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Procuramos demonstrar, com base na experiência e estudos dos autores mencionados, o porquê de considerarmos a cultura do bambu detentora de imenso potencial para se tornar parte da solução dos graves problemas sociais enfrentados pelo Brasil na atualidade.

A versatilidade do bambu, podendo servir ao homem “do berço ao túmulo” desde sua forma natural até inimagináveis usos ao ser manipulado de acordo com a criatividade humana, justifica ser tratado como “irmão” pelo povo vietnamita e de “o amigo dos homens” pelos

chineses; sua característica de existirem juntos na mesma touceira, ou como parte da mesma trama de rizomas, desde os bambus maduros – as “bisavós”, e os em desenvolvimento – “avós” e “mães”, até os brotos comestíveis – as “filhas”, conforme acreditam os japoneses, os aproximam de nós humanos; mas a aproximação a nós é com maior intensidade percebida na crendice de alguns povos asiáticos, que afirmam que a própria raça humana originou-se de um colmo de bambu.

Um aspecto importante que ressaltamos é que a cultura do bambu cria, por si, uma infinidade de postos de trabalho diretos e indiretos. Precisa-se de pessoas trabalhando desde a produção de mudas até a confecção dos diversos produtos finais que podem ser obtidos, além de toda a rede de distribuição comercial que demanda. Interessante também destacar que a capacitação da mão-de-obra é realizada no mesmo momento da produção, haja vista que o trato do bambu requer apenas que se tenha a vontade de manipulá-lo e aprender a cada dia a descobrir suas potencialidades.

A possibilidade de se utilizarem restos de pneus velhos para a construção dos painéis de bambus para construções de casas, em substituição à brita, é um fator muito importante para ajudar a resolver um problema ambiental sério que é o descarte desses pneus. Outro problema ambiental, o descarte das garrafas “pet”, pode ter seu impacto reduzido com a produção dos tanques-rede para criação de peixes confinados, ao mesmo tempo em que são gerados novos postos de trabalho em outra atividade inclusiva.

A implementação de um Programa Governamental aproveitando as experiências apresentadas, em conjunto ou separadamente, em especial o Programa Social da Bambuzeria Cruzeiro do Sul, desenvolvido por Lúcio Ventania, propiciaria aos colaboradores meios para produzirem desde os alimentos necessários para a manutenção de suas famílias (aumentando sua autoestima) favorecendo a ingestão dos nutrientes necessários para o desenvolvimento integral de sua condição humana, até a construção de suas próprias moradias, além da fabricação de móveis e uma infinidade de outros itens artesanais. Os excedentes da produção, realizada em sistema de cooperativa, sendo comercializados, garantiriam a renda necessária para que o Programa torne-se autossustentável e possa manter escolas de ensino fundamental e de capacitação, visando ao aprimoramento constante das condições sociais dos cooperados e, consequentemente, da produção, sendo o lucro remanescente dividido entre esses.

A criação de um novo ciclo econômico no Brasil tendo por base a cultura do bambu pode parecer a princípio uma utopia de Lúcio Ventania e de seus colaboradores nas “Bambuzerias”, mas, quanto mais nos aprofundamos no estudo das potencialidades dessa planta, nos convencemos de que muito ainda é possível descobrir. Em qualquer indústria em

que pensemos, seja na de alimentação, construção civil, artesanato etc. veremos como quase infinitas as utilidades a serem dadas. Em vista disso, torna-se fácil imaginar a quantidade de postos de trabalho que podem ser criados, desde a produção das mudas para propagação até onde a imaginação alcançar.

O desafio que nos parece mais premente é o de se afastar o preconceito quanto ao uso do bambu. Os professores Khosrow Ghavami, da PUC-RJ e Marco Antonio Pimentel de Mello, da UFF, concordam em que o preconceito está relacionado à falta de conhecimento em relação às qualidades desse material. Precisa-se aprender a conhecer as peculiaridades de cada espécie e suas características próprias para que se possa efetivamente utilizá-las em toda a sua potencialidade.

O referencial teórico apresentado na elaboração deste texto toma relevância ao ser aplicado no viés que pretende enfatizar as implicações sociais que a implementação de projetos intensivos na utilização do Bambu podem ter na construção de uma nova sociedade, baseada em produção coletiva com apropriação coletiva do produto dessa produção.

