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SUBJETIVAÇÕES FEMININAS PRESENTES EM POR ESCRITO

Elza Ferreira Santos83

O presente artigo intenciona discutir como a feminilidade é representada dentro do imaginário das mulheres. Inseridas em um contexto histórico no qual os movimentos feministas legaram para a cultura diversas conquistas, espera-se, muitas vezes, que mu- lheres de uma determinada classe social, possuidora de certo status escolar e profissional reconhecida saibam posicionar-se como mulheres autônomas, independentes. Entretanto isto não é regra: há mulheres bem colocadas no mercado de trabalho, escolarizadas, cien- tes de seus direitos, mas não conseguem se desvencilhar das teias de opressão geradas nas relações sociais das quais fazem parte.

Os movimentos feministas construíram um legado que foi disseminado por várias partes do mundo. Quer se saiba sobre eles ou não, suas ideias chegaram até os lugares mais longínquos. Hoje provavelmente quaisquer mulheres sabem que podem vestir-se do modo como queira, que podem frequentar escolas e escolher a profissão dos seus interesses, en- tre outros. No Brasil, de norte a sul, se sabe que o cargo de presidência de um país pode ser assumido por uma mulher. Independentemente da filiação aos movimentos feministas ou da concordância com seus postulados, a presença de suas ideias é tão forte em nossa cultu- ra de tal modo que aqueles que escolhem a mulher como objeto de estudo ou como objeto estético dificilmente não apresentarão um trabalho envolto nessas ideias.

Ciente de tudo isso pode significar que os avanços foram muitos e que atingiram a todas e todos modificando sua vida para melhor, inclusive. Mas o que acontece quando há mulheres que não escolhem ser livres? Esse trabalho recupera a ideia de que a mulher não é um sujeito universal. “Não existe A Mulher” porque cada uma se posiciona de um modo bem distinto do da outra. No que diz respeito à produção de discursos, ver-se-á que quando se espera uma atitude revolucionária nem sempre acontece e quando se espera total alie- nação, o discurso pode surpreender.

Ciente dos diversos discursos que circulam em torno do feminino e dos movimen- tos feministas e ciente de suas contradições, empreendemos uma leitura apurada do ro- mance Por Escrito de Elvira Vigna a fim de detectar discursos emitidos por personagens femininas. Que situações fazem delas mais ou menos livres das artimanhas do contexto so- cial com nuances machistas? Como se relacionam as mulheres nas situações conflituosas? Para responder tais questões, nos valemos do entendimento que o processo de subjetiva- ção é fruto da história construída coletivamente e dos processos psíquicos construídos nas relações de gênero e de poder. Para tanto, nos valemos do arcabouço teórico dos estudos de gênero de Judith Butler e dos de sexualidade compreendidos por Foucault.

A autora e o romance

Elvira Vigna é uma dessas escritoras que aparece silenciosamente e provoca re- verberações surpreendentes. Seus livros arrebatam crítica e público, possuem uma escrita contundente e, por isso mesmo, reveladora de sentimentos mais recônditos do ser huma- no. Em Por Escrito, a narradora vai por meio de papeis discorrendo o drama de viver cerca- da por contradições e incertezas as quais se mostram na escrita de um diário impreciso, da história de uma vida que se confunde com os dramas sociais da pobreza, com os conflitos amorosos diversos, com a mesquinhez dos patrões ou dos coronéis, com a hipocrisia das relações humanas etc.

O romance foi publicado em 2014. É fruto de uma escritora madura e experiente. Como ela mesma se define, “Na carteira de trabalho sou jornalista. Trabalhei por diver- sos períodos em O Globo, para a Folha de São Paulo na época em que morei no exterior, para O Estado de São Paulo de 1999 a 2003” (VIGNA, 2007). Mas sua experiência vai além do jornalismo, perpassa pela literatura com formação em letras, divide a paixão e os estudos por imagem – desenho e cinema –. Enfim, Elvira nasceu em 1947, no Rio de Janeiro. É jornalista, escritora, roteirista e ilustradora. Tem vários livros publicados e alguns prêmios, como o de ficção da Academia Brasileira de Letras e um prêmio Jabuti de literatura infantil - setor a que se dedicou no início de sua carreira.

