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Para Portugal, que fixou as suas metas de valorização nos 95% do peso do veículo, permitindo apenas um nível máximo de 5% para deposição em aterro, é comummente aceite que estas só serão alcançáveis com o desenvolvimento de novas tecnologias de separação e reciclagem de RFA ou, alternativamente, maiores índices de desmantelamento de componentes, ao nível do desmantelador.

Centrando-se na aposta de uma desmontagem mais extensa de veículos na etapa de desmantelamento, foi levada a cabo uma experiência de campo numa unidade empresarial de receção e desmantelamento de VFV, acreditada pela Valorcar - CaetanoLyrsa, S.A. - de modo a possibilitar a compreensão das práticas envolvidas no processo de desmantelamento e, por conseguinte, a seleção e realização de ensaios de remoção de alguns materiais e/ou componentes suplementares (100 kg VFV), com potencial de reciclagem/valorização.

Neste estudo, foi feita uma avaliação comparada de três cenários de gestão dos resíduos VFV selecionados, com o objetivo de propor alternativas à sua gestão atual, em termos de benefícios resultantes da conservação de recursos não renováveis e redução da quantidade de resíduos a enviar para aterro:

Cenário 1 (cenário base) - tem como referência a situação atual do destino dos

resíduos em estudo, isto é, o envio para o processo de fragmentação, no qual existe recuperação de certos metais ferrosos e não ferrosos e envio da fração restante, denominada RFA, para aterro;

Cenário 2 - difere do cenário base, considerando a incineração dos RFA com

recuperação de energia, ao invés da deposição em aterro;

Cenário 3 - desmantelamento adicional dos componentes e/ou materiais automóveis

selecionados, assumindo a reciclagem de certos materiais e, para os que não possuem valor comercial (por exemplo: têxteis, plásticos, borracha, etc.), considerou- se o seu tratamento e processamento de forma a serem encaminhados como CSR para a indústria cimenteira.

A fim de comparar e avaliar o desempenho ambiental dos três cenários de gestão de VFV analisados, foi aplicada a metodologia de ACV.

Neste estudo foram identificadas e quantificadas as emissões atmosféricas e líquidas de cada um dos cenários, sendo posteriormente efetuada a avaliação do potencial impacte ambiental para cada uma das categorias consideradas: Aquecimento Global (AG), Depleção Abiótica (DA), Formação de Oxidantes Fotoquímicos (FOF), Acidificação (AC) e Eutrofização (EU).

Os resultados demonstram que a utilização eficiente de recursos, através da reciclagem de materiais eliminados ou da respetiva utilização como fontes de energia, diminui o impacte sobre o ambiente, devido à exaustão dos recursos naturais e à potencial poluição relativa à eliminação em aterros. Além disso:

i. O cenário 1 (cenário base), apesar de uma certa quantidade de materiais serem recuperados, é o pior do ponto de vista ambiental, devido aos impactes diretos da deposição dos RFA em aterro, o que resulta numa perda líquida de material. Não foi assim observado qualquer benefício para as categorias de impacte de aquecimento global e eutrofização;

ii. O cenário 2, que considera a incineração dos RFA, tem um impacte significativo na categoria de aquecimento global, devido às emissões provenientes da oxidação térmica dos materiais poliméricos existentes na fração de RFA. Por outro lado, permite uma redução dos impactes ambientais relacionados com a deposição de plásticos em aterro e outros benefícios relacionados com a recuperação de energia, como a redução do volume de resíduos e destruição de poluentes orgânicos. Apesar da vantagem decorrente da possibilidade de operar em co-combustão com RSU (não se observam diferenças à taxa de 5%), a incineração de RFA não deve ser entendida, a longo prazo, como uma alternativa ao aterro, uma vez que esta estratégia de fim de vida não permite alcançar a meta de reciclagem europeia, de 85%;

iii. A melhoria do desempenho ambiental parece ser assegurada pelo cenário 3, que inclui o desmantelamento adicional de componentes e/ou materiais automóveis, a reciclagem, a produção de CSR e encaminhamento destes, como combustíveis substitutos, para a indústria cimenteira.

A desmontagem mais extensa de veículos na etapa de desmantelamento contribuirá, não apenas para um processo geral ambientalmente mais correto em relação às práticas atuais, mas também para atingir as metas europeias de reciclagem e valorização de VFV.

Adotando o cenário 3, seria possível aumentar a taxa atual de valorização em 7,8 pontos percentuais. No entanto, para responder positivamente aos requisitos da Diretiva, é exigido um aumento dos custos de operação em 19 € por VFV processado.

Deste modo, o desmantelador para ser incentivado a efetuar este tipo de operações, tem que ser compensado pelo aumento de custos associados. Isto poderá ser possível com a criação de redes de empresas recicladoras, a atribuição de prémios à utilização de materiais reciclados, a incidência de taxas sobre os materiais virgens, ou o pagamento de valores pecuniários aos operadores de reciclagem, de maneira a que o valor comercial dos materiais secundários aumente. O sistema pode ser financiado por uma parte do imposto da matrícula ou por uma taxa paga aquando da compra de um veículo novo. Importa reter ainda que o aumento do desmantelamento, além de ter como principal vantagem a poupança de matérias-primas virgens, também apresenta vantagens a nível social e económico, uma vez que cria postos de trabalho diretos e indiretos.

Para finalizar, importa alertar as limitações que este estudo de ACV comporta:

 É uma metodologia de informação intensiva. Nem sempre há acesso a toda a informação de processos associados ao ciclo de vida. Como tal, a informação deste estudo não foi exceção e foi recolhida de uma variedade de fontes, que incluíram bases de dados, livros e artigos científicos, estudos de ACV, etc., o que acarretou uma variação acentuada na qualidade de informação;

 Considera apenas o critério ecológico, isto é, não entra em conta com os aspetos económicos e sociais;

 É uma metodologia que está constantemente em evolução e, como tal, diferentes abordagens do problema podem resultar em resultados diferentes;

 Os resultados de uma ACV que enfoca questões globais ou regionais podem não ser apropriados para aplicações locais, ou seja, a realidade local muitas vezes é diferente da global.

Apesar destas limitações, recomenda-se o uso dos resultados obtidos para a finalidade essencial, de forma a poder identificar as principais oportunidades de melhoria do desempenho ambiental do ciclo de vida da gestão de VFV.