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3. ANÁLISE DE LIVROS DI DÁTICOS

3.2 ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS DE ÁLGEBRA LINEAR

3.2.4. Conclusões da Análise dos Livros de Álgebra Linear e Comparações com as

Na análise dos livros didáticos de Álgebra Linear foram observadas diferenças de abordagem das transformações lineares quanto aos registros presentes, ao desenvolvimento dos aspectos ferramenta e objeto do conceito e ao uso de recursos computacionais.

Cada obra tem a sua particularidade no tratamento deste tema. Apresentando de forma resumida, concluímos que o Livro 1 privilegia os registros simbólico-algébrico, numérico e da língua natural especializada. A abordagem praticamente não envolve o registro gráfico, tendo em vista que o tópico de transformações geométricas no plano não é sequer desenvolvido. Além disso, o registro da língua natural particularmente utilizada em situações-problema também não está presente nesta obra.

Este livro pouco explora as representações numérico-tabular e simbólico- matricial, a não ser no tópico específico de “Matriz de uma Transformação Linear”. O conceito é tratado somente no seu aspecto objeto e não há menção ao uso de recurso computacional, fato já esperado, tendo em vista a época de publicação desta obra. Os exercícios propostos são desenvolvidos nos mesmos registros abordados na parte teórica, ou seja, formulados principalmente na língua natural especializada ou nos registros simbólico-algébrico e numérico, sendo as conversões envolvidas nas suas resoluções limitadas principalmente entre estes registros.

O Livro 2 já trata do conteúdo envolvendo os registros da língua natural, gráfico, simbólico, numérico e da língua natural especializada, sendo que nos

exercícios propostos, a ocorrência dos dois primeiros fica limitada ao tópico das transformações geométricas do plano no plano e do espaço no espaço. Apesar de as conversões entre estes registros serem realizadas na parte teórica, observamos que as mesmas aparecem finalizadas, ou seja, sem oferecer ao estudante a possibilidade de desenvolvê-las. Notamos, ainda na exposição teórica deste livro, que as conversões tendem a privilegiar um único sentido. Por exemplo, não há conversões realizadas de forma explícita no sentido do registro gráfico para o simbólico, com exceção do caso da rotação de um ângulo θ.

Nos exercícios, as conversões mais requeridas são representadas pelas transformações entre os registros numérico e simbólico-algébrico, entre língua natural e simbólico-algébrico e entre língua natural especializada e simbólico- algébrico. Apesar de o aspecto ferramenta do conceito ser tratado de forma modesta, se comparado ao número de questões que lidam especificamente com o conceito no seu caráter objeto, constatamos uma exploração do uso das transformações lineares como meio de resolução de problemas, tanto no tópico que trata das transformações geométricas no plano e no espaço, como em problemas de ótica. Pelo mesmo motivo do Livro 1, a inexistência de indicação de uso de recursos computacionais já era esperada.

O Livro 3 segue uma abordagem totalmente diferente dos demais. Ele divide a exposição das transformações lineares em dois capítulos, ou seja, realiza todo o estudo das transformações lineares definidas do Rn em Rm em um capítulo e a abordagem das transformações lineares em espaços vetoriais quaisquer em uma seção posterior. Há também um capítulo sobre “Tópicos Adicionais”, que engloba, dentre outros temas, um aprofundamento das transformações geométricas no plano e no espaço. Por fim, há uma parte dedicada às aplicações da Álgebra Linear em outras áreas, sendo que as transformações lineares se apresentam no seu aspecto ferramenta em problemas de computação gráfica, fractais, caos, criptografia, deformações e morfismos.

Nesta obra, a definição inicial de transformação linear não parte das duas condições usuais em relação à soma de vetores e ao produto de um vetor por um escalar real, mas sim, como uma função em que a imagem de um elemento é composta por equações lineares. Esta definição inicial é dada tanto no registro simbólico-algébrico como no numérico-tabular. De todos os livros analisados, este

é o que mais explora a diversidade de registros e conversões, apesar de os autores não demonstrarem uma preocupação em explorar os sentidos e a heterogeneidade de congruê ncia da atividade de conversão.

As transformações no plano são mencionadas constantemente para exemplificar conceitos de injetividade, composição de transformações, dentre outros, ou seja, os autores fazem com que o registro gráfico assuma um papel de maior destaque na abordagem deste conceito se comparado com os outros livros analisados. Ainda, tanto na exposição teórica quanto nos exercícios, os registros da língua natural em situações-problema e numérico-tabular são extremamente utilizados. Um aspecto exclusivo deste livro, em relação aos anteriores, é o tratamento, na exposição teórica, das transformações lineares no espaço e, conseqüentemente, do registro gráfico no R3. Apesar disso, nesta parte da abordagem, ainda notamos uma exposição teórica que não favorece ao estudante o estabelecimento efetivo destas conversões, pois da mesma forma que verificado no Livro 2, os registros são apresentados de maneira finalizada.

