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Os produtos naturais representam uma importante fonte de estruturas químicas para a inovação em fármacos, porém a descoberta de fármacos a partir de fontes naturais apresenta vários desafios. Um dos principais gargalos é conhecer logo nas primeiras etapas de purificação de um extrato natural qual é a molécula responsável pela atividade biológica, sua novidade farmacológica e modo de ação. Os principais entraves para se obter esta informação é a obtenção do produto natural bioativo isolado, em quantidades adequadas para sua determinação estrutural, bem como para ensaios mecanísticos. Como mostrado aqui neste trabalho, o isolamento do produto natural bioativo pode não ser trivial e sua obtenção da fonte natural pode apresentar muitos problemas, até mesmo quando produzidos por bactérias cultiváveis em laboratório.

Visando contornar os problemas tradicionalmente encontrados, buscamos metodologias alternativas, as quais são passíveis de aplicação em escala miniaturizada (diminuição da escala de trabalho de muitos gramas para poucos miligramas) e sem a necessidade do isolamento do composto bioativo (evita a necessidade de isolamento de compostos, principalmente os produzidos em quantidades minoritárias). Assim, tal abordagem propõe o uso combinado de duas técnicas físicas ortogonais em amostras de produtos naturais cuja atividade biológica foi assinalada: i) a cristalografia de proteínas, por meio da captura cristalográfica do produto natural bioativo em cristais do alvo biológico, seguido de sua identificação e caracterização no complexo molecular; e ii) a cromatografia líquida analítica acoplada à espectrometria de massas, possibilitando análise global da composição química das amostras por redes moleculares MS/MS, a identificação e quantificação relativa de virtualmente todos os compostos químicos

presentes nas amostras químicas não purificadas. Os dados são analisados em conjunto, possibilitando a seleção do produto natural bioativo presente em uma mistura complexa, bem como a proposição e validação de sua estrutura química baseadas no espectro de fragmentação de massas e da de densidade eletrônica cristalográfica. Assim, é obtida a informação antecipada da estrutura química do produto natural bioativo, seu sítio e mecanismo de ligação à proteína alvo, de amostras de produtos naturais quimicamente complexas e não purificadas.

Neste trabalho foram analisados extratos produzidos a partir do cultivo de laboratório de bactérias marinhas frente a inibição da subunidade ChTL do proteassomo. O proteassomo é um alvo validado contra o câncer, para o qual há demandas para a descoberta de novos inibidores. Foram triados 24 extratos brutos de bactérias marinhas fornecidos pelo grupo de pesquisa da Profa. Leticia Costa-Lotufo da Universidade de São Paulo. Um dos extratos, BRA346, foi selecionado pela sua potência frente à inibição da subunidade ChTL do proteassomo. Foram geradas mais de 200 frações cromatográficas a partir dos extratos BRA346, as quais foram analisadas por triagem bioquímica e, as frações hit, pela abordagem integrada de espectrometria de massas e cristalografia de proteínas. As análises de BRA346, permitiram a aplicação das metodologias em desenvolvimento em nosso grupo de pesquisa, resultando na proposição do produto natural responsável pela inibição do proteassomo, em uma etapa de purificação e 1 semana de trabalho. Vale ressaltar que a proposição do produto natural inibidor deu-se já na primeira série de frações analisadas (cultivo 1). Isto é bastante importante, pois o fracionamento cromatográfico é uma das etapas mais laboriosas do processo de descoberta de produtos naturais, necessita de mais tempo, maior intervenção humana e uma quantidade muito maior da amostra química. A abordagem de correlação de dados de espectrometria de

massas com atividade biológica e cristalografia de proteínas permitiu chegar na proposta do produto natural inibidor, partindo de uma amostra bastante complexa (frações 57 e 58 do cultivo 1), a qual foi obtida a partir de apenas 5 mg do extrato bruto e apenas um fracionamento cromatográfico. Esta proposta, foi até aqui validada, por meio de mais duas séries de fracionamentos (usando aproximadamente 50 vezes mais amostra química).

O segundo cultivo do BRA346 teve como finalidade comprovar que o composto bioativo era o inibidor TMC-86A, ressaltando a eficácia da nova metodologia implementada. Porém, por se tratar de uma abordagem não usual, idealmente, teria sido realizado uma prova de conceito para validar a proposta estrutural do inibidor, ou do seu análogo, pela abordagem tradicional. Todo este trabalho, no entanto, não permitiu o isolamento total e a caracterização química estrutural da m/z candidata inicial 343,18 ou do análogo m/z 379,161 por RMN, uma vez que estes compostos estavam presentes em quantidades ínfimas na amostra química (0,002% e 0,56% do extrato bruto, respectivamente) e também porque há perda da massa ao decorrer do processo de purificação – dois dos grandes desafios da pesquisa com produtos naturais. Ainda assim, todos os dados gerados no presente trabalho corroboram para o apontamento do inibidor TMC-86A. O fato de não termos conseguido realizar sua elucidação estrutural pelo método tradicional enfatiza a importância do desenvolvimento da abordagem alternativa desenvolvida por nosso grupo.

Deste modo, pelo método tradicional de isolamento e caracterização de produtos naturais ainda estaríamos sem evidências do composto bioativo responsável pela inibição do proteassomo. As duas técnicas físicas ortogonais aqui empregadas – a cristalografia de proteínas e espectrometria de massas – são realizadas com nanogramas da amostra

química e são passíveis de automação. Além disto, por serem ortogonais, se auto validam, uma vez que as análises de espectrometria de massas estimam a fórmula e composição química da substância química, enquanto a cristalografia de proteínas revela a distribuição espacial e reatividade da molécula inibidora. Nesse sentido, essa dissertação de mestrado apresentou uma nova abordagem que funciona e provou ser eficaz na identificação antecipada do composto bioativo presente em uma mistura química complexa, como um extrato bruto, com um processo de purificação em escala miniaturizada. Portanto, espera-se que este trabalho possa contribuir para o avanço da pesquisa com metabólitos secundários, acelerando a busca e o desenvolvimento de novos fármacos vindos de fontes naturais.

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