticas sociais ocorrem por meio de textos.

Esses textos, quando os produzimos, os direcionamos aos seus leitores/ouvintes, buscando torná-los compreensíveis a esses. Nossa intenção é que façam sentido em seus propósitos comunicativos, e não apenas sejam entendidos a um nível estrutural ou gramatical.

Para que isso ocorra e os textos não se tornem apenas um amontoado de palavras e frases, eles devem apresentar algumas características que fazem com que sejam compreendidos por seus interlocutores, em suas situações de interação, como um todo comunicativo. (RODRIGUES; BALTAR et al, 2012) Essas características são chamadas de textualidade, sendo o estudo do texto sob essa ótica abordado na subseção a seguir. 2.1.1 O texto na ótica dos estudos da textualidade

No início da década de 80, Beaugrande e Dressler postularam em seu livro Introduction to Text Linguistics (1981) que os textos são unidades comunicativas que devem cumprir um conjunto de sete critérios de textualização, denominados princípios de textualidade: coesão, coerência, intencionalidade, aceitabilidade, informatividade, situacionalidade e intertextualidade.

Uma breve exposição de cada um desses princípios é apresentada a seguir:

• Coesão: corresponde à forma como os componentes do texto são

organizados em uma sequência veiculadora de sentidos.

• Coerência: diz respeito a forma como a configuração dos

conceitos e relações que se apresentam no textos são dispostas em sua superfície de forma coerente e relevante.

• Intencionalidade: está relacionada com as intenções do emissor

e suas atitudes em construir um texto coeso e coerente, capaz de cumprir suas intenções de maneira eficiente.

• Aceitabilidade: concerne à atitude dos receptores do texto

produzido de o aceitarem como um todo significativo, útil e relevante, capaz de levá-los a adquirir conhecimentos ou a cooperar com os objetivos do seu produtor.

• Informatividade: assim como a aceitabilidade, está dirigida ao

leitor/receptor do texto e concerne ao grau de informação contido neste. Ou seja, diz respeito ao nível de novidade que é apresentado no texto: se for muito baixo, o texto pode se tornar desinteressante; já se for muito alto, pode se tornar difícil e desestimulante. O ideal, então, é buscar um equilíbrio entre este níveis.

• Situacionalidade: está relacionada com o contexto de recepção

do texto e diz respeito aos fatores que tornam o texto relevante em determinada situação comunicativa.

• Intertextualidade: diz respeito aos fatores que fazem com que a

compreensão de um texto seja dependente de um ou mais textos anteriores. Esses fatores podem ser originários do conhecimento de mundo adquirido pelo indivíduo, assim como de suas experiências, leituras e vivências, e podem ocorrer em maior ou menor grau dependendo do tema. Isto é, de acordo com nossas vivências e leituras anteriores sobre determinado tema, poderemos compreender mais ou menos um novo texto a que somos expostos. Aqui acrescentamos a classificação apresentada por Koch (2011[1997]) para o elemento da intertextualidade, visto que ela será utilizada na análise dos textos produzidos neste estudo. Segundo a autora, a intertextualidade pode ser classificada em um sentido mais amplo, como o compendio de todos os textos que antecedem um “novo” texto. Nesse sentido, a autora entende, amparada em Kristeva (1974), que todo texto é composto por um conjunto de textos que o antecedem, em um processo ininterrupto de construção em resposta ao já-dito, ao qual se toma uma posição. Em um sentido mais restrito, a intertextualidade divide- se, conforme Koch (2011[1997]), entre explícita e implícita. A intertextualidade é explícita quando há citação da fonte e implícita quando não há citação expressa da fonte, cabendo ao interlocutor recuperá-la na memória para construir o sentido do texto.

Para Beaugrande (2004[1997]), os princípios de textualidade não servem como critérios ou regras para identificar textos e não textos, até porque para o autor não existe um não texto, mas devem ser utilizados para guiar a produção de textos e sua interpretação.

Em consonância com esses princípios, Cassany (2000) destaca alguns conhecimentos que deve possuir um escritor sobre o código escrito, conforme mostramos abaixo:

• Adequação: diz respeito à escolha adequada da variedade

(dialetal/padrão) e do registro (formal/informal, familiar, geral, específico) para cada situação de comunicação.

• Coerência: corresponde a saber escolher a informação relevante,

bem como saber estruturá-la.

• Coesão: está relacionada com saber conectar as distintas frases

que formam um texto.

• Correção gramatical: concerne ao conhecimento sobre as regras

fonéticas e ortográficas, morfossintáticas e léxicas da língua, que permitem a produção de orações aceitáveis.

• Disposição no espaço: corresponde aos elementos de organização

física do texto (convenções, margens, etc.).

No presente trabalho, os elementos propostos por Beaugrande e Dressler (1981) e Cassany (2000) foram reunidos em um único modelo que denominamos elementos de produção textual, os quais foram utilizados para avaliar e orientar a tradução como retextualização realizada pelos alunos participantes desta pesquisa.

Como é possível observar, alguns elementos tratados por Beaugrande e Dressler (1981) são recorrentes em Cassany (2000), como a coesão e a coerência que se manifestam como elementos importantes para ambos os teóricos. Depois temos o elemento da situacionalidade que, a nosso ver, encontra correspondente na adequação, visto que ambos se ocupam dos elementos que envolvem o contexto de produção no qual ocorre o ato comunicativo. Por fim, temos o elemento da disposição no espaço que,

em nosso entendimento, está relacionado com a aceitabilidade alvitrada por Beaugrande e Dressler (1981).

Por essa razão, neste trabalho optamos por reunir esses elementos que se correspondem em um único elemento, conforme será apresentado proximamente.

Assim, para a organização dos elementos de produção textual em um modelo que se tornasse didático, seguimos a proposta de Beaugrande e Dressler (1981), e dividimos os elementos em dois grupos: elementos extralinguísticos e intralinguísticos.

Primeiramente, então, apresentamos os elementos extralinguísticos: intencionalidade, aceitabilidade, informatividade e intertextualidade. Esses elementos estão relacionados à situação comunicativa ou ao contexto de produção do texto e são importantes, pois contribuem para a compreensão do sentido do texto, visto que esse não é dado pelo texto, mas sim produzido por seus interlocutores em cada situação de uso da língua.

Em seguida, mostramos os elementos intralinguísticos: coesão, coerência, adequação e correção gramatical, os quais constituem a maneira como o autor/produtor do texto veicula sua mensagem ou “como” ele a escreve. Assim sendo, estão relacionados com as escolhas léxicas e semânticas, assim como com as formas de apresentação das ideias de maneira a construir um todo coerente e coesivo que esteja condizente com o contexto comunicativo em que se insere e que comunique o propósito pretendido pelo emissor ao leitor desejado.

A seguir, apresentamos no quadro 2 a forma como os elementos de produção textual foram organizados em um modelo que foi apresentado aos alunos como critério de análise e correção de seus textos. Além disso, esse modelo nos serviu de base para verificarmos se a atividade realizada pelos alunos contribuiu para o desenvolvimento da escrita destes.

Quadro 2 - Elementos de produção textual5

Fonte: adaptado de Beaugrande e Dressler (1981) e Cassany (2000).

5 Neste modelo, o elemento situacionalidade foi reunido ao elemento

adequação, e o elemento disposição no espaço ao elemento aceitabilidade.

ELEMENTOS DE PRODUCCIÓN TEXTUAL