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Condições da Revolução Chinesa 1 Antecedentes da Revolução

A Revolução Chinesa aconteceu após um longo período de guerras pela libertação nacional a partir das quais se constituíram organizações combativas de trabalhadores que cria- ram as bases para uma revolução com objetivos socialistas. Durante esse processo, o Partido Comunista Chinês fortaleceu sua incidência territorial junto aos setores que protagonizaram essas lutas, o que permitiu não apenas sua vitória, mas um acúmulo de experiências práticas que caracterizariam sua concepção de transição ao comunismo.

Podemos muito brevemente relatar estes conflitos a partir do marco inicial de 1911, quando ocorreu a derrubada da monarquia submissa ao imperialismo internacional. Havia um contexto de grande concentração fundiária e a maioria da população camponesa estava em situação de fome e era vítima de grande violência por parte dos proprietários de terra. Este movimento nacionalista e republicano, impulsionado principalmente pelo Partido Nacionalis- ta (Kuomitang, fundado 1905), instaurou a República Chinesa, que ainda mantinha a condição semicolonial do país e era marcada pela divisão do território com constantes disputas promo- vidas pelos chefes militares locais, os chamados “senhores da guerra”. A insatisfação dos chi- neses com a posição do governo frente à permanência do subjugo do país diante das forças estrangeiras seguia.

Sob o influxo da Revolução Russa de 1917 e da criação da Terceira Internacional em 1919, que propagavam a teoria marxista-leninista no país, os trabalhadores chineses seguiram desenvolvendo experiências de luta contra o imperialismo e contra o feudalismo, permitindo o surgimento do Partido Comunista Chinês (PCCh) em 1921.

A partir de 1924 o Kuomitang iniciou uma nova ofensiva pela libertação nacional e, conforme orientação da Internacional Comunista, o PCCh adotou uma política de cooperação e aliança de forças com aquele.Márcio Naves explica que:

Na Terceira Internacional predominava uma concepção abstrata e dogmática do pro- cesso histórico, segundo a qual, em todos os países considerados “coloniais” ou “semincoloniais”, a contradição fundamental era entre a classe feudal e a burguesia, de modo que a etapa da revolução deveria ser democrático-burguesa, e não proletá- ria. As condições não estariam ainda “maduras”, devido ao baixo nível de desenvol- vimento das forças produtivas, para os trabalhadores dirigirem sua revolução151.

49 Assim, o PCCh colabora militarmente nas campanhas de unificação do país sob a di- reção de Chiang Kai-shek, organizando operários e camponeses para a Expedição ao Norte iniciada em 1925. Nesse processo, que foi obtendo sucessivas vitórias contra os déspotas lo- cais, ocorreram também levantes contra os proprietários de terra. Muitas dessas revoltas popu- lares foram lideradas e apoiadas pelos comunistas, gerando um “perigo” para o Kuomitang, cujas aspirações nacionalistas e vinculadas aos proprietários (burguesia nacional) passavam a evidenciar seu antagonismo com o PCCh.Durante todo esse período Mao Tsé-tung e outros dirigentes do Partido vinham mobilizando os camponeses sustentando uma “política agrária revolucionária e a necessidade de uma poderosa organização de massas camponesas”152.

A relação entre Kuomitang e PCCh finda com o fortalecimento da ala direitista do primeiro, o que leva a uma série de ataques aos levantes armados populares, liderados por Chiang Kai-shek, que, tendo assumido a direção do Kuomitang, inicia uma forte repressão aos revolucionários, com o objetivo de neutralizar sua influência no cenário político do país. Com isso, o PCChreorganiza seus destacamentos eadota uma medida que será de fundamental im- portância para as reflexões sobre a questão do poder no decorrer da transição: liberar territó- rios e estabelecersovietes - as “bases vermelhas” - sob domínio popular, a partir das quais se formaram o Exército Vermelho. Nessas bases operaram-se profundas mudanças como expro- priações de terras em beneficio dos camponeses, criação de cooperativas, ampla alfabetização, etc.Ou seja, experimentaram-se formas embrionárias de auto administração dos trabalhadores que ameaçavam o poder da classe dominante. Mas as tentativas de insurreição revolucionária são duramente combatidas pelo Kuomitang, que recebe apoio internacional e dos grandes proprietários nacionais para tanto, culminando no golpe de 1927 em que,

(...) uma vitoriosa insurreição operária em Xangai, envolvendo mais de 800 mil tra- balhadores e organizada por dirigentes sindicais e quadros comunistas, libertou a ci- dade de um Senhor da Guerra e a entregou às tropas nacionalistas de Chiang, o qual, pouco depois, com a ajuda de criminosos locais, promoveu o massacre de centenas de milhares de trabalhadores, lideranças sindicais e militantes comunistas153.

A unidade de ação militar com o Kuomintang para enfrentar as tropas imperialistas sob a perspectiva de realizar uma revolução democrática se deu com a perda da independência do PCCh que, mesmo compondo a maior parte das mobilizações camponesas, foi orientado pela direção soviética a refreá-las para não gerar um distanciamento com o Partido Nacional, ao invés de fortalecê-las para avançar na constituição dos sovietes independentes e na condu- ção de uma guerra revolucionária. O resultado de tal orientação foi uma fragilização dos co-

152 Ibidem, p. 21. 153 Ibidem, p. 23-24.

50 munistas ante o Kuomitang e sua constituição em alvos de ataques abertos e sistemáticos.

