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Neste cap´ıtulo estudamos um modelo matem´atico que descreve a intera¸c˜ao entre bact´erias l´acticas e Listeria monocytogenes. Utilizando uma fun¸c˜ao de Lyapunov, provamos a esta- bilidade global e assint´otica do ponto de equil´ıbrio trivial. Suponhamos uma situa¸c˜ao onde, por exemplo, nenhuma das esp´ecies de bact´erias se reproduzem bem, e que a contamina¸c˜ao inicial de Listeria seja muito alta, mas o in´oculo de bact´erias l´acticas seja muito pequeno. Com o decorrer do tempo, a popula¸c˜ao de Listeria se tornar´a extinta, independentemente da a¸c˜ao do ´acido l´actico e da bacteriocina, pois neste caso, o fator determinante na estabilidade assint´otica do ponto trivial ´e a taxa l´ıquida de reprodu¸c˜ao das bact´erias.

O principal objetivo deste estudo ´e analisar em que condi¸c˜oes ´e poss´ıvel eliminar uma contamina¸c˜ao por Listeria, considerando a capacidade de adapta¸c˜ao desta bact´eria em di- versos tipos de ambiente. Considerando, portanto, que a Listeria apresenta boa capacidade de multiplica¸c˜ao (φ2− µ4 > 0), analisamos as situa¸c˜oes onde Q2´e o ´unico ponto de equil´ıbrio local e assintoticamente est´avel, ou seja, os crit´erios para escolha de bact´erias l´acticas com potencial de aplica¸c˜ao para conserva¸c˜ao de alimentos. O primeiro passo ´e analisar a taxa l´ıquida de reprodu¸c˜ao das bact´erias. Se φ1 − µ1 < 0, descartamos a possibilidade de uti- liza¸c˜ao dessa bact´eria l´actica para bioconserva¸c˜ao. Esse ´e um crit´erio necess´ario mas n˜ao suficiente, ou seja, n˜ao basta que φ1− µ1 > 0 para sele¸c˜ao da bact´eria l´actica e para que a t´ecnica que utiliza tal bact´eria seja bem sucedida.

Supondo que ambas bact´erias apresentam boa capacidade de multiplica¸c˜ao, resumimos os resultados de estabilidade e conclu´ımos que:

1. Para o caso (4), onde c < b/µ2e c/d < b/µ3, ou seja, se o n´umero de mol´eculas de ´acido l´actico e de bacteriocina produzidos por uma bact´eria l´actica for muito maior do que o n´umero de mol´eculas destes metab´olitos, necess´arias para eliminar uma Listeria, ent˜ao para intera¸c˜ao forte destes metab´olitos com a Listeria (δ2 > c − dδ1), os resultados matem´aticos asseguram que ´e poss´ıvel eliminar uma poss´ıvel contamina¸c˜ao por este pat´ogeno.

SEC¸ ˜AO 2.9 • CONCLUS ˜OES 54

e bacteriocina), o modelo desenvolvido aqui prevˆe uma outra t´ecnica de conserva¸c˜ao. Para alimentos onde a acidez, como consequˆencia da produ¸c˜ao de ´acido l´actico, n˜ao ´e desej´avel, ´e poss´ıvel utilizar a bacteriocina em sua forma purificada como biocon- servante de alimentos. Para que esse m´etodo seja bem sucedido em seu prop´osito, ´e necess´ario que a taxa de intera¸c˜ao da bacteriocina com a Listeria seja maior do que o valor limiar δth

2 .

3. Para os casos (1), (2), (3) ou (5), ou seja, quando as bact´erias l´acticas n˜ao tˆem uma boa produ¸c˜ao dos antimicrobianos bacteriocina e/ou ´acido l´actico, ´e necess´aria uma intera¸c˜ao um pouco mais forte desses metab´olitos com a Listeria. Sendo assim, garan- timos que Q2 ´e o ´unico ponto local e assintoticamente est´avel se δ2 > δ∗∗

2 , condi¸c˜ao para que a Listeria seja eliminada.

Conforme discutido aqui, o modelo matem´atico desenvolvido prevˆe uma outra t´ecnica de conserva¸c˜ao, que ´e o uso da bacteriocina como bioconservante. Sendo assim, ´e interessante estudar quais fatores s˜ao essenciais na produ¸c˜ao de bacteriocina por bact´erias l´acticas em escala industrial.

Nessa modelagem consideramos que a produ¸c˜ao de bacteriocina ´e proporcional apenas a taxa intr´ınseca de crescimento das bact´erias l´acticas. Algumas pesquisas consideram o efeito de “quorum sensing” na produ¸c˜ao de algumas bacteriocinas. Para analisar esse tipo de mecanismo na regula¸c˜ao da express˜ao de genes necess´arios para s´ıntese de bacteriocina, desenvolvemos nos cap´ıtulos seguintes dois modelos matem´aticos.

