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A partir das ideias apresentadas, observa-se que, para se compreender a complexidade da elaboração de políticas públicas, faz-se necessário o entendimento de que sua criação perpassa por diversas esferas, seja no âmbito social, político, econômico, educacional e tecnológico, para, depois, e consequentemente, chegar-se à melhor alternativa/ação de se atingir todas as classes sociais e de maneira satisfatória. Tal caminho, portanto, entende que qualquer intervenção do Estado na realidade social é construída durante toda sua trajetória, ou seja, desde a elaboração até a operacionalização, e que, desse modo, o pretendido pela política pública venha a atender às reais necessidades da sociedade.

A construção de sistemas de captação e de armazenamento de água de chuva, como as Cisternas de Produção, as Barragens Subterrâneas, os Barreiros Trincheira, os Tanques de Pedra, as Bomba D’água Popular e as Barraginhas, provém de políticas públicas, por sua vez resultantes da relação entre os interesses da sociedade com a intervenção do Estado. Tais sistemas se configuram como “tecnologias sociais”, já que, além de considerarem e atenderem as necessidades das comunidades locais, possibilitam claramente o exercício do fortalecimento da democracia e da soberania popular. Todas as etapas da instalação dessas tecnologias ocorrem de forma interativa e isso motiva a participação dos diversos sujeitos no desenvolvimento social, político, cultural e econômico, para além de retratar a demanda efetiva da comunidade e de respondê-las.

São muitos os exemplos de fortalecimento da capacidade de organização e de mobilização social no Semiárido, que vislumbram a melhoria das condições de vida da população – ações de programas, como o P1MC e o P1+2, realizadas no Território do Sisal se enquadram nesta perspectiva. O trabalho de sensibilização junto às famílias envolvidas nos programas, por exemplo, firma o compromisso de se instituir um processo educativo simultâneo às ações desenvolvidas e aponta à necessidade de se avançar ainda mais no desenvolvimento das atividades cotidianas, numa perspectiva proativa e sociotransformadora, ligada à formação da consciência de direitos, à preservação e à conservação dos recursos hídricos e produtivos. O processo educativo simultâneo, portanto, vem para fortalecer a organização comunitária e a participação consciente e ativa nos movimentos sociais.

De modo geral, nos últimos anos ocorreram avanços em relação à intervenção das organizações da sociedade civil nas políticas públicas para o semiárido. Nesse processo, a ASA Brasil teve grande contribuição no Semiárido brasileiro. Esses avanços decorreram da

disseminação das alternativas de sistemas para a captação e para o armazenamento de água de chuva, bem como da incorporação dessas alternativas por programas federais.

Percebe-se, hoje, que questões singulares do semiárido têm marcado presença na pauta política do país, mesmo sem a ocorrência de períodos prolongados de estiagem, os quais eram motivo de alarde e de sensibilização nacional. A presença dessas questões é resultado do aumento da mobilização e das cobranças da sociedade civil organizada, no que tange à utilização das formas tradicionais de intervenção no semiárido; mobilizações e cobranças, estas, que vão acompanhadas de forte argumentação e da valorização das alternativas que estão dando certo até o momento – a exemplo, os programas de captação e de armazenamento de água de chuva, como o P1+2.

As ações de convivência com o semiárido, que vêm sendo implementadas nos mais diversos municípios e em seus Territórios, constituem-se em um processo inovador de formação e de mobilização junto às famílias locais. Essas ações vêm sendo difundidas no Território do Sisal e passam por processos, que vão da mobilização social, política, econômica e ambiental até à implantação dos sistemas.

Os mais importantes objetivos pretendidos pelo P1+2 é a descentralização do acesso à água e a suficiente estocagem, para as famílias beneficiadas com os sistemas do programa terem condições de produzir seus próprios alimentos; daí a priorização da construção de sistemas de captação de e de armazenamento voltados para a produção no Território do Sisal. As ações do P1+2 trouxeram, ainda, um investimento financeiro, na ordem de mais de 24 milhões de reais, que, ao mesmo tempo que beneficiou aproximadamente 3.000 famílias com os referidos sistemas, acabou, também, por envolver os mais diversos segmentos comerciais, tanto das comunidade diretamente envolvidas no programa quanto de comunidades adjacentes.

Diante da constatação dos principais problemas do semiárido no Território do Sisal, poderia se pensar, muito ingenuamente, que suas soluções sejam fáceis: bastaria, por exemplo, fazer com que as políticas públicas, direcionadas à região e à educação de seus seres sociais, fossem voltadas à questão da convivência com o semiárido, que os resultados logo apareceriam. No entanto, historicamente, o Estado Brasileiro sozinho, tem demostrado ser incapaz de dar uma resposta tão eficaz. Contudo, a articulação das entidades civis junto ao Estado, associada à experimentação e à disseminação de alternativas produtivas e de sistemas hídricos adaptados à realidade do semiárido, tem encontrado meios para a formulação de políticas públicas mais eficazes e de resultados mais significativos.

Por fim, vale a consciência de que a questão do acesso à água no Semiárido está repleta de desafios. Ao mesmo tempo que o governo investe em políticas públicas que visam à

convivência com o Semiárido – como os sistemas de captação e de armazenamento de água de chuva para consumo e para a produção de alimentos –, investe também em grandes obras que apresentam sistemas inadequados e insuficientes para mitigar o problema de acesso à água no Semiárido brasileiro, para auxiliar, favoravelmente, as comunidades dos Territórios que o compõem e para torná-las economicamente ativas. Vez por outra, portanto, vê-se a reincidência da equivocada ideia de “combate à seca”, ideia esta que, sim, merece ser combatida.

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