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3 LÍNGUA, LINGUAGEM E GRAMÁTICA NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

3.2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM

Acredita-se que a estruturação do ensino de língua materna mostra-se dependente da maneira como se concebe a linguagem e a gramática. Quanto às concepções de linguagem, a seguir, serão listadas três, que se originaram de diferentes vertentes teóricas: a linguagem como expressão do pensamento, como instrumento de comunicação e como forma de interação.

3.2.1 Linguagem como expressão do pensamento

A concepção de linguagem como expressão do pensamento inicia-se aproximadamente no século XIII, objetivando demonstrar que princípios racionais e lógicos regiam as línguas. (SILVA, 2010).

Nesse sentido, Travaglia (2002) afirma que essa concepção defende que a enunciação individual não é afetada pelo outro ou por quaisquer aspectos constituintes da situação em que ela acontece, visto considerar-se que as regras da elaboração linguística relacionam-se fundamentalmente às da psicologia do indivíduo. Assim, a expressão de pensamentos, com uma linguagem bem estruturada e articulada, depende da aptidão para organizá-los de forma lógica. Essas regras relacionam-se às normas gramaticais e priorizam um modo de “bem” falar e escrever.

A partir desse enfoque, a constituição de um texto, por exemplo, utilizado em determinada situação de interação, não se mostra dependente de elementos como o objetivo, o público-alvo, onde, como e quando a produção foi realizada. (TRAVAGLIA, 2002).

Ademais, segundo Geraldi (2006, p. 41), a concepção de linguagem como expressão

do pensamento criou a ideia de que as pessoas não pensam se não têm boa expressão. Para o

autor, essa concepção está ligada aos estudos linguísticos da “gramática tradicional”65, pecando por excluir as variedades, ou seja, o que não pertence à norma culta.

65 Para fins de esclarecimento, chama a atenção o fato de que, levando em conta diversas pesquisas realizadas no

Levando em conta os pressupostos inatistas, Chomsky elaborou uma teoria que tem como elemento central a ideia da existência de uma capacidade inata de desenvolvimento da linguagem, a qual se relaciona com a questão genética. A partir dessa perspectiva, a linguagem aflora no sujeito, ou seja, vem de dentro porque pré-existe. (MATUI, 1995).

Carvalho (1988, p. 37) lembra das críticas realizadas a Chomsky por Lenneberg, o qual defende que não pode ser aceita a premissa de que existe uma programação inata no cérebro do homem para fornecer explicações sobre como a linguagem se desenvolve, pois sua aquisição pode relacionar-se a estímulos do ambiente, imitação, ou seja, não ocorre em função de “uma estrutura subjacente”.

3.2.2 Linguagem como instrumento de comunicação

A concepção de linguagem como instrumento de comunicação entende a língua como um código, que transmite ao receptor certa mensagem, sendo tal código definido como um “conjunto de signos que se combinam segundo regras”. (GERALDI, 2006, p. 41). Nesse sentido, Travaglia (2002) destaca que a concepção focou-se no fato de o falante possuir uma

mensagem, ou seja, informações em sua mente, a qual deseja comunicar, isto é, “transmitir” a

um receptor. Fazendo uso de um código que pode ser entendido pelo outro, ele envia a

mensagem por meio de um canal. Então, o receptor reconhece a codificação e a transforma

em informações. Assim, essa concepção não considera o papel do falante no sistema linguístico. (GERALDI, 2006, p. 41).

3.2.3 Linguagem como forma de interação

Entende-se a linguagem como forma de interação, pois, por meio dela, o homem interage. Sendo assim, a linguagem é situada “como o lugar de constituição de relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos”. Liga-se, portanto, aos estudos linguísticos da enunciação. (GERALDI, 2006, p. 41).

Na perspectiva da interação, Bronckart (2006) concebe a linguagem como fundadora e organizadora dos processos psicológicos, tais como a expressão, a cognição, os sentimentos

nomeiam de tradicional, afirmando, em primeiro lugar, que há uma confusão terminológica entre “tradicional” e “normativo”, sendo que a gramática tradicional, para eles, é, ao mesmo tempo, normativa e descritiva (não- normativa), como geralmente referido.

e as emoções. Assim, para o autor, a linguagem não pode ser considerada apenas um meio de expressar tais processos.

Já a concepção de linguagem, como forma de interação, compatível com a perspectiva de Bakhtin (1981) é aquela que possui caráter histórico, social e ideológico, em que o gênero66 se efetiva em uma situação de interação social, uma vez que sua constituição é firmada na relação estabelecida entre o locutor e o interlocutor, ou seja, em uma relação de interação. Para esclarecer: a linguagem é concebida por Bakhtin (1981, p. 125, grifos do autor) como “uma criação coletiva integrante de um diálogo cumulativo entre o eu e o outro, entre muitos eus e muitos outros”.

Benveniste (2006, p. 90), por sua vez, refutando a ideia de que a linguagem é apenas um instrumento, refere que ela denota um “modo de ação”, em que a enunciação liga ouvinte e locutor, seja por amizade, pelas relações sociais, etc. O autor explica que um ambiente sociável é criado quando pessoas interagem. Essa situação é instaurada pela fala de umas com as outras, pelos afetos e objetivos que perpassam o momento de troca linguística.

A partir dessas concepções de linguagem, compreende-se, em consonância com os postulados de Geraldi (1996), que tirar o foco das concepções que têm por base a linguagem como representação do pensamento e como instrumento de comunicação e concentrar-se no trabalho diverso com a língua implica considerar importante o processo discursivo, entendendo a linguagem como constitutiva, realizada por meio da interação verbal.

Posto isso, a seguir serão retomados, brevemente, fatos históricos relacionados à

gramática para uma melhor compreensão das concepções de gramática que estarão, no

quadro comparativo, relacionadas às concepções de linguagem. Para esclarecer, a gramática é concebida neste trabalho como a configuração do sistema linguístico com vista à possibilidade de uso. Portanto, como será explicitado na sequência, acredita-se que não se pode reduzir a gramática a uma prescrição normativa.