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Conclusão

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II. DAVI NAS HISTORIOGRAFIAS BÍBLICAS

2.2. Davi na Obra Historiográfica Deuteronomista

2.2.4. Conclusão

A história da ascensão e a história da sucessão de Davi nos permitem concluir que elas não seguiram juntas uma linha única e reta do começo até o final. A narrativa da ascensão de Davi segue uma linha sempre ascendente do personagem. Ela constitui o maior arsenal de dados sobre a trajetória de Davi junto ao rei Saul, sua vida na corte, passando pela perseguição do rei, sua fuga para o país de Gat e suas relações de vassalagens junto aos filisteus até a morte de Saul, quando então retorna para a sua terra e se torna rei das tribos de Judá e sete anos mais tarde de todo o Israel.

As divergências na narrativa da ascensão de Davi delineiam redações paralelas e em alguns casos versões diferentes, que sugerem uma reavaliação da imagem positiva do pastor que chegou ao reinado em Israel.

Nos capítulos 16-22 de 1 Sm encontramos vários relatos duplicados ou triplicados que apontam sempre na mesma direção: exaltação de Davi e humilhação de Saul. Por três vezes Davi toca sua lira para alegrar Saul, que reage agressivamente. Em duas ocasiões, Saul oferece a Davi alguma de suas filhas em casamento. As intervenções de Jônatas, filho de Saul, a favor de Davi, repetem-se várias vezes. Em diversas ocasiões, Davi foge de Saul, e por duas vezes se recusa a matá-lo. Por duas vezes procurou refugiar-se no país de Aquis, rei de Gat... Todos esses desdobramentos e repetições formam uma barreira de relatos que giram em torno do mesmo eixo central: a ascensão de Davi e o declínio de Saul (Lamadrid, 1996, p. 80-81).

Antes de Davi ser elevado ao trono, Saul tomou atitudes cruciais que não tiveram apenas conseqüências políticas, militares e religiosas em Israel, mas também um efeito significativo sobre a história de Davi. Na hora de comparar estes dois personagens, são significativos os feitos de Davi quando se tornou rei em Israel. Ele organizou o exército, trouxe a arca para Jerusalém transformando-a centro político e religioso e herdeiro das promessas de Deus na questão sucessória. As vozes críticas e negativas em relação a Saul são características do autor da história da ascensão de Davi. Esse ponto de vista originou-se nos conflitos entre Saul e Davi que era escolhido e orientado por Deus. O autor salienta a inveja, a oposição e a perseguição do rei a Davi.

Na história da ascensão, o autor procura não deixar dúvidas sobre o bom caráter de Davi. Ele chegou a ser rei em Israel não usurpando o lugar de Saul, mas

chegou ao reinado pela unção do profeta de Deus, pela estima do povo, dos filhos de Saul, Jônatas e Micol e por sua conduta ilibada.

É preciso, contudo, recordar que a história da ascensão de Davi não constitui uma verdadeira obra de história política em Israel. Esta história reflete uma ideologia que se esforça por apresentar o rei Davi sob a luz mais favorável, eliminando suspeitas e conjecturas que poderiam prejudicar a sua imagem. Este dado deve ser levado em conta, pois foi usado para justificar a legitimidade dos descend4entes de Davi no trono.

O pacto de Deus com Davi e sua dinastia será o aval e o argumento que mantém alta a moral e viva a esperança do povo, nos momentos difíceis. Enquanto permanecer acesa a “lâmpada de Davi”, nada estará definitivamente perdido (1Rs 11,36; 15,4: 2 Rs 8,19). A profecia de Natã constitui o ponto de partida do chamado messianismo real, ou seja, a promessa ultrapassa Salomão, primeiro sucessor de Davi (v.13) e projeta-se para o futuro, à espera do rei ideal (Is 7;9 11; Mq 4-5, etc)

(Lamadrid,1996, 81-82).

A imagem de Davi na história da sucessão se mistura a variadas percepções. A característica mais saliente da narrativa da sucessão é a história da família e das pessoas que cercavam o rei Davi. Os acontecimentos que se seguem concentram- se na pessoa de Davi e verifica-se o fenômeno contrário do Davi na história da ascensão. No caso do adultério com Bate-Seba e da morte do seu marido Urias, o autor responde a uma nova situação e descreve um Davi mais próximo da sua humanidade. Neste mesmo nível, o autor revela a fraqueza e covardia do rei.

A grandeza e a fidelidade de Urias contrastam com a baixeza e a mesquinhez de Davi. São como que dois painéis de um mesmo díptico,

feito de luz e de sombras(...). Urias aparece no quadro moral pintado pelo autor de 1 Sm 11 como o protótipo de lealdade ao seu rei, da solidariedade aos colegas de armas e de devoção ao Deus presente na arca. É o painel de luz, de nobreza, de fidelidade. O painel de sombras cabe a Davi, convertido em prisioneiro das paixões mais vis e abjetas, que o levam a recorrer a artimanhas inconfessáveis para manter a imagem e as aparências, enquanto executa propósitos criminosos

(Lamadrid, 1996, p. 82).

Na história da sucessão de Davi, os aspectos de sua vida familiar são descritos com senso de realidade. A despeito das informações prestadas, existem argumentos verdadeiros e próximos da realidade humana. Na história da ascensão pairam indagações e desconfianças sobre a progressiva “ascendência e magnanimidade” de Davi. O autor mostra a vinculação de Davi com Deus ao reconhecer o seu pecado diante do profeta Natã (2 Sm 12), mas também não suaviza a atitude do profeta em pronunciar diante do rei o seu erro. Davi, até ser descoberto pelo profeta, viveu um período de hipocrisia e de enganos para com todos que estavam a sua volta. Ele não mais fugia do seu perseguidor sem saber qual era a sua culpa como na história da ascensão; pelo contrário Davi cometeu adultério voluntário e conscientemente escondeu o fato dos que estavam a sua volta.

Os dados anteriores demonstram que o autor da “História da sucessão ao trono” adota diante de Davi uma posição muito distinta da tomada pelo autor da “História da subida ao trono”. Não é a defesa a todo transe do monarca. Pelo contrário, em muitos momentos temos a impressão de que se trata de um ataque sistemático. Os traços positivos são escassos e é preciso procurá-los com lupa. Dominam as sombras (Sicre, 2000, p. 69).

A história da sucessão se desencadeia numa série de brigas e assassinatos entre os filhos de Davi. São muitas as facetas de Davi e é possível verificar os degraus descendentes no seu caráter; o autor não nos surpreende ao revelar os problemas internos da família de Davi. Aos olhos do autor, a imagem de Davi é plural, o quadro que se apresenta não são fatos isolados nem improvisados, mas tudo transcorre em função da seqüência de erros e da ausência de Davi com relação aos seus filhos.

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