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Adélia Moreira Pessoa29

Introdução

A discriminação de gênero não pode ser vista isoladamente – ela emerge de uma combinação complexa de fatores histórico-culturais, em um contexto onde a mulher, ape- sar do reconhecimento da igualdade nas leis, muitas vezes, é tratada como inferior e não protagonista de sua história.

Parte-se da compreensão, conforme SCOTT (1990, p.5-22), de que o sexo não é suficiente para explicar o comportamento diferenciado do masculino e do feminino em sociedade; daí, a categoria gênero é mais apropriada para se entender as razões da não efetivação plena dos direitos da mulher, apesar de previsão formal no direito brasileiro da isonomia entre homem e mulher.

Dessa forma, utilizando-se o conceito de gênero como produto social aprendido, institucionalizado e transmitido de geração em geração, percebe-se que os papéis sociais, distribuídos de modo desigual entre os sexos, são definidos culturalmente entre agentes imersos em relações de poder. Essa percepção pode trazer uma melhor compreensão sobre a origem e a permanência da discriminação e violência contra a mulher, a divisão sexual do trabalho, dos espaços, das formas de sociabilidade e diferenciação de papéis a serem de- sempenhados pelo homem ou mulher que era (ou ainda é??) tida como fundamentada na própria natureza que teria demarcado espaços para os sexos. Filósofos, religiões e mesmo as ciências serviram para reforçar a crença na inferioridade do sexo feminino e as normas jurídicas foram instrumento de sujeição da mulher através dos séculos, contribuindo para a herança do silêncio, discriminação e da violência, inclusive, o espaço da casa privatizou os conflitos domésticos, sendo a violência contra a mulher legitimada pelo Direito que con- feria ao marido o direito de “disciplinar” a mulher.

Assim, não será a mera existência de leis que determinará a mudança de padrões culturais sexistas que imperam ainda em nossa sociedade. Há necessidade de políticas pú- blicas consistentes, articuladas de modo transversal em todas secretarias, e fiscalizadas pelos Conselhos de Direitos da Mulher com a participação social.

Sobreleva ressaltar a necessidade de ações educativas em todos os níveis de ensi- no, mas, não apenas na educação formal, mas também através de todos meios de divulga- ção, especialmente a mídia; políticas assistenciais e de saúde; políticas culturais e de es- portes, enfim ações efetivas para mulher em todos os campos. Um desafio apresenta-se se quisermos contribuir para uma existência menos excludente, com enfrentamento real da discriminação: um questionamento diário das “verdades” secularmente impostas, identi-

29 Licenciada em História. Bacharela em Direito. Pós-graduada em Direito de Família e Políticas Públicas e em Ciências Educacionais. Professora de Direito de Família e Sucessões. Atualmente: Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Aracaju; Presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família); Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da OAB/ SE; Membro da Comissão Nacional da Mulher Advogada; Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Hermenêutica Constitucional Concretizadora dos Direitos Fundamentais e seus reflexos nas relações sociais; Presidente da Academia Sergipana de Letras Jurídicas. Autora de várias publicações. Anteriormente: Professora-Adjunta da UFS (aposentada). Promotora de Justiça (Aposentada).

ficando estereótipos e preconceitos que resistem apesar das leis, pois as normas jurídicas não são suficientes para mudar a realidade de discriminação e violência contra a mulher. E os Conselhos de Direitos tem papel relevante na concretização dos direitos da mulher. Proteção à mulher no direito brasileiro

O período pós-guerra, especialmente a partir da segunda metade do século XX, conforme Pessoa (2006, p. 34-35), foi marcado por uma série de tratados, resoluções e declarações internacionais que reconhecem os direitos fundamentais do ser humano, em suas especificidades e, dentre eles, os que tratam do enfrentamento à discriminação contra as mulheres, como a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra Mulheres (1979), a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a Mulher – denominada Convenção de Belém do Pará (1994), o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Discriminação contra a Mulher(1999), entre outros, são indicadores do longo caminho percorrido e do avanço global do direito relativo à proteção da pessoa humana, em suas especificidades. O Brasil ratificou essas convenções internacionais, incorporando tais normas ao seu ordenamento jurídico30, comprometen-

do-se a garantir esses direitos a todas as mulheres, sem qualquer discriminação, buscando sua plena efetividade.

