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Este estudo analisou as normas e procedimentos de triagem e escopo nos processos de licenciamento ambiental de quatro estados brasileiros altamente industrializados (Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo), principalmente através de pesquisa documental e simulações de triagem a partir de estudos de casos. As simulações revelaram diversas discrepâncias existentes entre as quatro jurisdições. Projetos semelhantes (em termos de porte, potencial poluidor / degradador e localização) foram submetidos a diferentes cenários de licenciamento e de AIA. Isso decorre do fato de que são utilizados parâmetros distintos para a triagem dos projetos, refletindo principalmente na quantidade de licenças necessárias, na abrangência dos estudos ambientais, nas taxas administrativas cobradas pelos órgãos licenciadores e nos prazos de concessão e renovação das licenças. Por exemplo, o empreendimento minerário, que ficou isento de AIA em Minas Gerais, pagou uma taxa administrativa de R$ 1.104,33 e se regularizou em um dia; estaria sujeito a uma AIA completa no Rio de Janeiro, pagaria o valor de R$ 86.524,49 e poderia esperar até doze meses para obter a licença. Da mesma forma, o posto de combustível, analisado no Espírito Santo e São Paulo, seria obrigado a obter três licenças ambientais antes de sua operação, enquanto, em Minas Gerais e Rio de Janeiro, da mesma empresa seria solicitada apenas uma licença para as fases de viabilidade ambiental / locacional, implantação e operação.

Tais diferenças entre os parâmetros de triagem parecem ser mais um resultado de escolhas arbitrárias burocráticas do que de peculiaridades científicas e/ou técnicas encontradas em cada estado. Na definição desses parâmetros certamente estão envolvidas questões políticas e econômicas que se conflitam com questões ambientais. Isso é resultado da falta de uma orientação nacional, atualizada, sobre quais tipologias de atividades podem provocar significativos impactos, segundo critérios legais pré-definidos. Resultado também da subjetividade e indefinição dos conceitos “significativo impacto” e “impacto não- significativo”. Este estudo deixa claro que o CONAMA ou outro órgão de competência nacional precisa rediscutir as Resoluções CONAMA 01/86 e 237/97.

O estudo também constatou que nenhuma das técnicas de triagem contemplou, efetivamente, critérios locacionais e socioambientais, sendo isso uma das barreiras para a determinação do significativo impacto de um projeto, no momento em não são conhecidos a vulnerabilidade do

meio e os impactos sobre a sociedade. Apenas seriam considerados na triagem recursos ambientais legalmente protegidos, como, por exemplo, a Mata Atlântica (Lei Federal 11.428/06) e as cavidades naturais subterrâneas (Decreto Federal 99.556/90). Outra deficiência é que o licenciamento dos projetos ocorreria de forma cartorial, sem avaliação dos impactos cumulativos e sinérgicos, portanto, não examinaria suficientemente os impactos ambientais distribuídos nos territórios. Além disso, em nenhuma jurisdição estudada foram utilizados critérios de triagem que avaliassem os impactos positivos de projetos, o que mostra que o foco dessa etapa, nos estados do sudeste brasileiro, é avaliar os impactos negativos. Isso pode comprometer a efetividade na determinação da significância dos potenciais impactos de projetos, já que os diferentes impactos não são contrabalanceados.

Além de alguns regulamentos estaduais não conceituarem de forma detalhada os parâmetros de enquadramento, a pesquisa também indicou certo despreparo dos funcionários do balcão de atendimento no auxílio à triagem de projetos. Também foram notadas diferenças de entendimentos da triagem entre órgãos licenciadores do mesmo estado. Cumpre salientar ainda o estado incipiente de informatização no sudeste brasileiro.

A pesquisa ainda mostrou que o processo de triagem em alguns estados foi mais prático e rápido do que em outros, e que muitas vezes estava vinculada à etapa de determinação do escopo dos estudos ambientais, neste caso, os termos de referências normalmente eram genéricos e sem levar em consideração peculiaridades de cada empreendimento.