A necessidade de conscientização do diferencial estratégico do Brasil, devido a suas condições climáticas e suas especificidades favoráveis à implementação de atividades voltadas à utilização do “Biocubo” (Biomassa, Biodiversidade e Biotecnologia), conforme nos diz Ignacy Sachs, é facilmente percebida na análise da distribuição geográfica do cultivo do Bambu no mundo. Consideradas essas condições, a capacitação adequada de pequenos fazendeiros que lidam diretamente com a produção rural, no sentido de que aprendam a lidar com os recursos que têm à disposição em suas propriedades, é outro fator importante no estabelecimento de condições que permitam o desenvolvimento sustentado.

Capacitar os agentes envolvidos, respeitando suas culturas regionais e buscando o desenvolvimento de sua capacidade de apropriação de novas formas de vida social é de certa forma compartilhada por Gramsci e Paulo Freire. Isso é também compartilhado por Lúcio Ventania nas suas conclusões acerca da atuação da BAMCRUS em regiões cujas conformações socioculturais são tão diferentes que inviabilizam a implementação das mesmas estratégias de atuação.

É necessário romper com o paradigma evidenciado por Sérgio Buarque de Holanda e passar a entender a sociedade brasileira madura em sua conformação e aceitar nossa condição única no mundo, com nossas especificidades, nossas vantagens comparativas e nosso potencial, buscando apropriação adequada de nossos recursos.

A formulação e aprovação da “Lei do Bambu” demonstra um avanço no sentido do reconhecimento das potencialidades dessa planta, mas torna-se imperioso que a sociedade brasileira desperte para a viabilidade da apropriação de seus instrumentos e passe a utilizá-los. É desnecessário o interesse da “Grande Indústria” para que o Bambu desempenhe seu papel de vetor de desenvolvimento social. O que defendemos é a apropriação popular de seus benefícios, a exemplo do que ocorre no Oriente, haja vista que seu uso propicia a realização de inumeráveis atividades produtivas, seja com a planta viva, trabalhada em seu aspecto natural ou beneficiada em outras inumeráveis possibilidades, seja no ambiente rural ou urbano.

O ciclo produtivo do Bambu, desde o preparo das mudas até a comercialização dos produtos possíveis de serem fabricados com seu uso, engloba atividades produtivas adjacentes em cada fase de seu desenvolvimento, o que pode ser fator de incentivo à manutenção e mesmo retorno do homem ao meio rural, produzindo alimentos saudáveis de forma sustentável.

Por todo o exposto, reforçamos a ideia de que o Bambu, consideradas suas características, sendo conjugado com outros materiais não-convencionais nas diversas possibilidades de utilização, tem grande potencial para auxiliar na minimização dos atuais problemas sociais vivenciados pela sociedade brasileira.

Conforme demonstramos, são verdadeiramente infinitas as utilidades a serem dadas ao Bambu, bastando para tanto a concretização do desejo, da dedicação e da disciplina necessários para multiplicar as ações positivas que já estão sendo desenvolvidas com sucesso. Na linguagem das ciências sociais, bastando apenas vontade política.

É esta vontade política que reúne no seu conceito um conjunto de aspectos que incluem certamente os conflitos de interesse sempre presentes nas grandes questões econômicas.

Finalizamos com uma pequena complementação, de nossa autoria, à ODE AO BAMBU, extraída do livro de Pereira e Beraldo Bambu de Corpo e Alma, que abre esta Dissertação:

Aquele homem, acomodado em uma casa de bambu sob um teto de bambu, antes disso, pode ter plantado uma touceira de bambu do tipo paquimorfo em uma antiga nascente assoreada, promovendo sua regeneração, bem como a do solo em seu entorno; após ter a nascente regenerada ele pode ter construído um sistema de canalização da água até sua casa e depois de se servir dela ter uma estrutura de esgotamento dessa água, como também ter

feito um sistema de irrigação para sua lavoura utilizando canos de bambu; em alguma encosta degradada de sua propriedade esse mesmo homem pode ter plantado um tipo de bambu leptomorfo que conteve o seu processo de erosão; os bambuzais, além de produzirem sombra, fizeram uma proteção natural contra ventos fortes e criaram uma barreira visual que tornou sua propriedade mais privativa, servindo também como cerca viva delimitando seu domínio; pode ter ele construído um galinheiro, um curral, uma pocilga e muitas outras instalações para seus animais terem um abrigo adequado, assim como para estocar a produção de seu trabalho, além de poder ter feito as cercas e porteiras de sua propriedade com o bambu; ele também pode pescar com uma vara de bambu em um tanque que ele mesmo pode ter construído para criar peixes, utilizando o bambu. A imaginação desse homem é o limite para o que ele pode fazer utilizando o bambu.

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