Nesse sentido, Daniela Ikawa (2005,p.25) explicita que a proteção dos direitos da mulher é parte de um processo de especificação de direitos que se afirmou através de di- versas convenções que quebraram a dicotomia entre o público e o privado, acarretando a aplicabilidade do Direito mesmo a casos ocorridos na esfera doméstica. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979)31 define discrimi-

nação contra a mulher, em seu artigo 1º, estabelecendo como tal:

(...) toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, in- dependentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais, nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

Vale frisar que, em 1993, na Declaração de Viena, os direitos humanos das mulhe- res ganham o reconhecimento integral da comunidade internacional, ficando ali estabele- cido, em seu artigo 18: “Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e

constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais”.

A Convenção de Belém do Pará (BRASIL, 1994), em seu art. 1º, define violência con- tra a mulher como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou

sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera pri-

30 O art. 5º, § 2º, da Constituição de 1988 não se contenta em afirmar o caráter exemplificativo da enumeração dos direitos, admitindo outros vincula- dos ao sistema e a seus princípios, inovando em relação às constituições anteriores, ao acrescentar: “ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

31 A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW — Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women) foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de 1979. Assinada pelo Brasil, com reservas na parte relativa à família, em 31/03/1981, e ratificada pelo Congresso Nacional, com a manutenção das reservas, em 01/02/1984. Em 1994, tendo em vista a isonomia entre homens e mulheres estabelecida na Constituição de 1988, o governo Brasileiro retirou as reservas, ratificando plenamente toda a Convenção.

vada” e, em seu art. 3º, estabelece: “Toda mulher tem direito a uma vida livre de violên- cia, tanto na esfera pública como na esfera privada”. Importante salientar que equipara

a discriminação a uma forma de violência contra a mulher reforçando a indivisibilida- de desses direitos, deixando claro que a não violência é condição fundamental para a fruição dos direitos das mulheres. Guilherme Assis de Almeida (2001, p.83) enfatiza inovação da Convenção ao introduzir o conceito de violência baseada no gênero como aquela que é cometida, pelo fato de a vítima ser mulher, e, amplia o âmbito de aplica- ção dos direitos humanos, tanto na esfera pública - ocorrida na comunidade -, como na esfera privada - no âmbito da família ou unidade doméstica.

Na denominada Cúpula do Milênio realizada pela ONU, em setembro de 2000, os países-membros das Nações Unidas comprometeram-se a cumprir alguns objeti- vos, estabelecidos como Metas do Milênio, e, dentre essas, inclui-se promover a igual- dade entre os sexos e a autonomia das mulheres.

Na Cúpula Mundial da Família, realizada em Sanya, China, em dez de 2004, ficou registrado que “diferenças entre os gêneros permanece sendo um problema grave.

Violência doméstica ainda viola os direitos humanos das mulheres e ameaça sua segu- rança pessoal, autoestima e saúde”.

Os participantes da Cúpula Mundial da Família de 2004 comprometeram- -se a disseminar o conteúdo da Declaração de Sanya e convocar governos, socie- dade civil e outras instituições a aumentar esforços, entre outras coisas, no sen- tido de dar força a famílias e seus membros, em especial mulheres e meninas, e colocá-las no foco das políticas de redução de pobreza; garantir direitos iguais entre todos os membros da família com atenção especial aos direitos das mulhe- res e meninas; dar suporte a políticas de família que promovam a participação de homens na divisão de responsabilidades das tarefas domésticas; empoderar32

mulheres a participarem da vida pública e livrá-las do descaso, exploração, abuso e violência. Em seu artigo 5º, ao tratar da Família e Igualdade de Gênero, precei- tua: “A Igualdade entre mulheres e homens é baseada no valor fundamental e igual

de cada pessoa e é essencial para o bem estar da família e da sociedade em geral”.