Elvira faz parte de uma geração de mulheres que vivenciaram as experiências advindas da segunda e da terceira ondas do movimento feminista. Sua escrita denota a compreensão de uma mulher que luta por autonomia do pensar e do agir. Uma mulher que não só trabalha para sustentar-se financeiramente, mas também luta para esca- par da opressão de um casamento convencional em que dependa exclusivamente do homem o vínculo afetivo ou financeiro. Em Por Escrito, há mulheres que extrapolam a identidade de fortes ou de frágeis, são elas ao mesmo tempo paradoxais. Por exemplo, a narradora que tem o domínio da escrita, pois escreve quando quer e sobre o que quer também precisa lidar com a solidão e com a invisibilidade que experimenta nas “cadei- ras” do saguão dos aeroportos e nos bastidores do mundo do agrobusiness.

Assim, a narrativa aproxima-se de uma postura pós-feminista ou no mínimo de um feminismo de terceira onda em que a autorreflexão faz-se presente. A narradora sente um desprezo pelo mundo dos negócios, pelo casamento ao tempo em que se interessa ou é levada a interessar-se pelas relações amorosas de seu irmão e pela opressão de que foi vítima sua mãe. O que sente pela ex-esposa de seu companheiro? Um misto de desprezo e dó, afinal, era a mulher que preenchia a cama e o coração do companheiro e agora se des- trói sozinha pela doença que a consome e pela solidão em que mergulhou depois do fim do casamento. O fato é que a escrita de Vigna reconta a invasiva realidade da qual todos fazem parte, ou seja, o livro é sobre a rotina, os detalhes triviais, as dores e raivas do dia a dia de mulheres comuns.Sem dúvida, esta é uma narrativa de mulheres com seus dramas, dores, silêncios e gritos.

Os movimentos feministas, suas ideias e a escrita de Vigna

Desde a Revolução Francesa que as mulheres estão em organizações lutando por igualdade contra uma dominação masculina. Atualmente, sua luta constitui-se em uma ten- tativa da ressignificação do ser mulher, uma ressignificação que garanta às mulheres liber- dade e autonomia (SANTOS, 2013). Sua luta é mais do que reivindicar conquistas palpáveis como creches, salários dignos etc. Sua luta passa pelo conquistar respeito, dignidade, direi- to a escolhas profissionais. A luta que faz o movimento feminista é, parafraseando Foucault (1984), transversal, pois tal luta se faz presente em todo o mundo. Não está confinada a uma forma política e econômica particular de governo. Ademais, “a oposição ao poder dos homens sobre as mulheres não se constitui em ser tão somente uma luta antiautoritária” (FOUCAULT, 1984, p. 234), é uma manifestação que envolve a emergência de novas dimen- sões de subjetividade.

As questões contemporâneas passam a envolver aspectos pessoais e íntimos da vida humana: sexualidade, relacionamento marital etc. tal como uma literatura brasileira compreendida por Marina Colasanti, Hilda Hilst, pela própria Elvira Vigna, entre outras. Nesse sentido, a aproximação feita à abordagem feminista e à abordagem foucaultiana se impõe como interessante, pois nelas se valorizam os discursos, as compreensões do que está em jogo nas formas de opressão e, principalmente, como se operam os poderes.a nar- rativa de Vigna iInsere-se nas lutas designadas por Foucault como contemporâneas, aque- las que “giram em torno de quem somos”.

O feminismo, como movimento e filosofia, tem sua origem na Europa Ocidental a partir do século XVIII (KAPLAN, 1992). Para alguns, esse tipo de perspectiva só seria possível após o fenômeno do Iluminismo com a presença de pensadoras como Mary Wortley Montagu e a Marquesa de Condorcet, lutadoras da educação feminina. A primeira sociedade científica para mulheres foi fundada em Middelburgo, uma cidade ao sul dos Países Baixos, em 1785. É aqui que se configura a primeira onda do feminismo84. É salutar destacar a Declaração dos

direitos da mulher, de 1791, escrita por Olympe de Gouges, como a expressão de uma luta em prol das mulheres: “Olympe põe em evidência o direito de resistência à opressão em relação à declaração masculina” (GERHARD, 1995, p. 54).

