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1 DIREITOS INDIVIDUAIS E DIREITOS DE GRUPOS: CONTRAPOSIÇÃO

1.4 DIREITOS DE GRUPOS E DIREITOS INDIVIDUAIS: COEXISTÊNCIA E

Poderia parecer estranhamente arbitrário, dada a significação moral dos direitos, insistir que os objetos de direitos podem ser somente bens que os indivíduos desfrutam como indivíduos independentes e nunca bens de que possam desfrutar em conjunto com outros. Alguns teóricos de direitos parecem pensar justamente isso. Mas não podemos tomar como certo que nenhum bem, cuja natureza compartilhada seja tal que possa ser objeto somente de um direito de grupo, tenha as condições de significação que justifiquem que seja mesmo um objeto de um direito.

Não há razão pela qual direitos individuais e direitos de grupos não possam ambos figurar em nosso pensamento moral. De fato, eles comumemte o fazem. Por exemplo, seria lugar comum sustentar que um povo, uma unidade política, tenha um direito coletivo à auto-determinação, mas apenas dentro dos limites estabelecidos pelos direitos humanos individuais. Direitos humanos não têm que confrontar os direitos individuais e uma teoria moral completa articularia direitos individuais e direitos morais de maneira a formarem um todo coerente (cf. Buchanan 1994; Holder and Corntassel 2002). Pode ser impossível prever e evitar todos os conflitos entre direitos, mas, mesmo se isso for possível, não precisamos supor que conflitos irão ocorrer mais comumente entre direitos de grupos e direitos individuais que entre direitos individuais entre si (McDonald 1998; Waldron 1993, 203-24).

Há também uma tradição bem estabelecida do pensamento político, associada particularmente a Alexis de Tocqueville e aos Pluralistas Ingleses, que vê a existência de grupos como essenciais à dispersão do poder e da manutenção da liberdade dentro da sociedade. De acordo com essa tradição, grupos não ameaçam as individualidades. Ao contrário, os direitos de grupos ajudam a combater e manter sob controle um estado potencialmente autoritário. (Stapleton 1995; Lustgarten 1983; Frohnen 2005 e Gedicks 1989.).

Raz apontou que os direitos individuais frequentemente pressupõem a existência de bens sociais gerais e que os próprios direitos individuais promovem bens sociais (1986, 193-216, 245-63; 1995). Na verdade, direitos individuais podem

às vezes ser direitos somente porque promovem bens sociais. Raz não considera que esses bens sociais sejam geralmente objetos de direitos de grupos, mas ele expõe o erro de se supor que um antagonismo com as considerações coletivas seja algo construído na ideia única ou proposta dos direitos individuais. Os interesses que os direitos de grupos e direitos individuais buscam proteger são frequentemente os mesmos interesses. Pode, ainda, muitas vezes um direito individual se tornar o caso de um direito de grupo. Pode-se argumentar, por exemplo, que alguns dos bens a que os indivíduos têm direitos dependem, para sua realização, da saúde das comunidades e culturas às quais os indivíduos pertencem. Desse modo, os indivíduos partilham direitos de grupos porque esses direitos servem a seus direitos individuais ou à sua liberdade individual. (Jacobs 1991; Kymlicka 1989, 1995; Wellman 1999).

Argumenta-se que os indivíduos têm direitos iguais às condições de auto- desenvolvimento, que esse auto-desenvolvimento individual requer atividade comum ou em conjunto, e que isso é um caso de direitos de grupos às condições necessárias a essa atividade comum ou em conjunto(Gould 2001) . Ou, que devemos manter essa entre a gama de opções requeridas para a autonomia individual, as opções em conjunto, opções para perseguir fins que requerem atividades coordenadas com outros membros do grupo; que também podem justificar direitos de grupos, tais como os direitos de um grupo de controlar seus próprios assuntos.

Pode-se ir além e incorporar direitos de grupos aos direitos humanos? O preâmbulo do Pacto das Nações Unidas sobre Direitos Civis e Políticos(1966)14 e

sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais(1966)15 caracterizam os direitos

elencados em cada Pacto como direitos humanos. Os primeiros artigos de ambos os Pactos conferem a todos os "povos" o direito à auto-determinação, o direito de dispor livremente de suas riquezas naturais e recursos, e o direito de não ser

14Disponível em

< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm> Acesso em 15 jan.2018

15 Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm> Acesso em

privado de meios de subsistência. Direitos dos povos poderiam ser direitos de grupos e eles também figuram nos Pactos das Nações Unidas como direitos humanos. Em complementação, como aos direitos humanos têm sido dados um conteúdo cada vez mais inclusivo, surgiu uma ideia de uma " terceira geração" de direitos humanos .