Estabelece, ainda, que a igualdade e equidade de gênero na família, assim como a plena participação da mulher em todas as esferas da sociedade é essencial para o desenvolvimento sustentável.

O jurista Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 10) pondera que o direito deve tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o fundamento absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelo texto constitucional e o assimilado pelo sis- tema normativo vigente. Só há possibilidade de a lei estabelecer tratamento diferen-

32 Empoderamento (empowerment) – Termo cunhado na língua inglesa para designar um processo contínuo que fortalece a autoconfiança dos grupos populacionais desfavorecidos e os capacita para a articulação de seus interesses e para a participação na comunidade, facilitan- do-lhes o acesso aos recursos disponíveis e o controle sobre estes, a fim de que possam levar uma vida autodeterminada e auto-responsável e compartilhar do processo político. Dessa forma, a abordagem de empoderamento das atividades ligadas ao fomento das mulheres aponta para a autodeterminação, o aumento do nível de auto-organização, assim como para um papel mais ativo do sexo feminino em todos os processos sociais. (fonte: www2.gtzde/glossar).

ciado entre as pessoas se houver diferença juridicamente relevante entre elas. Assim, para MELLO (2006, p. 17) há de se observar que:

[...] as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculia- ridade diferencial acolhida, por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com inte- resses prestigiados na Constituição.

Com efeito, a própria Constituição da República Federativa do Brasil recolheu na realidade social elementos que reputou serem possíveis fontes de desequiparações odio- sas e explicitou a impossibilidade de virem a ser utilizados, tais como raça, sexo, trabalho, credo religioso e convicções políticas (MELLO, 2006, p. 18).

Afirmando a isonomia, a Constituição de 1988 tem enorme importância na histó- ria dos direitos da mulher brasileira. Dispôs, em vários artigos, os princípios de igualdade entre homem e mulher, estabelecendo, nos direitos individuais, art. 5º, inciso I – “homens e

mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição”; sobre os direitos

sociais, em relação à mulher trabalhadora, no art. 7º inciso XXX, prescreve a “proibição de

diferenças de salários, de exercício de funções e de critérios da admissão por motivo de sexo”;

ao tratar dos direitos na família, no art. 226, §5º afirma que “os direitos e deveres referentes à

sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. (BRASIL, 1988)

Além disso, no parágrafo 8º do art. 226, a Constituição estabelece que cabe ao es- tado o dever de assegurar assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, devendo criar mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

O artigo 3ª da Constituição Federal enumera os objetivos fundamentais da Repúbli- ca Federativa do Brasil, deixando evidente que a proteção social se materializa nas políticas sociais efetivadas, no sentido de promover o bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação.

A lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha- regulamentou o §8º do art. 226 da Cons- tituição de 1988 e prevê o Enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres em três eixos: Proteção e Assistência; Prevenção e Educação; Combate e Responsabilização. Reconhece a violência contra as mulheres como problema de múltiplas dimensões que não pode ser tratada apenas como problema de justiça cri- minal. Representa um novo capítulo na luta pelo fim da violência contra as mulheres, inovando no cenário jurídico brasileiro ao definir a necessidade de políticas públicas para proteção integral à mulher em situação de violência.

Assim, o enfrentamento à discriminação e violência contra a mulher demanda a adoção de políticas públicas adequadas que envolvam áreas diversas.

