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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA MESTRADO PROFISSIONAL EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL - PLANTERR

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

MESTRADO PROFISSIONAL EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL - PLANTERR

GILBERTO FERREIRA DA SILVA NETO

CAPTAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE ÁGUA DE CHUVA NO TERRITÓRIO DO SISAL: O P1+2 NA AMPLIAÇÃO DO ACESSO À AGUA NO SEMIÁRIDO

Feira de Santana/BA 2015

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GILBERTO FERREIRA DA SILVA NETO

CAPTAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE ÁGUA DE CHUVA NO TERRITÓRIO DO SISAL: O P1+2 NA AMPLIAÇÃO DO ACESSO À AGUA NO SEMIÁRIDO

Relatório de elaboração de produto (mapeamento de sistemas de captação de água de chuva) apresentado ao Programa de Pós-graduação em Planejamento Territorial – Mestrado Profissional, do Departamento de Ciências Humanas da Universidade Estadual de Feira de Santana –, para obtenção do título de Mestre em Planejamento Territorial.

Orientador: Prof. Dr. Onildo Araújo da Silva

Feira de Santana/BA 2015

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“Colher a água, reter a água, guardar a água,

quando a chuva cai do céu. Guardar em casa,

também no chão

e ter a água se vier a precisão. No pé da casa, você faz sua cisterna e guarda a água que o céu lhe enviou. É dom de Deus, é água limpa, é coisa linda. Todo idoso, o menino e a menina

podem beber, que é água pura e cristalina. Você ainda vai lembrar dos passarinhos e dos bichinhos que precisam de beber.

São dons de Deus, nossos irmãos, nossos vizinhos. Fazendo isso, honrará a São Francisco,

a Ibiapina, Conselheiro e Padre Cícero. Você ainda vai lembrar que a seca volta e vai lembrar do velho dito popular: “É bem melhor se prevenir que remediar” Zele os barreiros, os açudes e as aguadas. Não desperdice sequer uma gota d’água!”

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AGRADECIMENTOS

Com a chegada de mais uma conquista pessoal, não poderia deixar de compartilhá-la com aqueles que convivem comigo cotidianamente e com quem divido minhas angústias, alegrias e tristezas. Dessa forma, agradecer é o mínimo que posso fazer.

Em primeiro momento, sou grato à mãe natureza e à luz divina, por proporcionarem, aos seres humanos, o dom da vida e, desta forma, claro, também a mim, proporcionarem momentos fantásticos, através do que o Planeta Terra apresenta diariamente.

Agradeço e dedico minha eterna gratidão a Luze Campos, minha companheira de todas as horas, que está sempre pronta para todos os momentos da minha vida, e que contribuiu bastante para que este trabalho fosse realizado, incentivando-me e me apoiando.

Também agradeço à base da minha vida, à minha família: minha mãe Janete, meu porto seguro, fonte de minha inspiração de vida e maior incentivadora em minha vida educacional; meu pai, Gerinaldo, sou-lhe grato pela sensatez, pela compreensão e pela confiança depositada em mim; e ao meu irmão Saulo, pelo companheirismo e pelo amor incondicional.

Aos meus familiares – tios, primos, cunhados, sogro, sogra e amigos –, que torcem sempre pelo meu sucesso.

Ao Professor Onildo, verdadeiro orientador, sou-lhe grato pela clareza nas ideias e pelo direcionamento nas abordagens a serem definidas no trabalho.

Às professoras Jocimara e Luzineide, pelas contribuições relevantes no andamento do trabalho.

Aos professores que compõem o excelente quadro de profissionais do Mestrado Profissional em Planejamento Territorial da UEFS.

Aos meus inesquecíveis colegas da Turma 1 do Mestrado, pelas vivências durante todo o curso e pela grande contribuição que trouxeram para minha formação de vida.

Por todo aprendizado proporcionado, agradeço, ainda, às entidades pelas quais passei em minha vida profissional: o MOC, a APAEB, o INSTITUTO COLÔNIA ESPERANÇA e, por fim, a ASAMIL, associação à qual estou vinculado atualmente.

Finalizo, agradecendo ao nosso imenso Semiárido, por me proporcionar momentos muitos felizes durante minha vida pessoal, acadêmica e profissional.

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RESUMO

A questão hídrica no semiárido foi e ainda é um processo que envolve diversos sentimentos e opiniões. A princípio partia-se da ideia do combate à seca como solução para resolver a problemática enraizada de que falta água no semiárido, através de políticas públicas que resultaram na construção de grandes obras hídricas e que ao final do processo atenderam apenas os grandes proprietários de terra. Mas, ao longo dos anos, começou-se a ter uma nova visão sobre estas questões e, desta forma, o que passou a ser proposto no semiárido foi a implantação da convivência com o mesmo, buscando alternativas e soluções que visem conviver com um fenômeno natural e inerente à região. Assim sendo, a sociedade civil organizada começou uma mobilização e formação de uma rede que viesse a fortalecer essas novas reflexões sobre a convivência, ideia esta oriunda de experiências desenvolvidas por agricultores experimentadores, associações, dentre outros agentes, desenvolvendo estratégias para minimizar as dificuldades das famílias, principalmente através da promoção do acesso à água durante os períodos de estiagens. Foi nesse contexto que surgiu a Articulação do Semi-Árido – ASA, uma rede composta por mais de 2000 entidades da sociedade civil, estabelecendo um elo entre elas em todo o semiárido para que, assim, pudesse adquirir uma força representativa nas diversas esferas da sociedade. Diante dessa nova iniciativa, algumas ações foram ganhando destaques como alternativas viáveis para a convivência com o Semiárido, dentre elas estão o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e o Programa Uma Terra Duas Águas (P1+2), programas estes que compõem o Programa Água para Todos, e se tornaram políticas públicas de Estado, onde o governo passou a direcionar recursos para execução destes programas para as entidades pertencentes à ASA. Sendo assim, a presente dissertação tem como objetivo principal, compreender o papel das políticas públicas voltadas para acesso à água e a convivência com o semiárido no Território do Sisal (Bahia/Brasil), enfatizando o papel do P1+2 nesse processo, como também identificar quais e quantos foram os sistemas implantados para captação de água de chuva por esse programa no referido território. Com os dados obtidos na pesquisa, foi constatado que desde a implantação do P1+2 no Território do Sisal em 2009 até 2014 mais de 24 milhões de reais já foram investido na construção de 2.217 sistemas de captação de água de chuva. Os resultados mostram que as políticas públicas implantadas tem proporcionado a democratização do acesso à água nas comunidades, entretanto, ainda existe a necessidade da universalização desses sistemas de captação e armazenamento de água de chuva nos municípios do Território do Sisal.

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ABSTRACT

The water issue in the semiarid region was and still is a process that involves many different feelings and opinions. At first, it stemmed from the idea of combating drought as a solution to solve the entrenched problems that lack water in the semiarid region, through public policies that resulted in the construction of large water works and that the process of the final attended only the large landowners. But over the years, emerged a new vision about these issues and, therefore, what has come to be proposed in the semiarid region was the implementation of coexistence with it, seeking alternatives and solutions that aim to live with a natural and inherent phenomenon to the region. Therefore, civil society organizations began mobilizing and training a network that would strengthen these new reflections on the coexistence idea that originated from experiments conducted by experimenters farmers, associations, among other agents, developing strategies to minimize the difficulties of families mainly through the promotion of access to water during periods of drought. It was in this context that the Articulation of the Semi-Arid – ASA, a network of over 2000 civil society organizations, establishing a link between them and throughout the semi-arid region, so that thus could get a representative force in the various spheres of society . Faced with this new initiative, some actions have been winning highlights as viable alternatives for coexistence with semiarid conditions, among them are the Program One Million Cisterns (P1MC) and the Programme One Land Two Waters (P1+2), programs these that make up the Water for All program, and have become public policy of the state, where the government went on to direct resources for implementation of these programs for those in the ASA entities. Thus, the present work aims to understand the role of public policies for access to water and coexistence with the semiarid in the Territory of Sisal (Bahia / Brazil), emphasizing the role of P1+2 in this process, as well as identify which and how many were systems in place to capture rainwater for that program in that territory. With the data obtained in the survey, it was found that since the implementation of the P1+2 in Sisal Land in 2009 until 2014, more than 24 million “reais” have been invested in the construction of 2,217 rainwater harvesting systems. The results show that the implanted public policy has provided the democratization of access to water in the communities; however, there is still the need for universalization of these catchment and rainwater storage systems in the municipalities of Sisal Territory.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 Delimitação do Semiárido Brasileiro 17