Direitos políticos e civis constituem a primeira geração e os direitos socio- econômicos a segunda geração de direitos humanos; ambos são tipos de direitos focados nos indivíduos como seus detentores.A terceira geração ou direitos humanos da "solidariedade" incluem direitos a bens como o desenvolvimento, a paz, meio ambiente saudável, comunicação, assistência humanitária, e uma herança compartilhada pela humanidade . Esses são direitos a bens que são coletivos por natureza e direitos que são entendidos como sendo originariamente de grupos, mais do que de indivíduos, apesar da negação dos liberais quanto a isso.

A questão de direitos coletivos humanos é também típica dos direitos de povos indígenas ( algumas vezes descritos como de "quarta geração" de direitos humanos). Nessa área tem havido um longo debate sobre se os direitos que as Nações Unidas devem reconhecer ou estabelecer são sobre os povos indígenas como indivíduos ou como grupos (Buchanan 1993; Clinton 1990; Holder e Corntassel 2002; Ivison 2003; Oestreich 1999). Para alguns, os direitos humanos são necessariamente os direitos de indivíduos humanos de modo que mesmo se grupos tiverem direitos, esses não podem ser direitos humanos(e.g. Donnelly 2002; Graff 1994; Galenkamp 1993; Miller 2002; Nordenfelt 1987, Sieghart 1985; Waldron 1993, 339-69). Outros insistem que alguns dos bens que são fundamentais à vida humana e ao bem-estar humano podem ser desfrutados coletivamente e que, se ignorarmos esse fato, nossa concepção de direitos humanos não irá alcançar a realidade da condição humana(e.g. Casals 2006; Crawford 1988; Felice 1996; Freeman 1995; Kymlicka 2001, 69-90; Malik 1996; Mello 2004; Van Dyke 1985).

Esse debate envolve diversas questões. Uma é se o efeito prático de se estender direitos humanos a grupos irá corroer a proteção que os direitos humanos conferem aos indivíduos, nas formas elencadas anteriormente. Outra é se a ideia de direitos ficará superestendida. Bens como a paz mundial, um meio-ambiente saudável, e comunicação eficiente podem ser melhor entendidos como ideais ou objetivos políticos da raça humana em vez de objetos de direitos humanos. Além

disso, alguns dos direitos humanos de terceira geração parecem ser concebidos como direitos do gurpo de toda a humanidade como uma entidade única, o que gera confusão sobre quem seriam os possuidores dos deveres correspondentes a esses direitos.

Outra questão é sobre o que torna um direito humano. Se é suficiente para um direito ser um direito humano que a autoridade internacional o declare assim, não há nenhum obstáculo a que direitos humanos sejam direitos de grupos. Mas normalmente direitos humanos são concebidos como direitos que os seres humanos possuem em virtude de serem seres humanos e que são universais, idênticos e possuídos por todos os seres humanos.

Se considerarmos a distinção entre direitos corporativos e direitos coletivos, os direitos de grupos possuem uma grande afinidade com direitos humanos se os concebermos como de acordo com o modelo coletivo. Na concepção corporativa, um direito de grupo é um direito possuído por uma entidade corporativa. Na concepção coletiva, um direito é possuído conjuntamente por certos indivíduos. Para qualificar um direito coletivo como um direito humano, esse direito coletivo deve ser universal para os seres humanos mas, se supomos que politicamente todo indivíduo humano pertence a um povo que tem um interese em que esse povo tenha autodeterminação, devemos assumir que todos os seres humanos desfrutam um direito coletivo à autodeterminação.

Todos têm esse direito, mas cada um irá possuí-lo em conjunto com outros membros de seu povo (Jones 1999). Entretanto, os direitos de grupos que podem satisfazer esse teste de universalidade serão limitados em número. Asserções sobre direitos de grupos são muitas vezes estimuladas pela "diferença" em vez da uniformidade - por características, modos de vida ou comprometimentos que diferenciam significativamente um grupo de outro, mais do que as características que todos os seres humanos compartilham(e.g. Addis 1992; Galenkamp 1993; Ingram 2000; Young 1990). Por considerar tais diferenças que não podem ser ignoradas, a admissão dos direitos de grupos parece ser uma necessidade.