Políticas públicas como instrumento de concretização de direitos

No Brasil, o desenvolvimento das políticas públicas foi lento e tardio; na primeira república, a questão social era tratada como caso de polícia.Na Era Vargas (1930/ 1945), aparecia como “favor”33. Com a Redemocratização (1945 – 1964), governos populistas, 33 Durante esse período, de cunho paternalista, constituiu-se um complexo sistema de gestão e regulação dos conflitos sociais, marcado pela ideia de

marcados por medidas de cunho antecipatório às demandas e pressões sociais, perce- beram que era preciso conceder no periférico para salvar o essencial: grandes decisões pela cúpula, alianças de setores dominantes minoritários, afastamento das camadas po- pulares34. Com o Golpe Militar (1964), verifica-se violenta repressão às manifestações

populares e a política social integra o conjunto das estratégias de governo buscando a legitimação de um modelo de desenvolvimento sob o lema da segurança nacional.

A partir de 1977, ocorre a abertura política, lenta e gradual, no governo Geisel. A década de 1980 assistiu a uma recessão econômica, com crise do petróleo, arrocho salarial, inflação, controle pelo FMI, pagamento da dívida externa. Por outro lado, na sociedade civil há a reorganização dos sindicatos e dos partidos políticos e criação de novos partidos.

O agravamento da questão social na década de 80, em decorrência do aumento da pobreza e da luta pela redemocratização do Estado, coloca em cena o debate a respeito das políticas públicas. Nesse contexto, importa a discussão não apenas do padrão histórico que tem caracterizado as políticas sociais no país - seletivo, fragmentado, excludente e setori- zado - mas a necessidade de repensar os processos decisórios responsáveis pela definição de prioridades e modos de gestão de políticas.

Nessa época, as reivindicações feministas pugnavam pela adoção de políticas públi- cas que pudessem alterar os padrões culturais sexistas dominantes e oferecer atendimento diferenciado à mulher vítima de violência. Os movimentos de mulheres denunciavam a dis- criminação baseada no gênero, inscrita nas leis; o descaso policial no registro de ocorrên- cias de violência sexual; a atuação discriminatória da justiça criminal, com decisões que ab- solviam homens que agrediam suas parceiras, legitimando, dessa forma, o comportamento masculino. Pugnavam pela formulação de políticas públicas para enfrentar a violência e a discriminação, especialmente para acabar com a impunidade nos casos de violência prati- cadas contra as mulheres, fomentando a criação das Delegacias de Defesa da Mulher, que permitiram maior visibilidade ao problema, contribuindo eficazmente nos debates, políticas e estudos sobre a violência contra as mulheres.

Com efeito, a criação em 1985 da primeira Delegacia de Defesa da Mulher, em São Paulo representou grande avanço como salienta Adriana Loche:

Pela primeira vez no Brasil, a violência baseada nas diferenças de gênero passava a ser tratada como um assunto de política pública, institucionalizando-se a prevenção e a repressão da violência contra a mulher. Objetiva-se, dessa, forma, acabar com a impunidade que favorecia os agressores, criminalizando esse tipo de comportamento enraizado na cultura brasileira (LOCHE, 1999, p. 123-124).

A Constituição de 1988 adota um perfil das políticas públicas como um direito que pode ser reclamado - direito de cidadania - e não mais vistas como ajuda ou favor ocasional e emergencial; complementada pela Lei 8742/93 – LOAS(Lei Orgânica da Assistência So- cial) e outros diplomas normativos, estabelece o novo direito o co-financiamento dos entes federados (União, estado, municípios), com enfoque na descentralização e participação,

colaboração entre as classes. A CLT de 1943, inspirada na Carta del Lavoro do regime fascista italiano, regulou as relações entre os empregadores e traba- lhadores. Vivíamos uma época autoritária, com a subordinação da organização sindical ao Estado.

34 Na década de 50 (e até 1964), o movimento social avança no campo e na cidade e há uma ampliação da consciência sociopolítica de segmentos da burocracia estatal. Na sociedade civil, desenvolve-se anseio por reformas sociais, políticas e econômicas.

destacando-se a importância da participação da sociedade civil. Aí o importante papel dos Conselhos de Direitos.