Já no capítulo intitulado “Tópicos Adicionais”, há um aprofundamento das transformações geométricas no plano e no espaço. Neste contexto, faz-se um detalhamento maior das conversões, oferecendo ao leitor uma abordagem favorável ao entendimento das particularidades de cada tipo de registro. Porém, nos exercícios propostos deste capítulo, apesar de o registro gráfico assumir um papel mais predominante do que no bloco de exercícios dos capítulos anteriores, nota-se que poucas questões são formuladas com representações gráficas e, conseqüentemente, a exploração de conversões que partem do registro gráfico é reduzida. Por fim, quando estas conversões são exploradas, elas restringem-se principalmente em transformações do gráfico para o numérico-tabular e, em vários casos, a matriz envolvida nos exercícios é fornecida na teoria, o que induz o estudante a realizar apenas uma consulta e não uma efetiva coordenação entre estes dois registros.

Os autores demonstram uma grande preocupação em explorar o conceito no seu aspecto ferramenta, uma vez que incluem um capítulo específico para as aplicações das transformações lineares. Apesar de ser uma obra atual, o uso de recurso informático é opcional e pontual, pois está limitado a um bloco restrito apresentado no final da relação de exercícios propostos. Com isso, notamos que

a utilização de ferramentas informáticas não é vista como algo essencial por estes autores. Ainda, não há menção ao uso de recurso computacional para fins geométricos, sendo indicada somente a utilização de software algébrico, com o objetivo único de minimizar o trabalho com cálculos algébricos e numéricos.

O Livro 4 também apresenta uma abordagem particular. O autor direciona a sua obra para os cursos de Engenharia e Computação, fato que menciona no prefácio. Em primeiro lugar, ele não reserva um ou mais capítulos específicos para o desenvolvimento das transformações lineares, ou seja, tal conteúdo perpassa por todo o texto, sempre relacionado a outros conceitos. Nesta obra, as transformações lineares do Rn em Rm, bem como as noções de núcleo e imagem estão intimamente conectadas ao conceito de matriz e, deste modo, os registros simbólico-matricial e numérico-tabular são bastante valorizados. Ainda, este livro privilegia o conceito de transformação linear no Rn, pouco explorando questões em espaços vetoriais genéricos. As aplicações em diversas áreas são muito valorizadas, evidenciando a importância de tratar o conceito no seu aspecto ferramenta.

Apesar de o texto apresentar as transformações geométricas de maneira finalizada como nos Livros 2 e 3, este livro dedica uma seção específica para a aplicação dessas transformações em Computação Gráfica. Embora o autor mostre uma preocupação em explorar a diversidade de registros, nota -se uma valorização dos registros da língua natural, numérico-tabular e simbólico-matricial em detrimento dos demais. As conversões ocorrem principalmente entre os três registros citados anteriormente, mas há também exploração de operações com outros registros.

Com relação ao registro gráfico, da mesma forma que observado no Livro 3, nota-se que não há praticamente questões formuladas neste tipo de representação e, com isso, as conversões que partem do registro gráfico são pouco exploradas. Quando essas ocorrem, as mesmas estão limitadas em transformações para a língua natural de emprego comum ou para o registro simbólico-algébrico.

Tal obra inclui, na seção de exercícios propostos, a indicação de uso de software algébrico (MATLAB, Maple, Mathematica, MathCad, Derive ou calculadora), porém, da mesma forma que o Livro 3, a indicação mostra

claramente que o objetivo é o de minimizar cálculos. Em nenhum momento há indicações para utilização de ferramenta computacional com fins geométricos ou com o objetivo exploratório que proporcione ao estudante um ambiente favorável à formulação de conjecturas.

Estabelecendo um comparativo entre os livros, pôde-se notar que as duas obras mais referenciadas nos cursos de Álgebra Linear (Livros 1 e 2) não mencionam o uso ou a possibilidade de utilização de recursos computacionais. Este fato era esperado, tendo em vista que tais referências foram editadas pela primeira vez em 1977 e 1978 respectivamente.