A segunda onda começa a partir das décadas de 60/70 do século XX. Resulta do progresso educativo das mulheres. São citados como marcos os livros de Simone de Beau- voir – O Segundo Sexo de 1949 –, de Beth Friedman – A Mística do Feminino de 1963 – e o de Kate Millet – A Política dos Sexos de 1971. Se na primeira fase buscavam-se direitos civis como o voto e o acesso ao ensino superior, na segunda fase, buscavam-se reivindicações mais amplas como o direito à sexualidade e à igualdade em relação aos homens no merca- do de trabalho. Foi um momento de engajamento político.

Faz-se importante lembrar que nos anos 60, também, o movimento feminista pre- senciou uma grande conquista que alterou a vida na família e implicou participação maior no mundo do trabalho: o surgimento da pílula. A revolução sexual dos anos 60 questionou os valores patriarcais e religiosos que restringiam a vida da mulher ao lar e à família. Aqui

84 A denominação ‘ondas’ usada para explicitar as fases do movimento feminista foi alcunhada por Maggie Humm no Dictionary of Feminist Theory (HUMM, 1995).

no Brasil, segundo Beltrão e Alves (2004), houve um salto qualitativo na situação da mulher brasileira que ampliou sua presença em todos os níveis de ensino, iniciou a transição da fe- cundidade e passou a apresentar taxas crescentes de participação no mercado de trabalho.

Foi também na segunda onda do feminismo que surgiram os estudos de Gênero. A terceira onda acontece a partir dos anos 90 e tem se construído como um mo- mento de intensa reflexão e de consolidação das teorias feministas. Em 1995, acontece a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, na cidade de Beijing. Agora novos agentes passaram a reivindicar os direitos e ações mais afirmativas que minimizassem seus problemas. Mu- lheres negras, lésbicas, domésticas se distinguem tecendo seu discurso que se constituía muito diferente do discurso das mulheres brancas burguesas feministas presentes nas or- ganizações feministas dos anos 60/70. As discussões em torno de raça/etnia, classe, sexua- lidade e gênero traziam outras solicitações.

Scavone (2004) refere-se à terceira onda do movimento feminista como relacional já que nela homens e mulheres “posicionam-se com suas respectivas identidades, tempos, situações políticas e sociais” (SCAVONE, 2004, p. 15); Aqui, admitem-se novos sujeitos so- ciais e questionam-se os modelos convencionais de homem e mulher.

Os feminismos também têm produzido uma crítica contundente ao modo domi- nante de produção do conhecimento científico além de proposto modelos alternativos de operação e articulação nesse campo (RAGO, 1998; SCHIEBINGER, 2001). Os feminismos têm produzido um contradiscurso, propondo uma nova linguagem em que se possa pro- cessar o universo científico. Segundo Rago (1998, p. 25), “a crítica feminista evidencia as relações de poder constitutivas da produção dos saberes, como aponta Michel Foucault”.

No Brasil, no que diz respeito à produção literária, são do século XIX os primeiros textos escritos por mulheres brasileiras que têm alguma divulgação entre o público letrado. O destaque é Nísia Floresta Brasileira Augusta, considerada, inclusive a primeira feminista (GOTLIB, 2003). Outros nomes mais retumbantes apareceram no século XX. Num primeiro momento modernista, houve Patrícia Galvão, conhecida como Pagu. Sua postura feminista e comunista era perceptível na sua obra literária:

o romance se sobressai mais pelo seu tom de firme inconformismo, buscando novos caminhos de ação prática e evitando o perigo da simples e passiva constatação da vitimização da mulher e do homem, agora, unidos ou enquanto operários, ou en- quanto militantes, diante das circunstâncias nefastas de desigualdade social (GOT- LIB, 2003, p. 19)

As mulheres, logo, começavam a expressar sua voz de denúncia, de reflexão. O tom lírico se inseriu perfurando um contexto anteriormente preenchido majoritariamente por homens. Ressalta-se a produção de Cecília Meireles. Por vezes, o tom político de engaja- mento reaparece trazendo a concepção comunista no jeito de explicar a configuração so- cial a exemplo da obra de Raquel de Queiroz com suas personagens femininas cheias de valentia, heroísmo e possibilidade de liberdade.

