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1 DIREITOS INDIVIDUAIS E DIREITOS DE GRUPOS: CONTRAPOSIÇÃO

1.6 CONCLUSÃO

O panorama teórico a respeito dos direitos de grupos apresenta forte resistência à concepção de grupos como detentores de autoridade moral necessária de sujeitos de direitos, pelo fato de que a maior parte dos liberais concebe direitos de grupos como os direitos que são compartilhados pelos membros do grupo. Esta visão é dominante no liberalismo, que possui como pressuposto típico uma postura metodologicamente individualista, ou seja, defendem a ideia de que os grupos são reduzíveis a seus membros, pensamento consoante ao conteúdo das Constituições de diversos países, dentre eles o Brasil, que têm os Direitos Humanos como princípios ético-jurídicos.

Dentre os posicionamentos que reforçam o monolitismo dos direitos humanos estão os "valor-individualistas" que não negam que grupos e comunidades sejam um fato da vida social, nem negam que grupos e comunidades possam significar muito para as pessoas e desempenhar um papel crucial em seu bem-estar, mas afirmam que grupos têm valor somente porque possuem valor para os indivíduos humanos e que grupos, diferentemente dos indivíduos, não podem ter valores intrínsecos. Por isso não podem ser detentores de direitos que

pressupõem seu valor intrínseco e, no máximo, podem ter direitos que são de valor instrumental para os indivíduos humanos.

Para a maior parte dos teóricos, assim, existe um ceticismo quanto aos direitos de grupos que pressupõem uma concepção corporativa desses direitos. Para a maior parte, o ceticismo quanto aos direitos de grupos pressupõe uma concepção corporativa desses direitos. Ela combate as posições favoráveis aos grupos como entes, com status ou valor não redutíveis aos seus membros. Mas, desde que a concepção coletiva não faça nenhuma dessas afirmações, estará livre desse ceticismo. Não escapará, entretanto, de outras formas de objeções aos direitos de grupos, parte das quais Kymlicka enfrentou, apresentando uma posição intermediária entre o ceticismo a respeito da adissibilidade dos direitos de grupos e a aceitação de grupos como sujeitos morais de direitos, porém, ainda reforçando o "valor-individualismo".

Kymlicka, dentro do liberalismo igualitário, deu grande visibilidade às questões de grupos, defendendo uma complementaridade entre direitos humanos e direitos diferenciados de grupos, numa visão mais comunitária do liberalismo. Porém, não admitia que grupos, como grupos, independente da soma dos direitos de seus membros, fossem detentores de direitos. Manteve, assim, o monolitismo dos direitos humanos e o contrasenso teórico diante da questão crucial sobre o que torna um direito "humano".

O pensamento único, individualizante, neoliberal consolidado mundialmente desde a década de 1990, parece ser em grande parte também responsável pela controvérsia existente a respeito da consideração de grupos como sujeitos morais de direitos. A reificação do indivíduo provoca em nossa sociedade, além da estigmatização do outro, a dificuldade em lidarmos com as coletividades, até mesmo do ponto de vista teórico. Falar em direitos de grupos, autônomos, independentes de seus membros, soa quase que um tabu, mais para uns que para outros teóricos, mas conforme o exposto neste capítulo, ocorre com a maioria dos filósofos estudados. Isso explicaria também a tendência em se apresentar todo padrão internacional significativo na língua franca dos direitos humanos individuais. No entanto, as evidências sobre a existência de grupos como sujeitos de direitos, como ocorre com as minorias culturais no interior de uma sociedade maior, como os quilombolas no Brasil, por exemplo, são indícios da "natureza ilusória do

monolitismo", ou seja, da ilusão a respeito da existência de direitos apenas individuais.

Ainda no que diz respeito ao pensamento único, neoliberal, considero que as necessidades capitalistas alimentadas por esse pensamento, que promovem a reificação do indivíduo e, por esse motivo promovem também o desmantelamento de coletivos, são um indício da importância desses coletivos como alternativa ao pensamento único e como verdadeiros promotores dos direitos individuais, fortalecendo os indivíduos. Há a necessidade de enfraquecimento dos coletivos, e, portanto, dos indivíduos, para que as exigências do "mercado", que na verdade são grupos detentores do capital financeiro, sejam satisfeitas. Tais exigências são a multiplicação desse capital e a sua manutenção nas mãos de seus poucos detentores.

Não é suficiente para um direito ser um direito humano que a autoridade internacional o declare assim, pois normalmente direitos humanos são concebidos como direitos que os seres humanos possuem em virtude de serem seres humanos e que são universais, idênticos e possuídos por todos os seres humanos. Se considerarmos a distinção entre direitos corporativos e direitos coletivos, os direitos de grupos possuem uma grande afinidade com direitos humanos se os concebermos como de acordo com o modelo coletivo. Na concepção corporativa, um direito de grupo é um direito possuído por uma entidade corporativa. Na concepção coletiva, um direito é possuído conjuntamente por certos indivíduos. Para qualificar um direito coletivo como um direito humano, esse direito coletivo deve ser universal para os seres humanos mas, se supomos que politicamente todo indivíduo humano pertence a um povo que tem um interese em que esse povo tenha autodeterminação, devemos assumir que todos os seres humanos desfrutam um direito coletivo à autodeterminação.

Todos têm esse direito, mas cada um irá possuí-lo em conjunto com outros membros de seu povo. Entretanto, os direitos de grupos que podem satisfazer esse teste de universalidade serão limitados em número. Asserções sobre direitos de grupos são muitas vezes estimuladas pela "diferença" em vez da uniformidade - por características, modos de vida ou comprometimentos que diferenciam significativamente um grupo de outro, mais do que as características que todos os seres humanos compartilham. Por considerar tais diferenças que não podem ser

ignoradas, a admissão dos direitos de grupos na forma corporativa, não apenas coletiva, parece ser uma necessidade.