Relacionando esta situação com a teoria antropológica de CHEVALLARD (1992) e considerando os livros didáticos como representantes da instituição denotada por “I”, podemos entender que tais textos, quando foram editados, provavelmente estavam coerentes com o tempo institucional “t”. Porém, no tempo “t” atual, com a inserção do computador nos diversos campos da vida, inclusive no educacional, é provável que a limitação de seu uso acarrete na falta de atendimento a certas necessidades de formação demandadas atualmente pela sociedade. Sob este ponto de vista, tais obras, freqüentemente indicadas como referências bibliográficas de cursos da área computacional, podem ser classificadas como desatualizadas quando consideradas nesse aspecto.

As duas obras mais recentes, indicadas por Livros 3 e 4 e editadas pela primeira vez em 2000 e 1997 respectivamente, já incluem em suas abordagens a sugestão de uso de recursos computacionais no conteúdo das transformações lineares. Os softwares algébricos mencionados são o MATLAB, o Mathematica, o Maple e calculadoras com funcionalidade de Álgebra Linear. Mesmo assim, o uso da ferramenta informática é pontual, ou seja, a abordagem teórica não inclui efetivamente o trabalho com tais softwares, sendo apenas mencionada a possibilidade de sua utilização em caráter opcional, em um número reduzido de exercícios. Por fim, como já foi citado, nota-se que nestes dois livros, o uso dessa ferramenta está direcionado ao objetivo de minimização do trabalho com os cálculos algébricos e numéricos, e não em questões exploratórias ou gráficas.

Com relação a todas as obras analisadas, foi observado que, dentre os registros apresentados, o gráfico é o menos explorado, bem como as conversões que o envolvem. O Livro 1, apesar de o prefácio garantir que a sua abordagem

emerge da Geometria de duas e três dimensões, praticamente não explora este registro, sendo as transformações lineares geométricas sequer citadas. O Livro 2 inclui representações gráficas na teoria, porém, no bloco de exercícios, a maior parte das questões é proposta de forma a não torná-lo necessário. Já a análise dos Livros 3 e 4 evidenciou um resgate da Geometria, ainda que modesto, no momento em que apresentaram uma exploração mais significativa das transformações lineares geométricas no plano e no espaço e, conseqüentemente, das representações gráficas. Ainda assim, nota-se que as conversões que partem do registro gráfico são pouco exploradas e não há qualquer indicação de uso de software para fins geométricos. Por fim, nenhuma obra mostrou a preocupação em explorar os sentidos de conversão e a não congruência deste tipo de atividade.

DUVAL (2000) afirma que, nos níveis mais avançados de ensino , há predominância de registros monofuncionais discursivos. Este fato foi constatado em nosso estudo, tendo em vista que os registros simbólico e numérico são os mais explorados em todos os livros analisados. Apesar disso, o mesmo autor afirma que o progresso do conhecimento é acompanhado pelo desenvolvimento de novos sistemas semióticos específicos, sendo tal evidência observada pela evolução dos livros didáticos com relação a este aspecto. Em nosso estudo, também pudemos constatar que os livros didáticos de edição mais atual, no caso, os Livros 3 e 4, demonstram uma atenção maior na diversificação dos sistemas semióticos, se comparados com as obras mais antigas. Ressaltamos, porém, que não consideramos satisfatória a exploração das conversões com o registro gráfico, conforme constatado na análise apresentada neste capítulo.

De acordo com a teoria antropológica de CHEVALLARD (1992) e, classificando os livros didáticos como representantes da Instituição “I” e as transformações lineares como o objeto “O”, podemos caracterizar a relação RI(O) – relação institucional com o objeto, como aquela que apresenta pouca valorização da Geometria, o que, conseqüentemente, reflete em deficiências de exploração do registro gráfico e de suas conversões.

Segundo DUVAL (2003), do ponto de vista cognitivo, a conversão deveria ser considerada como a atividade de transformação representacional fundamental. O autor ainda afirma que, ou esta atividade não é levada em conta

no ensino de Matemática, ou, quando a mesma é feita, um sentido de conversão é privilegiado, pelo fato de se acreditar que um treinamento efetuado em um sentido, automaticamente capacita o indivíduo para a conversão no sentido contrário.

Notamos compatibilidade nesta afirmação com a nossa análise dos livros didáticos de Álgebra Linear. Isto porque, no Livro 1, privilegiam-se os registros da língua natural especializada e simbólico-algébrico, bem como as suas conversões. No Livro 2, a atividade de conversão, apesar de ser mais realizada, parece estar mais próxima de uma descrição das diversas representações do que de uma efetiva coordenação entre os vários registros. Com relação aos Livros 3 e 4, nota-se uma diversificação maior nos registros, apesar de o Livro 4 mostrar uma preocupação em pri vilegiar os registros simbólico-matricial, numérico-tabular e da língua natural de emprego comum . Ainda assim, tais obras não demonstram a preocupação em explorar os sentidos de conversão e a não congruência inerente a esta atividade. Exemplificando esta afirmação, pôde-se constatar que as conversões que partem do registro gráfico ou não são realizadas ou, quando desenvolvidas, ocorrem em um número reduzido de exercícios.

