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Acredito particularmente que todas as pessoas que se envolvem com arte têm certa preocupação em politizar sua linguagem. Nesta pesquisa, me pareceu mais do que claro como os meios artísticos, sejam lá das quais infinitas esferas existentes, se tornam um vetor fortíssimo para a transmissão destas mensagens pessoais que sempre acabam por tomar partido – queiram ou não – de algum assunto qualquer. No caso do filme Educação, onde encontramos uma narrativa política exclusiva do contexto brasileiro, conceitua-se uma obra de extrema importância sociológica para a atualidade, que debate não apenas a ocasião política da ocupação nas escolas entorno do contexto da época, como também questiona a veracidade da informação que acomete uma sociedade do cansaço, totalmente anestesiada, na era da pós-verdade.

Os potenciais criativos são extremamente diversificados quando tratamos de uma montagem experimental no meio audiovisual, e para o processo escolhido por Migliorin e Pipano de ressignificação da imagem – principalmente no sentido político – há necessidade de um vasto embasamento sobre o contexto a qual se busca remeter a fala. É interessantíssimo pensar, como os autores da obra observaram, que especificamente estes recortes por eles escolhidos conseguiriam se autodifamar apenas imaginando uma separação do seu contexto original, dando à montagem um grande potencial discursivo.

A recapitulação que a obra traz acerca do tema da luta estudantil secundarista e universitária pela redemocratização do espaço escolar público é de extrema importância também para o ano de 2020 em que concluo essa monografia, no qual passamos por uma redefinição do espaço acadêmico onde o ensino se tornou completamente digital devido à pandemia de COVID-19, passando a se tornar novamente excludente para as classes mais dependentes da sua acessibilidade. Assim como em 2016, há uma grande parcela de estudantes – principalmente provindos da educação pública – que foram afetados com a decisão de alguns governos de seguir com o ensino digital, devido ao fato de frequentemente dependerem da própria disponibilidade da universidade pública para obterem acesso a computadores e/ou internet. Esse problema se relaciona também fortemente com o projeto neoliberal do governo Bolsonaro, que busca elitizar a educação já que apenas um perfil socioeconômico é capaz de arcar com os dispositivos online que se mostram completamente obrigatórios para a obtenção de qualquer contato entre aluno e docente.

Nesse contexto, a luta estudantil que se formava desde 2016, com a união dos secundaristas e universitários, também passa por um processo de rebaixamento, dispersão e

extinção, visto que grande parcela dos estudantes que se afastaram da sua cidade natal para obter acesso à educação pública perderam seus sustentos vinculados à universidade (em modalidades como bolsas de pesquisa e estágios internos) e foram obrigados a migrar de volta a estes ambientes. Portanto, acredito que diante dessa situação o filme questiona ainda como pode ser feita uma nova possibilidade de luta para redemocratização do sistema de ensino brasileiro em um momento em que há tanta gente dependendo deste espaço para estudar e viver, levando em conta o aumento da discrepância social que essa nova era política está acometendo aos jovens.

Por isso afirmo, então, que a pesquisa feita em torno do filme Educação, que acomete tanto discursos políticos quanto artísticos, não se resume e não se finda inteiramente tanto na obra de Migliorin e Pipano como nessa monografia. Os próprios processos políticos que ocorrem no país atualmente são uma prova de que a arte brasileira – que sempre foi uma arte de resistência – ainda tem muito o que dizer sobre os transtornos deste momento. Acredito, também, que os estudantes ainda protagonizarão importantíssimas lutas no cenário nacional, e darão espaço com a criatividade da juventude para novos combates histórico-artísticos. Enquanto houver política, haverá arte.

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