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Conclusão: o “abandono” da intersubjetividade em sentido forte:

Capítulo 2 A intersubjetividade no Jovem Hegel

2.4 Conclusão: o “abandono” da intersubjetividade em sentido forte:

O projeto do sistema foi desenvolvido sob um conceito de eticidade com base no modelo aristotélico, o qual pensa a mesma como um desenvolvimento já circunscrito em formas primevas de relação intersubjetiva; mesmo o crime sendo negação desse estágio, Hegel não pode iniciar o movimento da eticidade senão pela natureza, e uma certa ordem natural, na qual a consciência está imersa. “O Sistema da eticidade, parte do indivíduo imerso em sua socialização pré-estatal, mas procura compreender a identidade entre indivíduos e povo como teleologicamente inserida no conceito de natureza” (LIMA, 2014, p. 345). Como vimos, Hegel lança mão desse recurso para dar ênfase a socialização em geral como desenvolvimento desde sempre intersubjetivo, uma vez que contra as teorias atomísticas, não poderiam instaurar a necessidade ontológica do outro

senão como já inscrita na própria natureza humana. Essa saída que embora tenha sido útil, demonstra também sua insuficiência.

A insuficiência teórica é aquela que vimos anteriormente com Habermas- como o apelo hegeliano a um princípio não moderno- mas que estamos aptos a explorar melhor agora: a citada insuficiência se apresenta como desprezo ao princípio moderno da subjetividade tendo em vista que o processo ético absoluto tem ares aristotélicos; isso deve ser entendido no sentido de não se expor e demonstrar o desenvolvimento da eticidade como processo interior e imanente à consciência; antes como desdobramento natural e, portanto, exterior à mesma e sua constituição:

o projeto de uma unidade entre a socialização institucional e a individualização, isto é, da eticidade substancial como preenchimento do princípio moderno da subjetividade, é deixada a um conceito teleológico de natureza tomado de Aristóteles, a um pressuposto que não parece passível de recondução ao conceito moderno de liberdade da consciência (LIMA, 2014, p. 345).

Em face dessa nova perspectiva, começa a se tornar problemática para Hegel a posição e o papel da natureza para suas formulações: segundo Lima (2014, p. 346) o direcionamento que toma o pensamento hegeliano vai gradativamente se desvencilhar do conceito de natureza para ampliação do papel do espírito como fonte única da eticidade humana: “É a partir de 1803-04, que a natureza passa a ser compreendida de maneira apartada do processo de vir a ser do espírito” (Ibid., p. 346), e continua Lima em sua tese, “Neste sentido, a partir de 1803-04 a filosofia prática passa a integrar aquela parte do sistema que constrói o retorno do absoluto enquanto espírito a partir de sua exteriorização na natureza” (Ibid., id.).

Hegel deve então, para cumprir com o princípio moderno, explicar a eticidade de modo imanente à própria consciência, não pelo modelo de intuição e conceito que marcou o sistema; ele só pode realizar esse passo se a eticidade for considerada como fruto do espírito, e esse apreendido pela consciência em seus modos de extrusão no movimento próprio que lhe caracteriza. Segundo Honneth (2003), começa a importar mais para Hegel a partir de 1804 em diante, com a publicação de sua Filosofia Real e outros textos Jenenses, como se constituem esses mediadores do espírito absoluto na efetividade e para a consciência, na qual também deve ser compreendida em gradação de etapas para de seu próprio desenvolvimento- constituindo assim a ciência da experiência da

consciência- para alcançar a eticidade absoluta. Doravante, o filósofo moderno tem na “arte, religião e ciência (filosofia)”, os meios pelo qual o espírito “obtém uma visão de sua própria constituição” (HONNETH, 2003, p. 70).

É justamente a questão de transformar o processo de subsunção da eticidade natural na eticidade absoluta em um movimento de autoefetivação do próprio absoluto que conduz Hegel à elaboração de uma teoria da consciência como sustentáculo da filosofia do espírito (LIMA, 2014, p. 350).

Nessa mudança de orientação geral da filosofia hegeliana, Honneth acusa Hegel de renunciar a um intersubjetivismo forte para a formação tanto da consciência quanto das próprias relações éticas. Primeiramente, a perda nessa mudança de orientação está em que a partir de agora o conflito não é mais ao mesmo tempo catalizador do processo de individuação e socialização, mantendo somente esse segundo aspecto. Segundo, isso ocorre devido ao processo de formação intelectual da consciência ter de abrir mão daquele estofo originário intersubjetivo, para pensar seu desenvolvimento como “automediação da consciência individual” (HONNETH, 2003 p. 65). Esse novo horizonte teórico transforma completamente a filosofia política de Hegel a qual passa de “uma análise da transformação gerida nas relações sociais, tomando aos poucos a forma de uma análise da formação do indivíduo para a sociedade” (Ibid., p. 66).

Se essas observações são corretas, Hegel pagou o ganho teórico da sua virada para a filosofia da consciência com a renúncia a um intersubjetivismo forte (...). Mas esse ganho teórico é pago com o abandono precipitado das alternativas da teoria da comunicação, inscritas também na referência a Aristóteles; a virada para a filosofia da consciência faz com que ele perca de vista a ideia de uma intersubjetividade prévia do ser humano em geral e lhe obstrui o caminho para uma solução inteiramente diferente, que teria consistido em realizar a distinção necessária de diversos graus de autonomia pessoal dentro do próprio quadro da teoria da intersubjetividade (Ibid., p. 66).

Assim, Honneth entende que o desenvolvimento posterior de Hegel é -atingindo seu ápice na Fenomenologia do Espírito (HEGEL, 2008a), e se mantendo programaticamente- aquele no qual a intersubjetividade perde seu lugar teórico anterior e decisivo, a saber, como medium das individualidades e estofo originário no qual retiram sua particularidade e veem confirmadas aqueles tipos de reconhecimento de sua identidade necessários para se conceberem ao mesmo tempo como seres individuados e socializados. O conflito perde seu lugar de abrangência do saber individual, e passa

apenas a ser local do saber universal. Até a Luta por Reconhecimento é essa a perspectiva de Honneth (2003), mas ela se altera ao longo de sua produção. Honneth desenvolve seu pensamento posterior na intenção de analisar o registro da intersubjetividade nos textos de maturidade de Hegel, notadamente em sua Filosofia do Direito (HEGEL, 2003), e a Fenomenologia do Espírito (HEGEL, 2008a). Nessa empreitada, redescobre possibilidades de entender a intersubjetividade no registro desses textos e ainda seu lugar teórico marcante.

Capítulo 3: A intersubjetividade no registro dos textos de maturidade