Figura 02 Delimitação do Território do Sisal 24

Figura 03 Cisterna de Placas de Cimento 42

Figura 04 Capacitação das Comissões Municipais 46

Figura 05 Mobilização e Seleção de Famílias 47

Figura 06 Curso de Capacitação das Famílias 49

Figura 07 Curso de Capacitação de Pedreiros 50

Figura 08 Encontro Microrregional de Monitoramento das Atividades 51

Figura 09 Intercâmbios de Experiências entre os Agricultores/as 52

Figura 10 Etapas para implantação dos sistemas de captação e de armazenamento de água de chuva

53

Figura 11 Cisterna Calçadão 55

Figura 12 Cisterna Enxurrada 55

Figura 13 Construção da valeta da barragem subterrânea 57

Figura 14 Barreiro Trincheira Familiar 58

Figura 15 Tanque de Pedra 59

Figura 16 Barreiro Trincheira Comunitário 60

Figura 17 Bomba D’água Popular 61

Figura 18 Barraginhas 62

Figura 19 Quintais Produtivos 63

Figura 20 Mapa do total de sistemas de captação de água de chuva implantados no Território do Sisal por município através do P1+2 (2009-2014).

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LISTA DE QUADROS, DE GRÁFICOS E DE TABELAS

Quadro 01 Programas de atuação do MOC 39

Quadro 02 Iniciativas de programas de acesso à água 43

Gráfico 01 Representação do total de sistemas de captação e de armazenamento de água de chuva construídos pelo P1+2, por tipo de sistema no Território do Sisal (2009-2014)

65

Gráfico 02 Grupo de municípios contemplados com maior diversidade de sistemas de captação e de armazenamento de água de chuva no Território do Sisal

69

Gráfico 03 Grupo de municípios classificados na faixa intermediária de diversidade desistemas de captação e de armazenamento de água de chuva no Território do Sisal

70

Gráfico 04 Grupo de municípios com menor diversidade de sistemas de captação e de armazenamento de água de chuva no Território do Sisal

71

Tabela 01 Programas implantados no Território do Sisal por outros financiadores

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Tabela 02 Representação dos valores investidos pelo P1+2 por municípios (2009-2014)

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LISTA DE SIGLAS

APAEB Associação dos Pequenos Agricultores Familiares de Serrinha ASA Articulação do Semi-Árido Brasileiro

BAP Bomba D’água Popular

BNB Banco do Nordeste do Brasil

DEFEP Departamento de Fomento à Produção e à Estruturação Produtiva DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra Seca

GTDN Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste GTI Grupo de Trabalho Interministerial

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IFOCS Inspetoria Federal de Obras Contra a Seca INMET Instituto Nacional de Meteorologia

IOCS Inspetoria de Obras Contra a Seca

MDS Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome MI Ministério da Integração Nacional

MOC Movimento de Organização Comunitária ONG Organização Não Governamental

OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público P1+2 Programa Uma Terra Duas Águas

P1MC Programa Um Milhão de Cisternas SAN Segurança Alimentar e Nutricional

SESAN Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

SIG Sistemas de Informações Geográficas

STR Sindicato de Trabalhadores Rurais

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 13

2. A ABRANGÊNCIA DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO ... 17

2.1 O Território do Sisal no contexto do semiárido brasileiro ... 21

3. A QUESTÃO HÍDRICA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À ÁGUA NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO: COMBATE X CONVIVÊNCIA ... 28

3.1 Antecedentes históricos: O Estado brasileiro como único provedor das políticas públicas para o “combate à seca” ... 31

3.2 A desconstrução da ideia do combate e a proposta da convivência com o semiárido brasileiro ... 34

3.3 O MOC e a APAEB Serrinha como agentes executores das políticas públicas de acesso à água no Território do Sisal ... 37

4. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O FORTALECIMENTO DO SEMIÁRIDO A PARTIR DO ACESSO À ÁGUA ... 41

4.1 Ações preparatórias e etapas que antecedem a construção dos sistemas de captação e de armazenamento de água de chuva ... 44

4.2 Os tipos de sistemas de captação e de armazenamento de água de chuva para a produção ... 53

4.2.1 Cisterna de Produção (Calçadão e Enxurrada) ... 54

4.2.2 Barragem Subterrânea ... 56

4.2.3 Barreiro Trincheira Familiar ... 57

4.2.4 Tanque de Pedra ... 58

4.2.5 Barreiro Trincheira Comunitário ... 59

4.2.6 Bomba D’água Popular – BAP ... 60

4.2.7 Barraginhas... 61

4.2.8 Quintais Produtivos ... 62

4.3 Os sistemas de captação e de armazenamento de água de chuva implementados no Território do Sisal ... 64

5. CONCLUSÃO ... 76

REFERÊNCIAS ... 79

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1. INTRODUÇÃO

No semiárido brasileiro, várias tentativas foram implantadas para minimizar uma dificuldade que vem influenciando diretamente a vida do povo desta região: a falta de acesso à água. Em sua maioria, as alternativas que foram sendo criadas pelo Estado Brasileiro não atendiam às necessidades reais destes povos (boa parte de baixa renda), já que grandes obras, como barragens, açudes, transposição de rios, por exemplo, eram/são executadas sem beneficiar as populações mais necessitadas. Neste processo, a centralização do acesso à água ficou condicionada aos detentores das terras, onde foram construídas tais obras, e, assim, a população do semiárido brasileiro – em especial, os pequenos agricultores e as famílias de baixa renda – convive com a escassez e com as irregularidades das chuvas, bem como com a inevitável necessidade de saírem de suas comunidades rurais, “fugindo da seca” para os grandes centros urbanos, em busca de melhores condições de vida.

Diante dessa realidade, órgãos governamentais, como, por exemplo, o Departamento Nacional de Obras Contra Seca (DNOCS), foram criados pelo Estado Brasileiro em 1909, com o intuito de tentar “combater a seca”. O insucesso de tal iniciativa, porém, deveu-se à visão equivocada que se tinha a respeito do assunto. Diferente do que se pensava naquele período, hoje se sabe que a seca é um fenômeno natural no semiárido brasileiro, e que, portanto, não pode ser combatida.

Na lógica do “combate à seca”, o semiárido brasileiro sempre foi alvo de concepções preconceituosas, sendo visto e descrito, geralmente, como uma região que se destaca pela pobreza, pelo chão rachado, pela falta de atrativos e de oportunidades. Com abrangência em nove estados, sendo oito da Região Nordeste – Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe – e o Norte de Minas Gerais, na Região Sudeste, o semiárido brasileiro foi e ainda é equivocadamente abordado pela mídia, pelos livros didáticos e por discursos prontos como uma região seca e “difícil de se conviver”.

Em meio a discussões e a contestações, novas reflexões foram aflorando, e a ideia central que se passou a ter, então, foi a da convivência com o semiárido, noção, esta, oriunda de experiências desenvolvidas por agricultores experimentadores, por associações e outros, que buscaram desenvolver estratégias para minimizar esta peculiar dificuldade, que traz sérias consequências para a população da região do semiárido. Para tanto, entidades sem fins lucrativos começaram a surgir, com o objetivo de trazer, para a população, algo que pudesse contribuir para o fortalecimento destas localidades, que passam pela dificuldade de acesso à água durante os períodos de estiagens.