Em todos os estados foram aplicados procedimentos simplificados para empreendimentos considerados causadores de impactos não significativos, para os quais não foram exigidos estudos ambientais ou exigidos estudos simplificados. De certa maneira, a simplificação refletiu uma tentativa de desvincular ou minimizar o vínculo entre licenciamento e AIA, ou seja, as decisões acerca das concessões das licenças seriam tomadas com nenhum ou pouco embasamento técnico sobre os potenciais impactos ambientais dos projetos. Também ficou evidenciado que a simplificação afetou o número de fases do licenciamento, na medida em que o sistema trifásico (LP + LI + LO) foi deixado de lado em favor de um sistema monofásico, que consiste em apenas uma licença ou autorização que, por um lado, traz celeridade na tramitação e análise do processo de licenciamento, mas, por outro, corre o risco de aprovar projetos sem a devida atenção aos seus impactos. Outros incentivos, como

menores taxas de licenciamento, também foram aplicados aos projetos considerados de impactos não significativos.

Para os projetos considerados causadores de significativos impactos, a triagem orientou à realização de uma AIA aprofundada com apresentação do complexo estudo EIA/RIMA, e, com isso, diversas outras exigências foram feitas, como a audiência pública. Notou-se que todos os estados possuem normas que orientam a realização dessa consulta, apesar da existência de uma norma nacional (Resolução CONAMA 09/87). Os valores das taxas de licenciamento também foram estabelecidos por normas estaduais e, em geral, baseados na classificação do empreendimento quanto ao porte e potencial poluidor/degradador.

Outras exigências foram incorporadas ao processo de licenciamento, como, por exemplo, a outorga do direito de uso da água, definida na Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei Federal 9.433/97), e as autorizações para supressão de vegetação e para intervenção em área de preservação permanente, estabelecidas no novo Código Florestal (Lei Federal 12.651/12). Em alguns estados esses atos autorizativos seriam analisados no âmbito do licenciamento ambiental, pelo próprio órgão licenciador, enquanto em outros, dependeriam de instituições ambientais externas, o que provavelmente atrasaria o processo de licenciamento.

Esses e outros diversos problemas da triagem são, sem dúvida, um dos óbices que mais fragiliza o licenciamento brasileiro na atualidade. A falta de clareza nas regulamentações e nos desdobramentos da triagem e escopo cria uma insegurança jurídica que nada contribui para o objetivo maior, de proteger o meio ambiente. As divergências encontradas justificam as principais reclamações de empreendedores, como os altos custos, a demora e o excesso de burocracia para a obtenção das licenças. Essa situação pode criar incentivos indesejáveis ou desincentivos para a implantação de projetos em determinada jurisdição, dependendo do grau de exigência do órgão licenciador, que são prejudiciais à atração de investimentos e sem claros benefícios para o meio ambiente e a sociedade. Portanto, diversos estudos no Brasil (ABEMA, 2013; CNI, 2013; FMASE, 2013; SAE, 2009; MPU, 2004) têm apontado a necessidade de mudanças urgentes.

Os resultados obtidos apontam alguns caminhos para o aperfeiçoamento da triagem e escopo, visando torná-los mais eficiente para a celeridade, racionalidade e efetividade do processo de licenciamento e de AIA. Um desses caminhos seria a informatização da triagem e

disponibilização de dados ao empreendedor. Isso proporcionaria agilidade, transparência e redução de custos. É importante também que outros instrumentos de planejamento e gestão ambiental, como a Avaliação Ambiental Estratégica, a Avaliação Ambiental Integrada e o Zoneamento Ecológico Econômico, sejam utilizados como apoio à triagem de projetos. Que sejam definidas regras claras para a determinação da significância dos potenciais impactos de atividades e sejam fortalecidos os órgãos licenciadores através de capacitações dos quadros funcionais para atendimento ao público.

Finalmente a edição e revisão de normas e procedimentos de triagem e escopo deve ser a principal partida para uma ampla reforma do licenciamento. A pesquisa corrobora a importância de harmonizá-los no Brasil, respeitando, no entanto, as peculiaridades regionais e locais. Normas gerais e uniformes são necessárias, a fim de garantir balizas mínimas às jurisdições. O estabelecimento de regras nacionais para o enquadramento dos projetos permite que os entes federativos estabeleçam critérios próprios com um mínimo de harmonia e coerência, principalmente visando à simplificação do licenciamento para as micro e pequenas empresas. O licenciamento ambiental, hoje, foco de diferentes segmentos da sociedade, merece a devida atenção para que continue sendo um instrumento de proteção ao meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável.

Por não ser objetivo deste trabalho, o estudo não avaliou qual das metodologias de triagem, utilizadas pelas jurisdições analisadas, seria mais eficiente para a efetividade das avaliações de impactos dos projetos selecionados e, consequentemente, para a proteção do meio ambiente. Mas os resultados obtidos podem ser a base para a realização de futuros estudos com este enfoque.