Mais recentemente, as mulheres ocuparam a tessitura introspectiva de escrever. Inicialmente, o grande modelo foi o de Clarice Lispector que buscava demonstrar as contra- dições das ações do ser humano – digo, da mulher –. Contradições entre os aspectos fanta-

sísticos e os reais. Em Clarice, a mulher é desvelada como ser que deseja, que se liberta das condições sociais mas que nem sempre se liberta de seus medos, de sua angústia. A partir daí outros nomes de mulheres e de homens despontam no cenário literário brasileiro.

O psíquico cede espaço para as questões referentes ao cotidiano feminino, sua lida em casa com filhos, com esposo, a exemplo da obra de Adélia Prado e de Cora Coralina. Há também a poética que destaca a condição de ser negra, de ser oprimida pela repressão social e sexual, como a de Conceição Evaristo. Enfim do metafísico ao pornográfico, do po- lítico ao privado, não houve temática que não fosse encarada como objeto da escrita pelas mulheres escritoras.

O mundo da privacidade recalcada e até mórbida da mulher, no seu espaço fami- liar de que se vê na maioria das vezes prisioneira, e a dimensão coletiva em que a mulher descortina a consciência de seu não-espaço, marginal e massacrado, será assunto de outros romances femininos, como os de Lygia Fagundes Telles e Lya Luft (GOTLIB, 2003, P. 26)

No caso de Elvira Vigna, a fantasia e a realidade se fundem: os aspectos sociocul- turais se mesclam aos devaneios e aos dramas existenciais. Por escrito é demasiadamente humano, com registros emocionantes que nos deixam afetadas porque desvela a opressão social através do mundo do café, das viagens de negócios a que tem de se submeter a prota- gonista, bem como a opressão através da oligarquia tipicamente nordestina que massacra a mulher mãe solteira, aquela que não pode figurar nos casamentos de altares. Enfim, para autora, “a literatura nunca será um simples entretenimento. Será sempre uma viagem em busca de algo. Mesmo que esta viagem tenha invariavelmente um destino desconhecido” (PEREIRA, 2010).

Escrever é coisa de mulher e o que não é?

A protagonista do livro em questão está sempre a escrever. É preciso registrar até o nada, até a ausência dos “pinheirinhos”. No papel, coloca as emoções, mas princi- palmente seu vazio diante do que está acontecendo com ela, com seu irmão Pedro, com Molly sua mãe, com Alexsandra quase sua cunhada, com todos que de certa forma apare- cem em sua vida.

O fato de inicialmente a personagem aparecer com a necessidade da escrita leva- -nos a crer que a escrita é a forma com a qual ela se conecta com o mundo de modo mais direto, ou seja, com menos intervenções. Há somente ela e a representação gráfica: “... fo- tografo tudo, anoto tudo, os detalhes. Para que não sumam. Para que não acabem. (VIGNA, 2014, p. 11). Não significa que ela escreva exatamente um diário. São apenas registros dos fatos que ocorreram ou não ocorreram no dia. São registros de vivências experimentadas ou imaginadas: “Então, o que tomo nota no papelzinho é na verdade uma ausência de uma ausência. (VIGNA, 2014, p. 15.)

É na escrita que ela tem de compreender o mundo. A escrita presentifica seu passado. Por meio dela, a personagem parece remoer suas queixas e vontades ou simplesmente tamponar o vazio. Por meio da escrita parece passar a limpo suas ações,

suas conversas e, assim compreender melhor o que ocorrera. Por exemplo, quando diz que vai registrar a ausência, vale a pena esclarecer que Izildinha não sabe do pai, pois sua mãe grávida foi expulsa da fazenda onde trabalhava e levou consigo na fuga apenas a barriga e a humilhação de ter sido expulsa pela esposa do seu patrão, um coronel que a estuprou, que se considerava por ser patrão dono do corpo de uma mulher. Daí, o que se vê é uma tentativa de Izildinha recuperar pela escrita sua vida, suas origens ao tempo em que denuncia o abuso sexual de que são vítimas muitas meninas no interior das fazendas no nordeste brasileiro.