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Deste modo, associações, sindicatos, pastorais, dentre outras entidades da sociedade civil organizada, foram contribuindo para o fortalecimento da coletividade, buscando alternativas viáveis para se conviver com o semiárido de forma sustentável e trazendo soluções pontuais e específicas para as comunidades. Uma dessas alternativas é a construção de sistemas de captação e de armazenamento de água de chuva, iniciativa que deu início a um processo coletivo com grande participação dos moradores das comunidades, os quais intervêm diretamente no planejamento local, traçando metas para a transformação do lugar onde vivem.

Com propósitos similares, entidades da sociedade civil, como Organizações Não Governamentais (ONGs), Sindicatos, Igreja Católica e outros, começaram a se articular e, então, buscar recursos (alguns destes oriundos de outros países), para o financiamento do que hoje se conhece por sistemas de coleta e de armazenamento da água da chuva, a exemplo das Cisternas de Consumo Humano, Cisternas de Produção, das Barragem Subterrânea, etc. Tudo isso permitiu o surgimento de políticas públicas de acesso à água, através das quais as esferas governamentais passaram a investir de forma mais intensa em projetos que possibilitam uma melhor convivência com o semiárido.

No conjunto dessas entidades que foram se articulando, um novo passo foi dado em 1999, com a criação da Articulação do Semi-Árido Brasileiro (ASA), cuja ideia central foi o fortalecimento da sociedade civil, para que a atuação dessas entidades se desse em forma de rede, para que pudesse estabelecer, assim, um elo entre elas em todo o semiárido, e para que pudesse ter uma força representativa nas diversas esferas da sociedade. O pretendido deveras aconteceu, pois as entidades se tornaram referência em diversos estados do semiárido brasileiro, no tocante à captação de recursos financeiros, e acabaram sendo consideradas os pilares na execução, no gerenciamento e na concretização destas ações, voltadas ao acesso à água e à convivência com o semiárido.

Entre as organizações de forte atuação voltada às comunidades rurais e aos agricultores familiares no semiárido baiano estão o Movimento de Organização Comunitária (MOC) e a Associação dos Pequenos Agricultores Familiares de Serrinha (APAEB Serrinha), que atualmente executam os programas de acesso à água e de convivência com o semiárido – dentre eles, o Programa Uma Terra Duas Águas (P1 + 2).

A ideia de investigar a importância das políticas públicas de acesso à água e de convivência com o semiárido surgiu da experiência adquirida nos trabalhos de campo, realizados em diversos municípios do Território do Sisal na Bahia, em projetos relacionados à construção de sistemas de captação e de armazenamento de água de chuva. Estas experiências permitiram uma aproximação da realidade vivenciada por comunidades que passam por dificuldades nos

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períodos de seca, e despertaram o interesse em entender melhor a importância das políticas públicas e do papel da sociedade civil organizada na contribuição da melhoria das condições socioeconômica de tais comunidades. Além disso, o interesse em debater sobre temáticas voltadas à convivência com o semiárido gira em torno do desejo de refletir e de buscar meios de desconstruir as concepções preconceituosas, comumente feitas acerca da região.

Nessa lógica, a presente pesquisa é importante, pois coloca em evidência um conhecimento mais aprofundado do semiárido, uma vez que apresenta suas reais características e potencialidades. Vale acrescentar ainda que trabalhos que trazem um diagnóstico da situação real de um território são extremamente importantes para que as políticas públicas sejam realizadas de modo que venham a beneficiar todos que estão inseridos no processo.

Para a construção e para o norteamento do trabalho, foram considerados os seguintes problemas de pesquisa: As públicas de acesso à água e de convivência com o semiárido têm trazido, efetivamente, benefícios para as populações? De que forma se dá o planejamento e a atuação do poder público, juntamente com a sociedade civil organizada na realização destes projetos? Como os sistemas de captação e de armazenamento de água de chuva estão distribuídos pelo Território do Sisal?

Sendo assim, a presente pesquisa tem como objetivo geral compreender o papel das políticas públicas voltadas para o acesso à água e à questão da convivência com o semiárido no Território do Sisal (Bahia/Brasil); e busca, para tanto, enfatizar o papel do P1+2 nesse processo, como também identificar quais e quantos foram os sistemas implantados para a captação de água de chuva por esse programa no referido território.

Para o alcance desse objetivo, foram considerados alguns objetivos específicos: identificar quais as políticas públicas de acesso à água e de convivência com o semiárido; analisar o papel da sociedade civil organizada, enquanto agente intermediador das políticas públicas, no planejamento destas junto ao Estado; fazer um levantamento quantitativo dos sistemas de captação e de armazenamento de água de chuva para produção no Território do Sisal; e, por fim, confeccionar gráficos, tabelas e mapa temático dos sistemas de captação e de armazenamento de água de chuva para a produção nos municípios do Território do Sisal.

Para o alcance de tais objetivos, a pesquisa foi desenvolvida, seguindo algumas etapas. Em primeiro lugar, realizou-se o levantamento bibliográfico, importante tarefa para obtenção de informações sobre determinado tema (LAKATOS, 2001). Neste primeiro momento, então, foram selecionados artigos, dissertações e livros, que tratam as temáticas voltadas ao acesso à água, às políticas públicas e, também, à questão da convivência com o semiárido.

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Para além do levantamento bibliográfico, foi realizada, ainda, uma pesquisa documental, a partir da qual se buscou resgatar as leis, as portarias e os decretos que legitimam os programas e os projetos de acesso à água, a exemplo do Decreto nº 7.535/2011 que institui o Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Água - “ÁGUA PARA TODOS”, o Decreto nº 7.272/2010 que define as diretrizes e objetivos da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e a Portaria nº 99/2013 que instituiu o Programa Nacional de Apoio à Captação de Água da Chuva e Outras Tecnologias Sociais de Acesso à Água – Programa Cisternas, entre outros.

Outro passo fundamental foi a pesquisa de campo, etapa esta realizada no Território de Identidade do Sisal no estado da Bahia. Foi feito um levantamento da quantidade de sistemas de captação de água de chuva, construídos no Território do Sisal, desde implantação do Programa em 2009 até o fim de 2014. O procedimento utilizado para tal levantamento foi a busca no acervo de dados das ONGs executoras do P1+2 no Território do Sisal, bem como a busca no Sistema de Informações Geográficas (SIG Cisternas), do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), por meio de visitas aos escritórios da APAEB em Serrinha/BA, nos dias 12,13 e 22 de Janeiro de 2015, e também do MOC em Feira de Santana/BA, nos dias 03 e 10 de Fevereiro de 2015.

Assim, todos os dados obtidos, referentes ao período especificado, foram, ainda, sistematizados. Paralelamente a isso, foram feitos, também, registros fotográficos dos sistemas implantados no território proposto.

Posteriormente, todos os documentos, os dados e as informações levantadas foram analisados, interpretados e organizados em gráficos, em mapas, em quadros e em tabelas. Por fim, como forma de melhor visualizar a distribuição destes sistemas de captação e de armazenamento de água de chuva para produção implantados no Território do Sisal, foi construído, ainda, um mapa temático, que apresenta a distribuição quantitativa de tais sistemas, instalados no referido território.

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2. A ABRANGÊNCIA DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO

Segundo definição do Ministério da Integração Nacional – MI (2007), o atual Semiárido Brasileiro se estende por nove Estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e o Norte de Minas Gerais (Figura 01).

Figura 01. Delimitação do Semiárido Brasileiro. Fonte: Ministério da Integração Nacional, 2007.

