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“Identidades são, pois, identificações em curso” (Boaventura Sousa Santos, 1994)

As identidades são construídas e estão diretamente relacionadas com o contexto político social e histórico em que o individuo se encontra.

No contexto português, acompanhámos a negociação desta identidade nacional depois do 25 de Abril, no período pós-colonial, com a entrada em democracia, e com a europeização de Portugal, constituem fatores de instabilidade identitária e problematização de símbolos tradicionais portugueses.

É essa uma característica especial do caso português?

Não. O “regresso das identidades” faz-se de múltiplas formas e é agudizada em momentos de crise, diante ameaças de perda. Veja-se por exemplo o caso clássico das “comunidades imaginadas”, é precisamente na diáspora que a identidade nacional é forjada e que os traços culturais guardados na memória são substancializados em representações sociais. Quando a distância ameaça fazer perder a identidade nacional, ela reaviva-se e reinventa-se através de múltiplas representações.

A natureza do símbolo é o da persistência nas identidades. Num mundo aberto e globalizado onde se impõe um novo nomadismo e uma constante mutação de paisagens político-ideológicas, as referências culturais e identitárias ganham especial relevo.

Os universos simbólicos são processos de significação referentes a diferentes realidades sociopolíticas coletivas e individuais. Têm simultaneamente a função de ordenar a história, estabelecer hierarquias e legitimar a ordem institucional e a biografia individual. Quando falámos de símbolos nacionais observámos que eles se podem renovar e adaptar a novos contextos e narrativas de acordo com as necessidades das sociedades contemporâneas a que se destinam.

No âmbito desta dissertação de mestrado, considerámos três agentes principais na nova vinculação simbólica: a televisão, a publicidade, institucional e privada, e o design. É possível sugerir, mas não concluir, que estes agentes não são apenas meios de comunicação neutros que intensificam e partilham símbolos e capital cultural, mas sim

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agentes na criação, propagação e vinculação cultural de símbolos identitários nacionais. São portanto poderosas forças de reconstrução imagética da nossa memória coletiva. A sua potencialidade técnica revolucionou a imagem e trouxe polivalência e polimorfismo ao nosso imaginário visual.

Assim, no que diz respeito à televisão, analisámos séries de ficção de grande sucesso, acerca do colonialismo, o final da ditadura e a descolonização. A reconstrução da realidade social da época é feita através de roupas, produtos, e outros elementos do quotidiano. Eles tornam-se património cultural e afetivo comum entre o espectador e o mundo retratado na série. O espectador identifica-se com o que se passa no ecrã, através de memórias que também ele partilha ou dos mesmos objetos, ou de familiares, ou de roupas que ainda tem, fotografias das mesmas coisas, etc. A história é construída e reconstruída através de imagens, seja o discurso vigente ou de resistência, sejam as imagens reais ou reconstruidas. A televisão, nos casos analisados, fornece uma simbolização da história e do passado assente na narrativa do imaginário coletivo nacional e imprime-lhe um carater contemporâneo na forma como nos mostra o nosso passado, tendo por via de enredos romanceados uma maior e melhor identificação com os acontecimentos e valores retratados e uma eventual pacificação com o passado reprimido ou censurado.

A publicidade atua igualmente na criação de símbolos identitários nacionais, mas de modo diferente. Não se trata tanto aqui de utilizar a memória coletiva, mas a imagética nacional em torno de algum elemento comum que pode ir desde o mar ao futebol. Estamos aqui perante o recurso a valores associados a determinados elementos materiais e imateriais que conferem prestígio e notoriedade. No caso da publicidade institucional, o discurso é sobretudo histórico com recurso ao imaginário cultural identitário por meio de imagens e sons que distinguem e caraterizam a identidade portuguesa. No plano privado vimos que as marcas procuraram a conexão a valores identitários nacionais com os quais elas próprias se identificam que é alcançada sobretudo por meio da associação a eventos de carater coletivo ou a personalidades reconhecidas.

Como observámos, as sociedades contemporâneas revestem-se dum carater global assente no intercâmbio comercial e cultural. Na era global, a cultura ganha importância política e económica e naturalmente os símbolos identitários nacionais integram-se na sociedade de consumo. Desta forma, estes processos globalizantes potenciam o

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consumo massivo e tendencialmente homogéneo que leva à reprodução massiva e à unificação de símbolos, mas também fazem ressurgir os valores tradicionais e os símbolos identitários.

É neste contexto de desafio identitário que o design se assume como agente essencial, na medida em que alia a preocupação estética que lhe é inerente à capacidade criativa de reinvenção. Com efeito, os exemplos analisados mostram a importância do design na apropriação de símbolos e artefactos culturais identitários, independentemente do seu carater resistente ou vanguardista.

No caso do mercado da saudade, a lógica prende-se com o fenómeno retro e com recuperação de produtos e marcas antigas. Importa perpetuar o imaginário coletivo de determinada época, procurando não desvirtuar a imagem de determinados produtos ou marcas, mas não deixando de parte as exigências do público atual. Por outro lado, como vimos, no atual mercado português surgem novos projetos que mesclam velhas técnicas com novos conceitos e redesenham os símbolos identitários nacionais, revestindo-os dum carater contemporâneo. Estamos perante uma reapropriação predominantemente de símbolos e artefactos culturais que, não sendo necessariamente institucionais, são reconhecidos e identificados pelo coletivo nacional.

Importa portanto perceber quais as diferenças e semelhanças entre as narrativas de simbolização e representação nos discursos dos diferentes agentes analisados. Em primeiro lugar, destacamos a diferença entre o discurso representativo para dentro e fora do país. A narrativa interna no que diz respeito a representações institucionais tende a aludir ao nosso passado histórico numa estreita colagem ao imaginário dos Descobrimentos. Sobretudo quando se trata de causas comuns, tanto o discurso institucional como o privado exploram a memória coletiva dos heróis e vitórias nacionais apropriando-se delas e criando laços de identificação. Por seu turno, na narrativa externa não importa glorificar o passado, mas sim realçar as diferenças culturais e identitárias do país, tornando-as apelativas. O imaginário marítimo não deixa de estar presente; no entanto, assume aqui um carater distinto tornando-se um elemento identitário não pelo que representa historicamente para os portugueses, mas pela singularidade da condição geográfica do país, que transforma a carga negativa da condição periférica na sua maior força atrativa.

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Esta análise permite-nos apontar para a dinâmica simbólica que se acelerou na sociedade contemporânea, tal como nos sugere Lipovetsky (2007) quando se refere ao Ecrã Global. No entanto, a televisão, a publicidade e o design mantêm características próprias e diferenciadas no que diz respeito à forma como organizam o universo simbólico. Os símbolos identitários nacionais não desaparecem no interior da “imagem excesso”. O que desaparece é a estabilidade simbólica que caracterizava outras sociedades cujos meios de representação (a pintura, a escultura, a tapeçaria, etc.) eram duráveis. Os símbolos são para ser reinventados, sonhados, consumidos, trocados. Eles são frutos do estado-nação, da diáspora e das transformações históricas, politicas e sociais.

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