A ausência que também se registra é a ausência de um elo mais forte com o compa- nheiro. Com este existe uma relação de sexo, de prazer. Mas acabado o momento do contato sexual, existem silêncios, conversas esparsas que muitas vezes se justificavam pelas imen- sas viagens de trabalho que Izildinha tinha de fazer. Mas na maioria das vezes o silêncio en- tre eles apenas denunciava a provável falta de amor, o provável temor de se repetir com ela o mesmo relacionamento que havia entre ele a esposa dele. Izildinha não queria se tornar a esposa. A relação entre homens e mulheres que, dentro de uma perspectiva tradicional do feminismo, é colocada como agressores dominantes versus submissas dominadas é posta em cheque. Veem-se aqui, novas configurações de relacionamento: ao invés da típica troca de alianças, ela deixa a calcinha no apartamento do amante. A calcinha como símbolo de sexo arrebatador mas não de companheirismo até que a morte os separe.

A resistência ao casamento tradicional é perceptível. Tradicional era o casamento de dona Tereza e o coronel. Tiveram três filhos. Mas o prazer sexual ao longo dos anos, para ela, foi substituído pelo prazer das compras, do teatro ao passo que para ele foi substituí- do pelo prazer de corpos mais jovens e subservientes: jovens empregadas de sua fazenda. Estas tinham que fingir prazer para garantir a sobrevivência. Assim foi com a mãe de Izildi- nha, Maria Olegária, posteriormente, na cidade, chamada de Molly. Como todo ser humano, a protagonista se compõe de formações discursivas e são estas de fuga, de opressão, de abuso, de fingimento que vão acompanhá-las desde a infância.

Mas a escrita também tem outro objetivo para a narradora, é o de transformar as pessoas numa imagem, num protótipo. Aliás este é o trabalho de Izildinha: criar por meio da escrita a imagem de homem perfeito, de família perfeita, entenda-se aqui a família con- vencional defendida.

É preciso dizer que Izildinha ou Valderez é uma mulher que trabalha no mundo do agronegócio. Como se sabe, essa é uma área predominantemente ocupada por homens. Segundo o IBGE (2006), 12,7% dos dirigentes de estabelecimentos rurais são mulheres. A narradora personagem não é proprietária de terra, nem dirigente. Ela é quem intermedeia os grandes negócios, as grandes interlocuções entre compradores e vendedores de café. Em meio à grande produção de café, é preciso vendê-la, exportá-la, fazer do café o melhor negócio do mundo e, para tanto, é preciso criar perfis de cafeicultores compatíveis com o perfil que o mercado exige: perfil de homem bem sucedido, simpático, ordeiro, inteligente, enfim, é preciso criar o modelo de um grande empresário mesmo que na verdade não passe de um carrancudo e grotesco fazendeiro.

Izildinha trabalha com homens o tempo todo, em seu trabalho há ela e eles. É aqui que se faz nossa intervenção no sentido de compreendê-la como mulher performática. A identidade de gênero construída em Izildinha é fluida.

Resistência e Poder: uma mulher transvestida de discursos

Segundo Judith Butler, o feminino não é uma essência. Aliás, o gênero compreendi- do como constructo histórico-social que contrariava o binarismo biológico macho e fêmea, em Butler (2003) passará a ser compreendido como resultado de formações discursivas. Logo, o “gênero não é um substantivo” (2003, p. 48). Por um lado, uma mulher ou um ho- mem não são produtos construídos por uma história ou por uma cultura que atuem como marcos definitivos e distintos sempre; por outro lado, o gênero não são atributos flutuan- tes, assim, homens e mulheres agem de acordo com o que foi apreendido histórico-cultu- ralmente desde que isso não seja entendido como resultado inalterável: “O caráter total e fechado da linguagem é presumido e contestado no estruturalismo” (BUTLER, 2003, p. 69).

O gênero é performático. “É a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida” (2003, p. 59). O mun- do dos negócios, as viagens certamente “fabricaram” uma Izildinha mais versátil, deste- mida. Mas isto não significa ausência de contradições. Por exemplo, Izildinha sabe que o casamento faz bem aos homens: “Casamento é bom para homens. Divisão de despesa, uma