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Da construção de grandes obras contra as secas às atuais políticas públicas, o semiárido caminha do desencanto a um novo acalento (CHACON, 2007). O desapontamento é tão grande quanto a vontade de que soluções práticas sejam postas no dia a dia do povo. A quadra chuvosa, geralmente entre os meses de fevereiro e maio, muitas vezes taxada como o algoz do homem do campo, pode ser uma grande aliada (TUCCI & BRAGA, 2003). Assim sendo, compreende-se o compreende-semiárido como um sistema socioambiental complexo, onde compreende-se obcompreende-servam processos materiais de ordem física, biológica, simbólica, econômica, política e tecnológica, que podem se comportar para a sustentabilidade ou à insustentabilidade da região (DIAS, 2004).

Conhecida e confundida como Polígono das Secas, a região compreendia a área do Nordeste brasileiro reconhecida, pela legislação, como sujeita a repetidas crises de prolongamento das estiagens e, consequentemente, como objeto de especiais providências do setor público. O Polígono das Secas foi criado pela Lei nº 175, de 07/01/1936 e complementado pelo Decreto-Lei nº 9.857, de 13/09/1946. Pela Constituição de 1946, foi regulamentada a execução de um plano de ação contra os efeitos da denominada Seca do Nordeste. Na Lei nº. 1.348, de 10/02/1951, a área do Polígono foi revisada em seus limites; e, finalmente, o Decreto-Lei de nº. 63.778, de 11/12/1968, estabeleceu que caberia à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) determinar os municípios inseridos no Polígono das Secas.

Outro conceito técnico de semiárido é decorrente da Constituição de 1988. A Lei nº 7.827/1989 definiu como semiárido a região inserida na área de atuação da SUDENE, e cuja precipitação pluviométrica média anual fosse igual ou inferior a 800 mm. Em 2001, com o fim da SUDENE, o Ministério da Integração Nacional assume a tarefa de se posicionar sobre a questão de novos municípios a serem beneficiados politicamente, sob o argumento de estes também estarem situados dentro do semiárido. Sendo assim, por iniciativa do MI, foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), para redelimitar a área geográfica de abrangência do semiárido, uma vez que os critério em vigor desde 1989 levava em conta a precipitação média anual nos municípios dessa região e a atuação da SUDENE nestas localidades.

Como se sabe, a seca é um fenômeno físico, natural, atuando frequente e regularmente no Nordeste, repetindo-se entre 8 a 10 vezes em um século, certas vezes chegando a se estender por até cinco anos (DUARTE, 1999). Os conhecimentos acumulados sobre o clima permitem concluir não ser a falta de chuvas a responsável pela oferta insuficiente de água na região, mas sua má distribuição, agregadas a uma alta taxa de evapotranspiração, que resultam no conhecido fenômeno da seca, que atinge a população lá residente; isso porque toda a precipitação anual se concentra em três ou quatro meses, havendo grande variação de ano para

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ano. Dessa forma, “pode haver anos de seca total, sem chuva, com efeitos observados em todas as áreas da região, e anos de seca parcial, em que os problemas da seca são verificados apenas em algumas áreas dos estados do Nordeste” (CARVALHO, 2004, p.14).

Com base nessas constatações, em 2004, o Ministério da Integração se incumbiu de redelimitar a citada área. Para a nova delimitação, o GTI tomou por base três critérios técnicos:

1 – A precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 mm;

2 – O índice de aridez de até 0,5 calculado pelo balanço hídrico que relaciona as precipitações e a evapotranspiração, entre 1961 e 1990;

3 – O risco de seca maior que 60%, tomando-se por base o período entre 1970 e 1990; ou seja, o déficit hídrico.

A partir destes novos critérios, além dos 1.031 municípios já incorporados antes, passaram a fazer parte do semiárido outros 102, enquadrados em pelo menos um dos três critérios utilizados, totalizando, assim, 1.133 municípios pertencentes ao semiárido brasileiro. A área do semiárido passou, então, a ter 969.589,4 km², em relação aos 892.309,4 mil km² anteriores.

Segundo dados obtidos nos municípios do Semiárido, nos quais existem estações meteorológicas do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), dados, estes, baseados em série de 30 anos e publicados no livro Normas Climatológicas do Brasil 1961-1990 (RAMOS et al., 2009), a grande maioria dos municípios possui uma precipitação média entre 400 e 900 mm por ano, havendo municípios, como Triunfo-PE e Guaramiranga-CE, com precipitação anual média de 1409,8 mm e 1726,8 mm respectivamente (RAMOS et al., 2009). Entretanto, existem áreas do Nordeste com sinais extremos de degradação: os chamados “Núcleos de Desertificação”, como Gilbués-PI, Irauçuba-CE, Seridó, fronteira entre os Estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte, e Cabrobó-PE. Estima-se que o processo de desertificação, em virtude de impactos sobre o território, venha comprometendo de forma grave e muito grave uma área de 181.000 km2 (CIRILO, 2008). Tais impactos são decorrentes de modos de uso e de exploração inadequada na região, como desmatamentos, uso predatório dos rios e da terra, prática de queimadas, contaminação dos solos com agrotóxicos, dentre outros.

Para que o uso dos recursos naturais, especialmente da terra, da água e da vegetação, ocorra de forma menos degradante, é necessário que o processo de utilização aconteça junto com a preservação da capacidade produtiva desses recursos. Quando estes são mal trabalhados, a produtividade da agricultura é reduzida, os processos de desertificação avançam e os ecossistemas e os mananciais hídricos se tornam mais fragilizados. Além disso, o sustento das populações diminui e crescem a pobreza e a migração para as cidades maiores. Portanto, do

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ponto de vista social, são necessárias políticas públicas adequadas, para que a criação de emprego e de renda aconteça concomitantemente com políticas que assegurem a desejada racionalidade dos usos da água e dos recursos naturais de forma geral (CIRILO, 2008).

O problema da escassez de água reside no fato de chover, na maioria das vezes, em um período do ano e de modo concentrado, ao que se somam os processos inadequados de armazenamento e a falta histórica de políticas públicas que estivessem voltadas para a população mais afetada pelo problema da seca, ou seja, à população rural que vive longe das sedes municipais. A exemplo: se a água da chuva fosse captada e adequadamente armazenada, utilizando-se de várias opções tecnológicas simples e de baixo custo, como o caso da cisterna de placas, o seu suprimento para famílias e comunidades rurais que habitam o território de forma difusa espacialmente, estaria assegurado.

O clientelismo político do tradicional coronelismo que imperou secularmente no Nordeste brasileiro aprofundou as desigualdades socioeconômicas e a concentração fundiária, implementando soluções com gigantismo e ineficiência, alimentadoras da “indústria da seca”, e que efetivamente não mudaram a realidade na região. Assim, como afirmam Ruano e Baptista (2011, p.119),

[...] durante muito tempo e, em muitos casos, ainda nos dias de hoje, as únicas políticas oficiais destinadas à região foram aquelas denominadas de “combate à seca”, em formatos que mais nada faziam que manter a população na subalternidade e na dependência. Políticas estas, normalmente, veiculadas às barganhas pelo voto, mantendo o poder no domínio das mesmas pessoas e grupos, da elite dominante na região, e a população pobre no rodapé das políticas de desenvolvimento local e regional.

Essa situação, salientada por Ruano e Baptista, mostra que ainda existe a exploração dos habitantes da região semiárida, sustentada pela prática eleitoreira da doação de cestas básicas, de água e outros “favores”.

O problema reside, então, muito mais na falta de estruturas adequadas de armazenamento da água, diferenciadas daquelas que concentram o seu uso e a sua propriedade. Estudiosos da questão afirmam, claramente, que chove no sertão o suficiente para a manutenção e para o abastecimento da população, inclusive nos períodos de estiagem. O problema é que a evapotranspiração é muito grande, sendo agravada pela armazenagem inadequada da água. Sendo assim, as construções de barragens, em estilo de grandes e faraônicas obras, não respondem às necessidades da região e à democratização do acesso à água (GALINDO, 2008). A hegemonia das políticas de combate à seca, com contribuição decisiva dos meios de comunicação social, construiu, no imaginário popular e da própria nação, uma falsa ideia sobre

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o Semiárido: um lugar apenas de terra rachada e seca, onde se encontram carcaças de gado morto, crianças desnutridas, agricultura improdutiva.