Efeito de “Quorum sensing” em

bact´erias l´acticas

3.1

Regula¸c˜ao da express˜ao de genes

Para melhor compreender o mecanismo de regula¸c˜ao da express˜ao gˆenica em bact´erias, ser´a apresentado brevemente alguns conceitos e defini¸c˜oes da biologia molecular.

A informa¸c˜ao gen´etica contida no DNA (´acido desoxirribonucl´eico) ´e expressa pela s´ıntese de RNA’s espec´ıficos e prote´ınas, e o fluxo de informa¸c˜ao ocorre do DNA para o RNA (´acido ribonucl´eico), e deste para prote´ına. A s´ıntese de RNA a partir do DNA ´e chamada de transcri¸c˜ao. RNA’s mensageiros (mRNA’s) transmitem informa¸c˜oes do DNA, e cada mRNA na bact´eria funciona como modelo para s´ıntese de uma ou mais prote´ınas espec´ıficas. O processo pelo qual a sequˆencia de nucleot´ıdeo de uma mol´ecula de mRNA determina a sequˆencia prim´aria de amino´acido de uma prote´ına ´e chamado de tradu¸c˜ao (figura 3.1).

Nas bact´erias, os genes que codificam enzimas que participam de uma via metab´olica particular, frequentemente ocupam posi¸c˜oes cont´ıguas no cromossomo bacteriano formando “blocos gˆenicos” denominados operons. Um operon ´e constitu´ıdo por genes que codificam a s´ıntese de prote´ınas, os genes estruturais, antecedidos por uma sequˆencia de nucleot´ıdeos que

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Figura 3.1: Fluxo da informa¸c˜ao gen´etica que ocorre do DNA para o RNA, e deste para prote´ına. A partir do DNA ´e produzido RNA atrav´es do processo de transcri¸c˜ao. O processo de tradu¸c˜ao consiste na s´ıntese de uma prot´eina a partir das informa¸c˜oes contidas na mol´ecula de RNA men- sageiro.

funciona como uma regi˜ao que regula a express˜ao do operon. Esta regi˜ao, denominada pro- motor, funciona como s´ıtio de liga¸c˜ao da enzima RNA polimerase que catalisa a transcri¸c˜ao dos genes do operon. Os genes de um operon s˜ao transcritos como uma ´unica mol´ecula de RNA mensageiro denominado mRNA policistrˆonico. Ap´os a transcri¸c˜ao, o mRNA poli- cistrˆonico ´e processado para produzir as mol´eculas de mRNA espec´ıficas para cada prote´ına codificada pelos genes do operon. Desta forma, cada produto gˆenico ´e traduzido como uma mol´ecula independente [41].

As caracter´ısticas observ´aveis de uma bact´eria (fen´otipo) s˜ao determinadas pelo seu gen´otipo e pelas condi¸c˜oes ambientais. Altera¸c˜oes nas condi¸c˜oes ambientais requerem pronta adapta¸c˜ao para assegurar a sobrevivˆencia da popula¸c˜ao. As respostas `as altera¸c˜oes incluem adapta¸c˜ao aos nutrientes dispon´ıveis, defesa contra outros microrganismos que podem com- petir pelos mesmos nutrientes e defesa contra componentes t´oxicos potencialmente perigosos para a bact´eria. A s´ıntese de enzimas espec´ıficas, como resposta a uma nova condi¸c˜ao ambien- tal, envolve a express˜ao de genes espec´ıficos. A express˜ao gˆenica, por sua vez, ´e controlada pelos mecanismos de regula¸c˜ao gˆenica.

A habilidade de perceber a presen¸ca ou ausˆencia de componentes espec´ıficos e mudar as taxas de s´ıntese de produtos de genes apropriados s˜ao centrais no controle da express˜ao de genes. Existem mecanismos moleculares que captam sinais do ambiente e transmitem esta

informa¸c˜ao para reguladores apropriados. Esse ´e o conceito de transdu¸c˜ao de sinal.

H´a alguns anos foi descoberto um novo tipo de mecanismo regulador, cujo sinal de- sencadeante depende das bact´erias alcan¸carem em seu meio uma densidade celular limiar. Esse mecanismo passou a ser denominado de “quorum sensing” (percep¸c˜ao de quorum ou auto-indu¸c˜ao). O termo “quorum sensing” foi utilizado pela primeira vez em um trabalho de Fuqua e colaboradores em 1994 [19], e ´e entendido como um sistema de regula¸c˜ao ca- paz de controlar a densidade populacional dos microrganismos, e outras vari´aveis de car´ater fisiol´ogico, por meio de uma sinaliza¸c˜ao molecular intercelular. Antes disso, referia-se ao mecanismo de “quorum sensing” como “auto-indu¸c˜ao”.

