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Procuramos compreender, neste trabalho, onde estão situadas e como se relacionam as potências que movimentam esta poesia atravessada por dualidades. Seguindo as pistas marítimas da poesia de Ruy Belo, encontramos na margem uma imagem-síntese da insubmissão, do atrito, da ambiguidade, valores tão caros ao poeta para quem “escrever é desconcertar” (BELO, 2004b, p. 10). Desejamos enfatizar, desse modo, que uma leitura dessa imagem na poética de Belo pode nos direcionar a uma compreensão mais viva e dinâmica de sua poesia.

Dando relevo aos aspectos que fazem da escrita de Ruy Belo uma escrita marginal, iniciamos nosso estudo mostrando que esse autor reivindica para si tal estatuto enquanto poeta e crítico. Para Ruy Belo, o sacrifício é inerente à poesia e o espaço periférico da margem, a recusa do centro, tem nisso um papel fundamental. Como vimos, o autor revoga posturas iconoclastas e mantém com a tradição aquela relação de vizinhança só proporcionada pela poesia, pois ela “é a melhor sala de que o poeta dispõe para conviver com os seus contemporâneos e a única sala onde pode receber e ouvir voz dos antigos” (BELO, 2002, p. 284).

Conceber a melancolia - a partir das formulações teóricas do conjunto de pensadores que nos ajudaram a pensar sobre os temas levantados e do diálogo com as representações pictóricas de Munch e Dürer - como experiência de entre-lugar e de espaço crítico foi de extrema importância para compreendermos as dualidades da poesia de Ruy Belo e para conferirmos um sentido possível à presença recorrente do espaço da margem e da orla marítima na poesia do autor. Tal imagem nos foi formalmente conveniente para estruturar nossa reflexão, embora tenhamos consciência de que a complexidade e a densidade da escrita de Ruy Belo, aquática que é, sempre vazam de formas muito fixas.

As estruturas antitéticas e paradoxais, o uso do enjambement, a ausência de pontuação, os ritmos frequentemente acelerados por uma rima aliterante fazem dessa obra um imenso labirinto com muitas saídas e entradas, no qual facilmente nos perderemos se não nos ancorarmos em um ponto, o nosso foi a margem. A “musa dual” do poeta admite o reconhecimento de duas potências criativas que podem se enriquecer mutuamente quando lidas

em conjunto. Por essa razão, procuramos ler a alegria à luz da melancolia e vice-versa. Desse modo, acreditamos que dando, neste trabalho, centralidade a essa imagem como possibilidade de entrada na poética de Ruy Belo, contribuímos para que essa imagem ganhe maior relevo em leituras posteriores.

Conforme buscamos argumentar, em sua face melancólica, essa escrita elegíaca se põe a chorar os “mínimos cadáveres”, os menores desgastes, as mais corriqueiras folhas que caem nas tardes de outono. Se precisássemos situar este lado da margem em um recorte sazonal de tempo, este sem dúvida seria os “finais do verão”, não completamente o outono, mas o limiar entre o verão e a estação dos filhos de Saturno, pois a poesia de Ruy Belo não se furta de tentar apreender o movimento, ainda que este seja um movimento de descida. Alternando a alegria com a dor, contemplando a fealdade e a beleza que experimenta no mundo, sua “despedida da terra da alegria” caminha para uma abertura aos aspectos trágicos da existência que, na sua poesia, se desdobrará em uma linguagem que estrutura antíteses e paradoxos, cada vez mais recorrentes e visíveis na fase final de sua obra.

Assim como a melancolia, a alegria que em sua poesia se manifesta também participa de uma dupla condição. É esse o sentido que atribuímos à alegria marginal alegorizada pelo poema-livro A margem da alegria (1973). A partir da leitura dessa obra, à luz da ideia de alegria trágica proposta por Clémant Rosset (2000), pudemos compreender a essência trágica da “impossível alegria” beliana. Nesse sentido, a intensificação da expressão de contradições e paradoxos está a serviço dessa compreensão, em alguma medida, trágica da existência.

A melancolia em Ruy Belo converte-se, então, em “desencanto reactivo” (BARRENTO, 1996, p. 86). Sem abrir mão da consciência da finitude, potente em sua lírica, Ruy Belo dá margem, isto é, abre espaço, em sua poesia a uma alegria afirmativa, reivindicando a vida e a liberdade frente a toda forma de opressão. A afirmação da vida em Ruy Belo é uma questão ética, sua alegria é um afeto político. Ela é a infância do homem, e é através dela que ele se aproxima de uma memória ancestral de plenitude. A linguagem, como aprendemos com Agamben (2013), é uma senda possível para aproximar-se desse estado. “Não mais cresça a criança fique fixa”, diz Ruy Belo em “Primeiro poema de madrid” (BELO, 2004b, p. 39). Sua responsabilidade ética faz da “palavra de arte” um instrumento de cultura, mas cultura de si mesma, via de si própria.

Esperamos que esta dissertação, longe de apaziguar questões, suscite outras. Como já dissemos, a poesia de um autor como Ruy Belo solicita leituras que incitem deslocamentos e

atritos. Ao ler sua poesia, experimentamos o desconcerto e a perturbação em que consiste, para esse autor, o escrever (BELO, 2004b, p. 10). Nosso objetivo foi, portanto, responder a isso seguindo as vias de sua experiência de escrita. Com Ruy Belo, estamos diante de um convite à vivência poética de uma margem que cinde a existência “nesta mesa que em duas se reparte” (BRANDÃO, 1999, p. 61). Nas alegorias medievais da morte, a dança reunia em coletivo universal todos os mortais. Pela metáfora da dança, a poesia de Ruy Belo nos convida: “Bailemos nós malditos marginais”. (BELO, 2004b, p. 39).