Diante do exposto, tem-se, baseado na concepção de DUVAL (2000), que tais abordagens podem limitar a compreensão efetiva do conceito de transformação linear, o que nos leva a questionar quais as possíveis interpretações e coordenações susceptíveis de serem apresentadas pelos estudantes que cursaram a disciplina de Álgebra Linear segundo abordagem semelhante a dos livros didáticos analisados.

Tomando por base a descrição dada por DOUADY (1986), a respeito dos aspectos ferramenta e objeto do conceito, pudemos concluir que , no Livro 1, o caráter ferramenta do conceito praticamente não é explorado. No Livro 2, já ocorre, de forma modesta, a preocupação em explorar este aspecto, no momento em que se tratam as transformações no plano e no espaço e os problemas de aplicação à óptica (estudo de reflexões em espelhos planos). Já os Livros 3 e 4 demonstram uma intenção significativa de explorar o aspecto ferramenta do conceito, uma vez que, em grande parte de suas abordagens, são incluídas as aplicações das transformações lineares em diversas áreas.

Estabelecendo um comparativo com as pesquisas presentes em nossa revisão bibliográfica, foi destacado que os estudos de DIAS (1998) e PAVLOPOULOU (1993, apud DORIER, 1998, apud DUVAL, 2000) evidenciaram que os livros didáticos de Álgebra Linear privilegiam certos registros, dentre eles o simbólico, respectivamente nos conteúdos de subespaços vetoriais e vetores. Em nosso estudo, também notamos um predomínio de registros, embora cada livro tenha a sua particularidade neste aspecto . No Livro 1, os registros da língua natural especializada, o simbólico-algébrico e o numérico são privilegiados. Nos Livros 2 e 3, além desses três, também se valoriza o registro da língua natural de emprego comum. O Livro 4, provavelmente por ser direcionado às necessidades computacionais, valoriza os registros numérico-tabular, simbólico-matricial e da língua natural em detrimento dos demais. Como ponto comum, verificamos que, em todas as obras, o registro gráfico é o menos trabalhado.

As pesquisadoras também notaram que os livros não apresentam um cuidado especial em relação à atividade de conversão, o que também foi observado em nossa análise, já que, em cada obra, certas conversões são privilegiadas em detrimento das demais, e em particular, a atividade de conversão que parte do gráfico é a menos trabalhada. Além disso, nenhuma obra apresentou a preocupação de explorar a característica da não congruência e os dois sentidos da atividade de conversão.

DREYFUS, HILLEL e SIERPINSKA (1998) e WINSLOW (2003) apresentaram propostas de uso de recursos informatizados para o trabalho com conceitos de Álgebra Linear, sendo que a primeira pesquisa utilizou o software Cabri-Géomètre e a segunda, o MathCad, este último classificado como um software do tipo CAS (Computer Algebra Systems). Tais pesquisas procuraram mostrar as vantagens e restrições do uso de ferramentas computacionais no ensino e na aprendizagem de conceitos de Álgebra Linear. PADREDI (2003), no seu estudo sobre as “alavancas meta” no discurso do professor de Álgebra Linear, relativo ao conceito de base de um espaço vetorial, observou que apenas um professor afirma que o software MATLAB faz parte de sua prática docente. No nosso estudo, procuramos analisar como os livros didáticos tratam desta questão e concluímos que o uso de recursos computacionais ainda é limitado, uma vez que, das quatro obras analisadas, duas não mencionam o uso de qualquer

ferramenta e duas destacam a possibilidade opcional de utilização de recurso informatizado do tipo CAS, sem, contudo, efetivamente englobá-lo na sua exposição teórica. Em nenhuma obra foi mencionado o uso de recurso computacional para fins geométricos.

OLIVEIRA (2002) verificou que os livros brasileiros de Álgebra Linear apresentam abordagens distintas para a introdução às transformações lineares e que este fato pode levar o estudante a produzir diferentes significados para este conceito. Tal fato também foi notado nos livros analisados, ou seja, as transformações foram dadas como um tipo especial de função entre espaços vetoriais, com uma abordagem matricial ou por meio de um sistema de equações lineares.

Partindo desta análise e, tendo em vista que as transformações lineares constituem um pré-requisito no estudo da disciplina de Computação Gráfica, partimos para a observação dos livros didáticos desta área, focando a análise nos registros e nas conversões mais requeridas, fato descrito em seguida.

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