Deste modo, o que era resultado da falta de estrutura e de políticas públicas condizentes com as reais necessidades da região, virou resultado da falta de água, e o que era a ausência do Estado, enquanto provedor de políticas públicas adequadas, passou a ser a incapacidade do povo de inovar e de criar alternativas para conviver com as condições de semiaridez da região.

Em relação ao aspecto político, Castro (1992) apresenta o semiárido como uma região, onde o sistema político tem desempenhado um papel na construção de um ideal das teses dependentistas, ideal, este, apropriado pela elite regional, para a elaboração do discurso da “dificuldade econômica da região atrelada ao clima”, tornando, desse modo, os indicadores sociais limitados ao não crescimento, ao não desenvolvimento. A referida autora reporta, à época, o debate sobre política na região, onde

Do ponto de vista da abordagem política, o Nordeste era também o espaço dos “coronéis”, da “oligarquia” latifundiária, das eleições fraudulentas e das violentas disputas pelo poder político. A manipulação interesseira dos recursos destinados às obras contra as secas e a obtenção de favores políticos, via clientelismo, eram fatores conhecidos [...] (CASTRO, 1992, p.59-60).

Mas hoje, diferente do que Castro relata sobre o contexto político nas décadas de 1980 e 1990, esta realidade vem mudando, pois a participação social acontece e mais intensamente: a sociedade civil organizada tem um papel fundamental na formulação da opinião pública, e vem, a cada dia, ganhando mais espaço na conjuntura política do país; as pessoas, portanto, tem exercido, com certa vivacidade, seu papel na construção de uma sociedade mais equitativa.

2.1 O Território do Sisal no contexto do semiárido brasileiro

O território é uma categoria que está associada a vários conceitos, que vão desde a dimensão natural do território – relacionada, por exemplo, à territorialidade animal – até a dimensão política – mais presente nos dias atuais –, passando, ainda, pelas abordagens econômicas e culturais. Entretanto, apoia-se, aqui, a ideia de território com sendo uma porção do espaço suscetível a relações sociais que são sempre relações de poder (HAESBAERT, 2001). Em outra palavras, trata-se de uma porção do espaço que está propícia a relações de poder, tanto do espaço quanto do indivíduo.

O enfoque territorial tem sido uma das estratégias adotadas pelo Governo Federal e por alguns estados da federação, na busca da implementação de políticas públicas voltadas para o

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desenvolvimento rural, sendo, no caso baiano, os territórios de identidade as unidades de gestão. A partir de 2003, com as diretrizes do Governo Federal e com a adoção da Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT), criou-se a possibilidade de se repensar o desenvolvimento das áreas rurais e da Bahia como um todo, o que suscitou um salto qualitativo na promoção de políticas públicas no referente estado, onde, inclusive, os movimentos sociais veem a possibilidade de interferir na criação, na implementação e na gestão de políticas públicas, mediante debate mais aberto com a sociedade. A política de desenvolvimento rural, na ótica territorial, busca a coerência político-ideológica e a prática de gestão e de planejamento, as quais, por sua vez, exigem um exercício teórico–conceitual permanente, para a consolidação das ações e para a compreensão das dificuldades e potencialidades; e uma vez que esses elementos condicionam as estratégias de desenvolvimento, o reconhecimento social e o empoderamento das comunidades rurais, pode-se atribuir, a eles, papel relevante à política de depode-senvolvimento rural.

Portanto, discutir a noção de “territórios” não implica desenvolvimento nem democracia, pois os territórios, por si mesmos, não definem as formas das relações sociais. A problemática vai além: reside nas relações de poder e no desafio da inserção popular no gerenciamento de seu próprio destino, como também a inserção de participação popular, através das organizações sociais, pressupõe a descentralização da execução e da formulação das políticas públicas (TONNEAU & CUNHA, 2002).

Nessa perspectiva, no ano de 2007, o Governo da Bahia delimitou os Territórios de Identidade (ANEXO I), em vigor até o presente momento, sendo, estes, instrumentos de planejamento do Estado. Na delimitação desses territórios,

[...] o Estado foi dividido segundo suas características particulares, que incluem a cultura local, aspectos sociais, econômicos, necessidades, a identidade, as relações de pertencimento e, também, aspectos geográficos. Configura-se uma divisão de acordo com todas essas características, possibilitando uma melhor dinâmica das políticas públicas e maior eficiência no desenvolvimento local (SILVA, 2008a, p. 68).

Dessa maneira, então, o Governo da Bahia organizou 27 territórios; alguns deles, como o Território do Sisal, são geograficamente idênticos aos estabelecidos pelo Governo Federal, e reconhecem, em seu planejamento territorial, a existência de espaços constituídos a partir da especificidade dos arranjos sociais, culturais e econômicos (FAVARETO, 2009). Uma evidência desta política de planejamento territorial foi a criação da Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade (CET), em 2007, vinculada à Secretaria de Planejamento da Bahia

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(SEPLAN) e responsável pelo diálogo da sociedade civil organizada com as instituições públicas.

Segundo Favareto (2009), o exemplo da Bahia é o mais avançado do Brasil na adoção do enfoque territorial. O efeito positivo pode ser percebido pelo reconhecimento de autoridades e de instituições (públicas, privadas, nacionais e estrangeiras), que asseguram que a Bahia é referência no enfoque territorial como estratégia de gestão e de planejamento público. Entretanto, é importante ressaltar que o processo de planejamento de ação do referido Estado, no âmbito das políticas territoriais, é, ainda, muito recente, e cuja integração, dentro do próprio Governo da Bahia, não acontece de fato, devido às respectivas e particulares atuações de suas Secretarias. Portanto, a abordagem territorial apresenta não apenas soluções para os problemas do desenvolvimento, mas traz, igualmente, novos desafios para a gestão pública (FAVARETO, 2009).

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010), considerando a extensão territorial dos nove estados do Semiárido Brasileiro, a Bahia é o Estado que possui maior abrangência (391.485,078 km2), maior número de municípios (266) e maior número de

habitantes (6.740.697) inseridos na porção semiárida. Dentre os 27 territórios de identidade delimitados, encontra-se o Território do Sisal (Figura 02), que é composto por vinte municípios: Araci, Barrocas, Biritinga, Candeal, Cansanção, Conceição do Coité, Ichu, Itiúba, Lamarão, Monte Santo, Nordestina, Queimadas, Quijingue, Retirolândia, Santaluz, São Domingos, Serrinha, Teofilândia, Tucano e Valente.

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F igu r a 02 . D el im it a çã o do T err it ó ri o do S is a l. F o n te : M ini st ér io do D es en v o lv im en to A g rá ri o , 2010 .

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O “Território de Identidade do Sisal” é produto da herança fundiária, da situação socioeconômica e das dinâmicas culturais, produtivas, populacionais e ecológicas específicas (NASCIMENTO, 2008). Essa denominação é resultado das transformações ocorridas na sociedade brasileira, bem como da mobilização e da atuação de diversos agentes sociais que vêm colaborando para a organização deste território e para a perspectiva de construção da territorialidade (SANTOS, 2011).

No processo de territorialização, esse recorte espacial foi caracterizado, historicamente, como um espaço social economicamente alterado, por causa da influência da cultura sisaleira, da precariedade na ocupação da mão-de-obra e da presença de trabalho infantil no meio rural. Nesse sentido, como afirma Santos (2011), a estruturação do Território do Sisal se apresenta de forma enigmática, uma vez que se configura

[...] pela existência de um contexto de prevalência do uso da seca e das adversidades físicas, durante décadas, para justificar a constante ampliação da pobreza e da miséria, da precariedade das condições socioeconômicas e do conservadorismo político, cuja história brasileira registra a produção dos processos de cooptação e clientelismo político, passividade e conformismo social (SANTOS, 2011, p.29).