6. BIBLIOGRAFIA

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6.4. Outras fontes

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7. ANEXOS

Anexo 1

Melancolia, 1892 - Edvard Munch Óleo sobre tela, Oslo: Munch Museum.

Disponível em: <https://munchmuseet.no/assets/1892/_482x482_fit_center- center_75/Z-1.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2020.

Anexo 2

Melencolia I, 1514 - Albrecht Dürrer

Gravura, Nova York: Metropolitan Museum of Art.

Disponível em: em <https://images.metmuseum.org/CRDImages/dp/original/MM137 62.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2020.

Anexo 3

EM LOUVOR DO VENTO

Às vezes talvez uma simples dor no dedo mínimo de um pé ou o brilho nos olhos de uma mulher que passa e passa decididamente decerto para sente e sinto ser possivelmente essa mão

inconfundível devido a uma determinada pressão no ombro desde sempre esperada sim talvez essa dor ou esse brilho ou esse brilho e essa dor simultaneamente distraem-me do vento que roda lá fora que roda loucamente lá fora que roda como se rodar fosse para ele uma verdadeira maneira de ser

que roda envergando todas as suas vestes de inúmeras peças tufadas compridas e transparentes e ascende das areias invariavelmente passivas da praia humilde

feminina sensível às constantes embaixadas envolventes do mar

até às pedras altas do velho forte altas e altivas no cimo da sua altura e da sua idade na forma de um vulto esguio redondo e rodopiante de pinheiros ou simples ampulheta ou

[clepsidra O vendo a essas horas incertas perdidas da noite quando a obscuridade

desde há tanto que mais parece desde sempre cobriu com o seu manto todas as coisas designadamente os compridos corpos humanos

e abafou os miúdos inumeráveis ruídos que costumam acompanhar a luminosidade cega do dia entoa então por vezes nas árvores e nas casas em coisas como os arames e mais variadas

[saliências da terra o seu canto levíssimo levitante vagamente triste cortante mais cortante mesmo

que a faca cujo gume acaba de sair das múltiplas mãos dos móveis amoldadores

um canto que faz lembrar o uivo de certos animais feridos talvez na raiz da sua sensibilidade ou a súbita irrupção dos primeiros violinos numa sala abafada pelo veludo das cadeiras ou as

[peles das cadeiras ou as peles das senhoras da alta sociedade um canto próprio inconfundível decerto inolvidável para quem uma noite o ouviu

dificilmente dicionarizável porque as horas os académicos dormem

sonhando talvez com o discurso de ingresso de um novo membro na academia

e o vento é de uma sociabilidade altamente duvidosa e canta canta nas dobras da noite Eu estou deitado e então sinto a ponto dos pés nos lençóis recém-mudados

e imediatamente faço calar o coro que na rádio canta o messias de haendel e abre assim um espaço que não é o do meu quarto mas sim o da catedral de toledo aconchegada na penumbra de certas tardes dos fins de maio

O vento vem na sua suavíssima voz e toda a gente morre de súbito para mim os cuidados deitados talvez comigo desaparecem inspiro profundamente e sinto-me tão bem que até me parece penoso dizer que me sinto tão bem não vá eu deixar porventura de me sentir assim tão bem não vá o vento calar-se

Deve haver algures no meu corpo um lugar expressamente reservado para a voz do vento uma cavidade qualquer assim como as salas dos aeroportos destinadas às pessoas muito

[importantes mas esta minha só para o vento a única pessoa muito importante agora para mim

As ramadas das árvores agora sim agora devem viver agora devem manifestar vivamente que vivem

haverá talhadas luminosas e brancas na crista das inúmeras ondas do mar da baía e eu oiço completamente o vento e ouvir o vento é suficiente para me sentir visto para sentir as amplas asas da paz abertas no peito no leve leque das suas penas Desvaneceram-se decididamente na vasta sede da noite

as rápidas mulheres munidas de imensos pés que sem reservas amei

jamais imprimi palavra alguma nas páginas brancas do papel tão brancas e sucessivas como [dias não tenho passado nem coisas quaisquer a fazer acabo até agora mesmo de nascer

Neste momento sou apenas sou pelo menos desde os pés da cama até aqui à cabeceira a voz [vasta do vento e a minha cama range como quando pomos os pés nesses velhos sobrados onde se deixa

[grelando a batata cresce o ritmo da minha respiração o pulso bate-me cada vez mais apressadamente

volto-me vagamente vagarosamente mais ou menos lá para donde pressinto que o vento vem é possível que morra de um momento para o outro quando menos espere

e a cabeça me fique a baloiçar ao vento de um lado para o outro primeiro de parede para parede do quarto depois lá fora entre leste e oeste

Há um vento impetuosamente solto na noite da minha vida um vento mais louco do que mulheres esbeltas e lentas nos seus longos cabelos e sinto que as pontas dos pés me chegam mais longe cada vez mais longe e não leio na agenda nenhumas horas marcadas nem sei de locais de encontro

não necessito tomar o metro pedir um gin tónico que vá bebendo gole

a gole no bar deserto pensando talvez que ali esteve um dia hemingway esperando talvez como [eu saboreando o leve sabor amargo do gin desfazendo o limão vendo as cortinas esvoaçar ao vento O vento vibra na sua voz de vento alarga aos quatro cantos

aos inumeráveis recantos da noite as espirais translúcidas do seu vulto infunde uma vida irritante saltitante e irrequieta em coisas

como latas amolgadas e enferrujadas enferrujadas precisamente nas partes amolgadas como madeiras apodrecidas pelo salitre e pela chuva como portinholas desengonçadas o vento sopra na areia enverga as vestes cheias de folho e dobras

No documento Ruy Belo: uma poética da margem (páginas 84-114)

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