A explora¸c˜ao desse mecanismo teve origem com alguns trabalhos que estudaram a a¸c˜ao de ferormˆonios em bact´erias e a intrigante comunica¸c˜ao e coopera¸c˜ao entre elas [47]. Dentre esses trabalhos, destacam-se o estudo da forma¸c˜ao do corpo frut´ıfero em Mycoccus xanthus [33], da bioss´ıntese de estreptomicina e forma¸c˜ao de mic´elio a´ereo em Streptomyces griseus [24], na indu¸c˜ao da competˆencia gen´etica em Streptococcus pneumoniae [44] e o estudo do controle da bioluminescˆencia na bact´eria marinha Vibrio fischeri, que vive em simbiose com algumas esp´ecies de peixes e lulas [38]. Auto-indu¸c˜ao foi originalmente descrita para a bact´eria Vibrio fischeri nos in´ıcios dos anos 70. Nealson e colaboradores [38] foram os primeiros a proporem que a auto-indu¸c˜ao da bioluminescˆencia em Vibrio fischeri ocorre em n´ıvel de transcri¸c˜ao, e que o processo ´e regulado por componentes secretados extracelular- mente.

Outro exemplo, tamb´em muito discutido, ocorre na bact´eria patogˆenica Pseudomonas aeruginosa [14]. A percep¸c˜ao de “quorum” interv´em na forma¸c˜ao de biofilmes sobre su- perf´ıcies, onde essas bact´erias est˜ao mais protegidas. Al´em disso, o “quorum sensing” est´a envolvido no desencadeamento de mecanismos de patogenicidade para atacar os tecidos do hospedeiro ou paciente.

Atrav´es do mecanismo de “quorum sensing”, as bact´erias s˜ao capazes de coordenarem seu comportamento. ´E muito importante para uma bact´eria patogˆenica durante a infec¸c˜ao de um hospedeiro (por exemplo, humanos, animais ou plantas), coordenar sua virulˆencia para escapar da resposta imunol´ogica, e ser capaz de estabelecer uma infec¸c˜ao com sucesso. Pesquisas sobre “quorum sensing” tˆem muitas aplica¸c˜oes potenciais, sendo que a maioria

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delas prop˜oe controlar a bact´eria, interferindo com seus sistemas de sinaliza¸c˜ao.

O mecanismo de “quorum sensing” pode proporcionar, para uma popula¸c˜ao bacteriana, uma resposta cooperativa que garanta o acesso a nutrientes ou nichos ambientais espec´ıficos, promove defesa coletiva contra competidores, e facilita sobrevivˆenvia atrav´es da diferencia¸c˜ao em formas morfol´ogicas mais adaptadas.

Muitas bact´erias l´acticas produzem pept´ıdeos antimicrobianos, tamb´em chamados bac- teriocinas, e sua produ¸c˜ao ´e frequentemente regulada via mecanismo de “quorum sensing” baseado em um pept´ıdeo ferormˆonio secretado. Os genes para a produ¸c˜ao de bacterioci- nas est˜ao geralmente localizados em operons, que podem estar presentes no cromossomo da c´elula ou serem codificados por um plasm´ıdeo ou transposon [7].

O sistema respons´avel pela regula¸c˜ao da produ¸c˜ao de bacteriocinas ´e composto por um pept´ıdeo indutor (ferormˆonio), histidina quinase transmembrana (receptor do ferormˆonio) e regulador de resposta. O pept´ıdeo indutor ´e sintetizado no ribossomo em baixos n´ıveis como pr´e-pept´ıdeo, que ´e modificado e secretado para o meio externo. Quando este composto atinge certa concentra¸c˜ao, ativa a histidina quinase que conduz a uma autofosforila¸c˜ao do res´ıduo de histidina quinase, transferindo para a prote´ına reguladora de resposta um fos- fato. Este regulador fosforilado ativa a transcri¸c˜ao de bacteriocina, al´em dos elementos que comp˜oem o sistema regulador, iniciando um feedback positivo.

Conforme exposto anteriormente, a express˜ao de genes para produ¸c˜ao de algumas bac- teriocinas ´e regulada pelo mecanismo de “quorum sensing”. Um dos casos melhor caracteri- zados de “quorum sensing” em bact´erias l´acticas prov´em do conhecimento da bioss´ıntese da nisina [29]. Por essa raz˜ao, com base no conhecimento bioqu´ımico de regula¸c˜ao da s´ıntese de nisina, desenvolvemos neste cap´ıtulo um modelo matem´atico de “quorum sensing” em Lactococcus lactis, bact´eria produtora da bacteriocina nisina.

O enfoque ser´a dado para a produ¸c˜ao de nisina, por´em o mecanismo fundamental de “quo- rum sensing” ´e semelhante para outras bacteriocinas. O objetivo principal dessa modelagem ´e estudar e analisar como esse mecanismo funciona em n´ıvel molecular, para futuramente incluir o efeito de “quorum sensing” na produ¸c˜ao de bacteriocina em um modelo de dinˆamica populacional.

3.2

Modelagem matem´atica do efeito de “quorum

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