Dentro dessa lógica, o que se percebe no Território em questão é a presença marcante dos pequenos agricultores familiares, que, pelas dificuldades decorrentes da convivência com a seca e com a falta de investimentos, sempre estiveram mais propícios à subordinação e à opressão dos grandes proprietários de terras, que detinham, também, o poder político. Cabia, então, a esses pequenos agricultores familiares, apenas oferecerem sua mão de obra como trabalhadores rurais e se submeterem ao trabalho árduo do sisal, sem a proteção necessária (o que os tornava ainda mais suscetíveis às trocas de favores).

Excluídos por longo tempo dos investimentos públicos, os moradores dos municípios pertencentes ao Território do Sisal vêm tentando, porém, modificar esse contexto, através da intensificação das práticas de mobilização, de organização e de articulação da sociedade civil. Desse modo, esses moradores criam condições e elementos necessários ao reforço de sua identidade e de seu sentimento de pertencimento. Essas práticas, então, são as responsáveis pela redefinição das relações entre o Estado e a sociedade, e estão se fortalecendo, a cada dia, com o surgimento e com a ampliação dos espaços públicos de discussão e de decisão política, dos fóruns sociais de debate, e, também, com a intensificação da ação dos movimentos sociais, dos fenômenos de associativismo e do cooperativismo. Para se ter uma noção dessa realidade, Santos (2011) identificou pelo menos 2.166 associações e 38 cooperativas registradas nos

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cartórios dos 20 municípios do referido território, o que demonstra a propagação de uma rede de articulação da sociedade.

O envolvimento popular, evidenciado pelas práticas do associativismo e do cooperativismo, leva à gestão participativa, promovida por ações de cidadãos ativos, qualificados para interferir na gestão e capazes de privilegiar aquilo que é público, o bem comum e o interesse de todos. A gestão participativa promove, assim, um novo vínculo entre representante e representado, tanto no sentido de que alarga e reformula a representação quanto no sentido de que dá novo valor e novo espaço à democracia participativa (NOGUEIRA, 2004). Uma das principais atividades agrícolas de alguns municípios do referido Território, advém da produção do sisal, cientificamente conhecido como Agave Sisalana Perrine1. O

cultivo do sisal é desenvolvido em pequenas propriedades, e o processo de extração da fibra é feito de modo semiartesanal, com grandes riscos para a saúde dos trabalhadores. Aliado ao processo produtivo do sisal, encontra-se, também, como atividades econômicas importantes, a ovinocaprinocultura e os cultivos próprios da agricultura de subsistência. Vale mencionar, ainda, a agricultura familiar, que coloca em evidência a questão do acesso e da permanência do agricultor no campo. Essa última, então, constitui-se como estratégia para o Território, já que “é capaz de gerar renda, fixar o homem no campo e promover um cultivo orgânico, contribuindo para o uso racional do meio ambiente” (SILVA, 2008a, p. 93).

Assim como no semiárido, o Território do Sisal é caracterizado por longos períodos de estiagem. Apresenta uma temperatura média anual que varia entre 23,6ºC e 24,9ºC, e, consequentemente, elevada evapotranspiração. A precipitação pluviométrica é periódica, irregular e, na maioria das vezes, marcada pela presença de chuvas torrenciais, que são rápidas, intensas e comuns em locais em que a temperatura é elevada e em que há uma grande evaporação.

A vegetação predominante do Território é a caatinga2, também conhecida como “mata branca”. Encontra-se em processo de degradação e, num estado mais avançado, apresenta indícios de áreas de desertificação. Tal quadro é decorrente da exploração desordenada, do excessivo uso e ocupação desordenados do solo, da atividade mineradora e do intenso desmatamento, realizado para a ampliação de pastagens e de áreas de cultivo.

1 Planta cultivada em locais de baixa pluviosidade, adaptada a regiões semiáridas, apresentando estruturas peculiares de defesa contra as condições de aridez (MIRANDA, 2011).

2 A caatinga corresponde ao maior de um conjunto de quatro biomas do Estado da Bahia, ao lado de Mata Atlântica, Manguezais e Cerrado. É considerada rica a biodiversidade: nela existem mais de 600 tipos de árvores conhecidas, enquanto em toda Europa o número não passa de 100.

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A hidrografia é caracterizada pela intermitência de rios e de riachos, sendo comum o desaparecimento dos mesmos nos períodos de estiagem. Assim, o que se destaca no Território do Sisal

é a [...] bacia do rio Itapicuru, principal fonte de água para os municípios do território. Porém, a sub-bacia do rio Jacuípe, que é afluente do rio Paraguaçu, um dos mais importantes rios da Bahia, contribui com as suas águas para a Adutora do Sisal, que abastece os municípios de Valente, São Domingos e Retirolândia. Além disso, as água subterrâneas do aquífero de Tucano são fundamentais para abastecer os demais municípios (SANTOS, 2011, p.38).

Estas características físicas e ambientais predominantes no Território do Sisal, atreladas ao reduzido investimento público e às poucas técnicas de acesso, de captação e de armazenamento de água, dificultam a atividade produtiva da agricultura familiar, pois compromete a produção, a estocagem e a venda de alimentos, sobretudo nos longos períodos de estiagem.

É nesse contexto que o poder público, juntamente com a sociedade civil, ONGs e outros agentes, deve focar em ações estruturais, que venham a garantir uma educação contextualizada, a qual responda aos desafios do referido Território; em outras palavras, uma educação que priorize a convivência com a seca e com o uso de sistemas que garantam a infraestrutura hídrica e a assessoria técnica adequadas, para o efetivo desenvolvimento rural. Sendo assim, o fortalecimento dos agricultores familiares do Território do Sisal será certo e promissor, e melhores serão as condições de vida do moradores da região em questão.

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3. A QUESTÃO HÍDRICA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À ÁGUA NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO: COMBATE X CONVIVÊNCIA

A água é um elemento natural fundamental para o desenvolvimento e para a manutenção da vida. Considerada como o mais importante recurso natural da humanidade, ela funciona como regulador térmico, amenizando os climas do planeta.

Como se sabe, toda água existente na Terra realiza um movimento cíclico, passando por várias fases até retornar, novamente, à atmosfera. Nesta, o vapor d’água se condensa, forma nuvens e, depois, precipita sobre os continentes e sobre os oceanos. Quando na superfície, a água tem a possibilidade de seguir três caminhos: o escoamento superficial, que ocorre quando a capacidade de absorção da água pela superfície é superada, formando-se, consequentemente, os córregos, os rios e os lagos; a infiltração, que realiza o recarregamento das reservas freáticas e a reidratação dos solos; e a evapotranspiração, conhecida pela simultaneidade dos processos de evaporação e de transpiração, os quais transferem água para a atmosfera por evaporação da água do solo e da vegetação úmida, e por transpiração das plantas (SENTELHAS e ANGELOCCI, 2009). Todos esses processos – precipitação, escoamento superficial, infiltração, evapotranspiração – se integram e compõem o assim chamado Ciclo da Água, dinâmica essencial para a renovação da água na Terra.

Assim, a disponibilidade da água no planeta depende do ciclo hidrológico, que, por sua vez, está sujeito a variações de local para local. Essas variações estão associadas a diversos fatores, que influenciam em cada lugar, como a posição latitudinal, as estações do ano, a proximidade do mar, além de outros de grande relevância, como o relevo, a vegetação, o solo, o clima e as atividades humanas. Isso mostra que

[...] a questão da água, do ponto de vista natural, só pode ser entendida se trabalhada de uma forma sistêmica. Padrões globais podem ser estabelecidos, mas a articulação desses padrões com os condicionantes regionais e locais são fundamentais para entendermos a dinâmica hídrica (SILVA, 2008b, p. 58).

