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4. Identidade portuguesa: Os símbolos nacionais e a construção da

4.2. A construção da portugalidade através da televisão e publicidade

4.2.1. Equador

Equador é uma série histórica (transmitida em 2008 pela TVI) baseada no romance

homónimo de Miguel Sousa Tavares publicado em 2003. A história tem início em Lisboa e decorre entre 1905 e 1908. A série

O protagonista, Luís Bernardo Valença, é um jovem, advogado, intelectual, com gosto pelas artes e pela cultura, herdeiro de um negócio de família na área da navegação. Um homem moderno, do novíssimo século XX, com opiniões fortes sobre a situação do país, nomeadamente sobre a administração do império colonial.

São precisamente estas características, que levam o rei a convidá-lo para o cargo de governador da colónia de S. Tomé e Príncipe. S. Tomé era na altura um dos maiores produtores e fornecedor de cacau da indústria de chocolate inglesa, que acusava os fazendeiros portugueses da prática de escravatura.

Luís Bernardo tem como missão impedir que o cônsul britânico (que o rei permitiu que se instalasse em S. Tomé e Príncipe para averiguar os factos) emita um relatório desfavorável e manter a região livre do uso de escravos, caso se confirmasse essa realidade.

O que este novo governador vai encontrar é uma colónia que em tudo se quer parecer com a metrópole de há 30/40 anos. Os colonos que há muito habitam estes territórios têm uma ideia desfasada do que é o Império Português e sobretudo rejeitam qualquer espírito de mudança.

O poder conservador instituído (secretário-geral do governo, presidente da câmara, juiz, vigário geral, major, condes, curador geral, médico e farmacêutico) rapidamente se incompatibiliza com as ideias modernas do novo governador, que faz sucesso entre as mulheres, que não se preocupa em se apresentar com trajes mais leves que os formais (dado o calor), que convive com os negros como se fossem brancos, que ouve música clássica e que não tem qualquer pudor em brincar com uma criança na rua.

Com a chegada do cônsul inglês e da sua mulher, o governador português vai finalmente ter com quem partilhar ideias e gostos. Os três são jovens, cultos e inteligentes. Partilham os mesmos ideais modernos o que rapidamente os aproxima e

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desperta o ciúme dos antigos colonos. O poder instalado começa a rejeitar este governador e a vê-lo mais como um inimigo do que como um aliado.

Esta pequena sociedade não vai olhar a meios para atingir os seus fins. E o seu fim é manter tudo como está, sem alterações nas suas vidas ou nas suas margens de lucros. A jovialidade, a graça e a leveza deste homem perfeito do início do século XX, desmoronam-se quando a chantagem, a solidão e a traição se apoderam de um espírito já desgastado pela desilusão que a vivência na colónia lhe provocou.

Como qualquer grande tragédia, o personagem principal falha o seu objetivo e escreve ao rei explicando que se demite porque falhou a sua missão. Em S. Tomé a realidade em que vivem aqueles a que chamamos cidadãos de Portugal é indigna para um país que se diz civilizado. A escravatura existe e continuará a existir naquele território.

O colonialismo português distingue-se do europeu sob diversos aspetos. A série em análise retrata algumas destas especificidades nomeadamente o carácter subalterno em relação a Inglaterra e o aspeto humanista na medida em que a relação entre colonizador e colonizado não só não negava a existência do “outro” como se traduziu numa miscigenação, o que não quer isto dizer que não existisse racismo nas colónias portuguesas.

Com efeito em Equador vimos o império dependente de uma decisão inglesa que assenta sobretudo numa questão racial. São Tomé é uma colónia produtora de cacau à custa de trabalho escravo. Os fazendeiros e órgãos representativos do poder real representam o espírito conservador ao passo que o governador e o cônsul inglês personificam os ideias humanistas e universalistas que à época era veiculados nas chamadas sociedades ditas evoluídas.

Personagens como uma mulata casada com um branco retratam as mudanças sociais que se impunham bem como a multiculturalidade e a miscigenação que caracterizaram o colonialismo português.

Esta série é o espelho do início do fim do colonialismo nos territórios portugueses e de todos os confrontos que dividiram gerações e coincide com a decadência da monarquia e os alvores da República bem como com a grave crise económica e política do Império Colonial Português.

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Através do confronto de mentalidades entre gerações, a série permite-nos refletir sobre o momento histórico da época, nomeadamente, a colonização e as liberdades fundamentais do ser humano, que à época não existiam nas colónias portuguesas.

Equador foi sem dúvida um sucesso televisivo. Para uma série de 30 episódios, foram mobilizados meios e fundos pouco habituais numa produção portuguesa. A série foi filmada nos quatro continentes e contou com a participação de atores bem conhecidos do espetador convidando-o a conhecer cenários e paisagens do império além-fronteiras, e sobretudo procurando dar-lhe a conhecer a vivencia e a mentalidade da época.

A série foi vista por mais de 1,3 milhões de pessoas, tendo atingido uma audiência média máxima de 17,2% e 43,2% do share (dados Marktest). No entanto, parece claro que o que desperta o espectador é o olhar contemporâneo do protagonista sobre o império português da época. Luís Bernardo personifica a visão contemporânea, um cidadão do mundo que respeita todos de igual forma independentemente da sua raça ou condição social e que se insurge contra as injustiças além do poder instalado. Este romance/série transmite de Portugal uma imagem que pode efetivamente gerar identificação, porque é a imagem de um Portugal moderno, com sentido de democracia e liberdade.