Atualmente, as políticas públicas figuram na ordem do dia nas discussões jurídi- co-sociais. Elas se apresentam como medidas jurídicas, administrativas, orçamentárias e financeiras, adotadas no plano governamental, e voltadas para a realização de direitos de conteúdo positivo, que exigem uma prestação por parte do Estado. Assim, são programas de ação governamental para coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, visando à realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente deter- minados (BUCCI, 2006, p. 241).

A expressão política pública, no dizer de MANCUSO (2001, p. 731), pode ser enten- dida como conduta da Administração Pública voltada à consecução de programa ou meta previstos em norma constitucional ou legal - não um “fim em si”, mas a criação de um “mero instrumento” de governo, determinando obrigações a serem adimplidas, de condutas a se- rem implementadas – sujeita ao controle jurisdicional.

Em relação às políticas públicas para as mulheres, vários aspectos devem ser leva- dos em consideração, tendo em vista que as necessidades são muitas e os recursos finitos: a quem compete a definição de prioridades, a formulação, implementação e avaliação das políticas públicas? Quais as articulações necessárias? Qual a fonte de recursos? Quais os mecanismos que podem viabilizar a participação popular? Quais as necessidades da popu- lação feminina elegíveis para cada política? Como operacionalizar? Como avaliar?

As políticas públicas demandam a atuação dos poderes do Estado, do Ministério Público, e, cada vez mais, a participação social. Com efeito, o Poder Executivo é legitimado constitucionalmente a tomar a iniciativa de formular e implementar políticas públicas. Por sua vez, o Poder Legislativo possui ampla possibilidade de manifestação e deliberação, res- salvadas as limitações constitucionais. Atua, ainda, no controle e fiscalização das políticas públicas, com o auxílio do Tribunal de Contas.

O Poder Judiciário promove o controle de constitucionalidade e de legalidade das políticas públicas, havendo, inclusive, a possibilidade de controle de mérito, nos casos de legislação ou atividade desarrazoada ou proteção insuficiente. Segundo o Supremo Tribunal Federal, o poder de legislar não é ilimitado, havendo que se preservar o mí- nimo intangível assegurador da dignidade do ser humano. Além disso, como esclarece o Ministro do STF, Celso de Mello (STF, 2004) a atuação do Poder Judiciário aduz que a norma programática não pode ser vista como promessa constitucional inconsequente. Assim a possibilidade de controle do mérito ocorre, também, quando os Poderes Exe- cutivo e Legislativo demitem-se da obrigação de tornar efetivos os direitos assegurados na Constituição. E o Ministério Público tem sido canalizador de demandas, merecendo destaque também a atuação da sociedade civil e, especialmente, há necessidade de refor- çar e cobrar a atuação de Conselhos de Direitos na articulação e fiscalização de políticas públicas.

Anteriormente, no estado liberal-burguês, pugnava-se pelo reconhecimento dos direitos civis e políticos frente ao estado e, “quanto menos palpável a presença do Estado, nos atos da vida humana, mais larga e generosa a esfera de liberdade outorgada ao indiví-

duo. Caberia a este fazer ou deixar de fazer o que lhe aprouvesse” (BONAVIDES, 1980, p. 31). Atualmente, como enfatiza SARLET (2006, p. 216), a Constituição de 1988 assegurou aos indivíduos a possibilidade de exigir do Estado, prestações específicas, materializadas em políticas públicas por conter normas definidoras de tarefas e programas de ação a se- rem concretizados pelos poderes públicos.

A meta central das constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida na promoção do bem-estar do ser humano, cujo ponto de partida está em as- segurar as condições de sua própria dignidade.35 O papel do estado passou de provedor da

equidade a gerente de políticas públicas, com ênfase em novos paradigmas na redefinição