Ainda que a sociedade reconheça a importância da água, em especial a da água potável, é comum a ocorrência de práticas que vão de encontro ao cuidado com este escasso recurso. A consequência disso é a alteração do ciclo hidrológico, ocasionada, principalmente, pelo intenso uso da terra, como em atividades de desmatamento, de emprego de práticas agrícolas indevidas e de urbanização; tais ações terminam por diminuir a evapotranspiração e por aumentar,

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consequentemente, a temperatura local, o que gera, a longo prazo, alterações climáticas significativas.

Como desdobramento do amplo crescimento urbano, é visível também uma desenfreada poluição dos rios, seja por dejetos humanos e/ou por indústrias, o que vem a prejudicar o equilíbrio do sistema. Derísio (2000, p. 13) salienta que, contaminando a água, “corremos o risco de destruir [...] os organismos e, assim, de transfigurar o processo de autodepuração e mesmo de modificar, de maneira desfavorável e irreversível, o meio vivente”.

Para além da questão da poluição, identifica-se o agravante da distribuição da água potável, que, como se sabe, não é igual em todas as regiões. Conforme destaca Silva (2008b, p. 56),

[...] há uma distribuição desigual dessa água potável, de sorte que nas zonas úmidas, como nas áreas das bacias dos rios Amazonas ou Congo, por exemplo, há disponibilidade todo o ano, o que não acontece nas regiões áridas e semiáridas (SILVA, 2008b, p. 56).

É certo, ainda, que a alteração no ciclo hidrológico afeta o planeta como um todo, mas que, associada a características naturais específicas, atinge principalmente as regiões em que esse recurso é mais escasso, como, por exemplo, o semiárido brasileiro.

Portanto, fica evidenciada a necessidade de implantar ações efetivas que garantam uma melhor conscientização, planejamento, gestão e uso dos recursos hídricos. No Brasil, por exemplo, leis específicas vieram para embasar tal discussão e indicar os caminhos para a implementação de ações dessa natureza, como se verifica na Política Nacional de Recursos Hídricos, a qual, através da Lei nº 9.433/97, instituiu como seus fundamentos:

I - a água é um bem de domínio público; II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades (BRASIL, 1997, p.01).

Como se observa no artigo 1 da Política Nacional de Recursos Hídricos, a água é um bem de extrema relevância e, por ser limitado e dotado de valor econômico, é necessário geri-lo, obrigação, esta, que compete não só ao Estado, mas também à sociedade de um modo geral. Ainda que a Lei nº 9.433/97 determine os fundamentos anteriormente citados, é importante

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refletir e notar se eles estão sendo seguidos, conforme as exigências legais, uma vez que nem sempre o Estado executa ações para o alcance de todos e prioriza, muitas vezes, os interesses de uma minoria econômica e socialmente privilegiada.

É fato que certos esforços vêm sendo empreendidos com a intenção de implantar infraestruturas capazes de disponibilizar água para garantir o sustento humano e animal. Ao se percorrer o semiárido brasileiro, por exemplo, pode-se observar, na paisagem, a presença de obras (até então não concluídas), como a Transposição do Rio São Francisco3, o Canal do Sertão Alagoano4, dentre outras. Resta saber se a maioria da população local será, realmente, a principal beneficiada, como propõem os objetivos centrais das referidas obras.

Assim, a questão hídrica no semiárido brasileiro está diretamente ligada com a chance de conseguir a construção de um caminho de desenvolvimento sustentável que preserve a capacidade de produção dos recursos naturais. O desencadear de políticas públicas que elevem a qualidade de vida econômica de seus habitantes deve ocorrer conjuntamente com políticas de descentralização dos recursos hídricos. Portanto, para ocorrer a sustentabilidade é necessário que a base natural seja utilizada de forma responsável, não excedendo a sua capacidade de renovação.

O papel dos governos deve ser não somente na construção, mas ir além e gerir bem os recursos hídricos e toda sua infraestrutura, garantindo o uso social da água e tornando-a capaz de ter condições de uso sustentável. O trabalho conjunto com o público não estatal e a iniciativa privada é interessante no que se refere à mobilização e conscientização do problema, mas é dever do Estado a elaboração e, ainda mais, a execução de políticas que construam espaços de cidadania, focando de maneira sistêmica a sociedade.

Vale destacar, entretanto, que nem sempre as ações dos governos estiveram voltadas à gestão dos recursos hídricos, não priorizando o uso social da água. No semiárido brasileiro essas ações, historicamente, foram marcadas pela implementação de obras hídricas emergenciais e paliativas que buscavam, estrategicamente, beneficiar a elite política, os grandes empresários e latifundiários em detrimento da maioria da população como pode evidenciado a seguir.

3 Projeto que visa desviar parte das águas do Rio São Francisco, para alimentar rios temporários e açudes, através de canais e de estações elevatórias, destinados ao abastecendo de grandes centros urbanos, como Juazeiro do Norte, Crato, Mossoró, Campina Grande, Caruaru, dentre outras cidades no semiárido.

4 O Canal visa retirar água do Rio São Francisco, com o objetivo de aumentar a disponibilidade de recursos hídricos para usos múltiplos dos recursos naturais, tais como abastecimento humano, dessedentação animal, agricultura irrigada, pecuária, aquicultura, agroindústria, mineração, turismo e lazer. O projeto pretende atender a 42 municípios do estado de Alagoas.

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3.1 Antecedentes históricos: O Estado brasileiro como único provedor das políticas públicas para o “combate à seca”

O relato de períodos de secas no Nordeste do Brasil remonta ao século XVI (ALVES, 1953), sendo uma constante, na literatura, a abordagem sobre esse fenômeno histórico e sobre a convivência de grande parte do povo nordestino com ele. Uma das mais catastróficas secas foi a de 1877-79, responsável pela ceifa de cerca de 500 mil vidas. O Império, governo da época, adotou – em vão, porém – alguns procedimentos, como a implementação de sistemas de irrigação e a construções de açudes e de barragens (GUERRA, 1981). Muitos desses projetos não saíram do papel ou foram mal elaborados.

Ano após ano, governo a governo, atribuiu-se, à seca, a grande limitação do desenvolvimento da região nordestina. As ações costumeiramente adotadas – como a distribuição de cestas básicas e o uso de carros-pipas – eram quase sempre insuficientes para a reversão do complicado quadro, e, assim, a solução para a demanda de água e para a fome da população nunca era conquistada. Como consequência, a cada ano, ficou evidente que tais ações, recorrentemente adotadas, eram meramente paliativas, pois apenas atenuavam, e por curto tempo, o problema da escassez de água, além de gerarem dependência à população acometida pelo problema.

Essas ações paliativas, portanto, além de não modificarem a complexa situação vivida pela população rural (quem mais sofria/sofre com a escassez de água), influenciam, ainda, nas grandes aglomerações urbanas – devido ao aumento da saída de famílias da zona rural às grandes cidades – e contribuem para o inchaço das periferias dos centros urbanos. Sendo assim, o que se percebe é que, em vez de melhorarem a condição vivida pela população, tais ações prorrogativas contribuíram mais para uma estagnação e retardaram a criação de possibilidades de as famílias do semiárido conviverem com as peculiaridades de seu entorno.

Há muitas décadas, a seca também foi retratada como elemento de poder no Nordeste (GUERRA, 1981). A conjuntura política por trás da questão climática, com seus desmandos e interesses próprios, é um fator histórico, que acompanha o cotidiano do nordestino. A influência das oligarquias, o sistema de proteção ao grande agricultor e pecuarista, as leis que compactuam com os mais poderosos, são também fatores tradicionais, que condicionaram e que perfizeram esta situação, vivida até o fim da década de 90 (LUNA & BARBALHO, 1983).

O Estado brasileiro foi/é o único provedor das políticas públicas, e, mais especificamente no semiárido brasileiro, as ações se deram pela intervenção estatal, inicialmente pelo Império de Dom Pedro II, na ocasião da seca de 1877. Na época, foi criada

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uma comissão imperial para a elaboração de estudos, que buscavam meios práticos para o abastecimento d’água e para o suprimento das demandas da população, dos animais e de irrigação. Foi o princípio, portanto, das políticas públicas direcionadas ao problema no semiárido, e o início da “solução hidráulica” (LIMA, 2006) através das técnicas de açudagem. Em 1909 foi criada a Inspetoria de Obras Contra a Seca (IOCS), que representava a presença organizada do governo através de um órgão permanente. Seria, contudo, questionável o termo “contra a seca”, o qual representa bem o objetivo final das políticas a serem implementadas na época, e nos induz a compreender os meios utilizados para a “concretização” do pretendido. Na perspectiva da IOCS, a seca teria que ser expurgada através de uma gestão técnica de engenharia hidráulica.

Deu-se, assim, continuidade às obras de açudagem, ainda mais intensificadas pela transformação do IOCS em Inspetoria Federal de Obras Contra a Seca (IFOCS), em 1919. Contudo, o planejamento voltado às obras permaneceram ineficientes, e os estudos realizados ignoravam diversos dados importantes, como o de pluviometria, o que tornava insuficientes as investigações. Não havia, de fato, uma preocupação com o desenvolvimento regional, pois, apesar da existência de um órgão permanente para tal fim, era notório o descaso do governo nos períodos entre secas. Muitas foram as ações governamentais que evidenciaram esse descaso, como, por exemplo, a diminuição dos orçamentos do IFOCS – que priorizava a assistência aos flagelados e a organização das retiradas – e a extinção, em 1924, da Caixa Especial de Obras de Irrigação e Terras Cultiváveis do Nordeste (ALVARGONZALEZ, 1984). Em 1946, houve uma reformulação da IFOCS tornando-a em DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca), onde foi inserida em sua nova estrutura, o Serviço Agroindustrial e o Serviço de Piscicultura.

Portanto, diante da necessidade de ofertar água e de promover o desenvolvimento, as intervenções governamentais tenderam a se concentrar em obras hídricas pontuais (construções de barragens, adutoras, perfuração de poços e implantação de projetos de irrigação), desvinculadas de um processo efetivo de desenvolvimento integrado para a região Nordeste do Brasil. Essas obras nem sempre ocorreram de forma articulada entre os diversos atores sociais regionais nem se basearam em premissas técnicas, econômicas, sociais, ambientais e culturais compatíveis com a realidade local (CARVALHO, 2004).

Essas iniciativas e medidas anteriormente citadas, compreendem, então, um momento no semiárido brasileiro, em que as práticas políticas assistenciais e setoriais estão, segundo a tipologia de Lowi (apud SOUZA, 2006), como políticas públicas distributivas, caracterizadas por serem direcionadas a determinado segmento da sociedade e do território. Essas políticas

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reforçavam as relações dos poderes central e local e se materializavam na figura do coronel (o grande latifundiário, detentor do poder político e econômico, o qual obtinha os maiores benefícios das obras de açudagem, enquanto a massa de flagelados era utilizada como mão de obra nos planos de emergência).

Quando o tema “Indústria das Secas” nasce, vem como denúncia a esses abusos contra o povo nordestino, e passa a ser utilizado como discurso pelos sindicatos de trabalhadores rurais e em movimentos sociais (COELHO, 1985), tomando-se por nota o fato de que, no sertão, o problema não é a seca, mas a cerca (LIMA, 2006). Contudo, na concepção de Alvargonzalez (1984), no tocante à infraestrutura inicial, o alicerce para a irrigação estava construído, sendo esta estrutura a responsável por sustentar o crescimento agrário a partir de 1940 – crescimento sem desenvolvimento, no entanto.

Com este crescimento agrário e com a visão estratégica de estadista do Presidente da época, Juscelino Kubitschek, associados aos profundos conhecimentos científicos de Celso Furtado, as ideias inovadoras surgidas nesse autêntico processo de mobilização social puderam ser aproveitadas, após devidamente avaliadas e aperfeiçoadas, para a instituição da SUDENE, através da Lei n° 3.692 de 15/12/1959.

O documento intitulado “Uma Política de Desenvolvimento Econômico para o Nordeste”, construído sob o comando de Celso Furtado à frente do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), foi decisivo para a implantação da SUDENE, uma vez que analisou a realidade socioeconômica da região, por meio da identificação dos atrasos profundos na produção e do esboço do um novo esquema de desenvolvimento da região, liderado pela industrialização.

A SUDENE nasce, então, com o dever de tentar equiparar a região Nordeste ao Centro-Sul mais desenvolvido, e as proposições de um setor industrial avançado seriam o meio para tal. Contudo, Alvargonzalez (1984) alerta para o fato de a SUDENE considerar a agricultura como setor subsidiário, de não notar a sua relevância, já a essa época, enquanto setor moderno e com grande capacidade de absorver tecnologia, sendo cada vez mais “industrial” nos países mais avançados. Além de seguir com uma política industrial, as obras hidráulicas permaneceram; porém, a resistência à irrigação pública existia a partir de uma articulação dos coronéis (CHACON, 2007), e os recursos, como os provindos da criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), eram direcionados para as oligarquias algodoeiro-pecuário.

A partir da análise dessas informações, podemos observar que as práticas e as iniciativas voltadas para a resolução do problema discutido continuavam a beneficiar os grandes latifundiários, fosse através dos recursos e/ou da mão de obra dos sertanejos nas frentes de

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serviço, fosse através dos programas de emergência, que, segundo Coelho (1985), consistem numa das maiores fontes de corrupção e de coação no sertão. Uma vez que, através de tais programas, são desviadas grandes somas de dinheiro para particulares, o poderio dos mesmos é intensificado, o chamado “voto de cabresto” é fortalecido e o problema cheque se mantém latente. Distribuir terra e água no semiárido, portanto, corresponderia a acabar com a “indústria da seca” e, desse modo, com o poderio das oligarquias locais e tradicionais.

3.2 A desconstrução da ideia do combate e a proposta da convivência com o semiárido brasileiro

As políticas desenvolvidas no semiárido brasileiro no final do século XX e no início do século XXI estão diretamente conectadas às mudanças em nível geral, no que se refere ao papel do Estado, à sua conduta e gestão, além da sua coexistência com outros atores legitimados para intervir no território.

Os projetos a nível estatal, voltados ao acesso à água e à questão da convivência com o semiárido, seriam, dessa forma, direcionados para a demanda, ou seja: o planejamento teria como elemento prioritário o que é de interesse e prioridade da própria comunidade, e se utilizaria desse poder participativo na tomada de decisão. Os interesses e os anseios da demanda, então, passaram a ser organizados e expressos através de associações de classes, de entidades representativas das comunidades rurais, de organizações não governamentais e de outras formas de articulação. Em decorrência dessa nova organização, fizeram-se necessárias ações devidas e diferenciadas dos governos, as quais acabaram por contrariar a antiga lógica das políticas voltadas para a oferta, política, esta, determinada pelos tecnocratas (CHACON, 2007). Amplia-se, assim, o espaço público não estatal, e é nesse contexto que a ASA irá desenvolver seus trabalhos e projetos atrelados ao desenvolvimento da região semiárida do Brasil, utilizando-se desde ações autônomas até articulações com o governo e com a iniciativa privada.

Diante das características e das dificuldades encontradas na região do semiárido, o acesso à água ainda tem sido um dos grandes desafios, particularmente aos mais pobres. A falta d’água para o consumo humano segue, portanto, representando um drama social, especialmente durante as longas estiagens. Nestes períodos, por exemplo,

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