A guerra civil só foi suspensa com a invasão do Japão à Manchúria em 1931, mas as campanhas de “cerco e aniquilamento” contra os vermelhos se prolongaram até 1934, resul- tando em “perdas da ordem de 90% no Exército Vermelho”. Assim, realizou-se uma retirada estratégica que leva à Grande Marcha – uma travessia de 12 mil quilômetros pelo país, em- preendida pelos comunistas para escapar dos ataques, bem como para se fortalecer e se reor- ganizar. Porém, as novas investidas dos japoneses iniciadas em 1937 levaram à realização de uma nova frente entre PCCh e Kuomitang para derrotar o país invasor – fato que ocorre com o fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945.

A partir de então se reinicia o conflito armado interno, com uma maior força militar do Kuomitang nas cidades e uma grande influência, penetração154 e experimentação adquirida pelos comunistas com os camponeses, juntamente com um forte apoio da população, que re- jeitava Chiang Kai-shek pela relação que estabelecera com potências estrangeiras (contra as quais o país vinha lutando havia séculos) e o mau desempenho na guerra contra o Japão, cuja vitória foi determinante para o Exército Vermelho. Em 1ª de outubro de 1949 as forças comu- nistasvencem, o Kuomitang refugia-se em Taiwan, e Mao Tsé-tung proclama a República Po- pular da China.

2.1.2 Dificuldades para o processo de construção do socialismo

Com a vitória o Partido se vê diante de um imenso desafio, pois encontra dificulda- des econômicas, sociais, políticas e ideológicas, que afastam da classe trabalhadora o exercí- cio do poder. Do ponto de vista econômico e social, a construção do socialismo na China depara-se com uma realidade complexa, após anos de guerra civil e ocupação estrangeira, configurando-se uma empreitada muito difícil. O cenário em que se instaura a República Po- pular era de desorganização e atraso econômico, pífia estrutura administrativa, poucas estrutu- ras industriais modernas, desintegração nacional (por motivos culturais, linguísticos, políticos e outros, junto coma ausência de um amplo sistema nacional de ferro/rodovias e áreas destru- ídas), produção agrícola e industrial reduzida em 50% como consequência da guerra, condi- ções de vida miseráveis, inflação galopante, milhões de refugiados nas cidades, etc.. Soma-se

154 “Já perto do final da ocupação nipônica, viviam em regiões controladas pelos comunistas cerca de 100 mi-

lhões de pessoas, com o Partido alcançando a cifra de mais de 1 milhão de aderentes, o Exército Vermelho dis- pondo de um efetivo de quase 1 milhão de soldados e oficiais e a milícia camponesa alcançando mais de 2 mi- lhões de membros. \ O contraste entre a zona liberada pelo Exército Vermelho e a zona sob domínio do Kuomi- tang era chocante: na primeira, as formas de organização populares do poder político, respeito às massas, efici- encia e honestidade administrativas; na segunda, corrupção desenfreada, desorganização administrativa, opressão sobre os trabalhadores” (NAVES, M. Mao: o processo da revolução, op. cit., p. 41)

51 a isso o fato de o país possuir 80% população trabalhando em atividades agrícolas, reduzidas pessoas com capacidade técnica para o trabalho na indústria – ou seja, um operariado pouco numeroso, um baixo nível cultural das massas e o analfabetismo imperante155.

Note-se que durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) impulsionou-se no país um desenvolvimento capitalista baseado fundamentalmente na indústria leve concentrada em algumas cidades. O proletariado nascente, contudo, compunha uma parte ínfima da população e sofria a opressão advinda do imperialismo, do feudalismo e da burguesia nacional. Era tam- bém ainda muito diretamente ligado com a terra - de onde vinha - e não vinculado ao pensa- mento marxista156. Além disso, o golpe de 1927 de Chiang Kai-shek sobre as insurreições dos trabalhadores de Xangai teve um forte impacto sobre as lutas sindicais, tornando, posterior- mente, o movimento sindical predominantemente reacionário157.

Mao Tsé-tung apontava algumas particularidades deste novo proletariado chinês, afirmando que a pesada opressão que sofria (“difícil de encontrar outras parecidas no mun- do”) o tornava a classe mais resoluta e consequente para levar adiante a revolução. Sob a dire- ção do Partido chinês havia se tornado a classe mais revolucionária da sociedade chinesa (“exceto um pequeno punhado de fura-greves, toda a classe operária é revolucionaria na mai- or parte”), e seus laços naturais com o campo facilitaram uma estreita aliança com o campesi- nato. Tais elementos tornaram-no “a força mais fundamental da revolução chinesa”158.

Havia evidentes limitações no papel do proletariado na luta pela tomada de poder, e o enraizamento do PCCh nas cidades era extremamente reduzido. Portanto, do ponto de vista das forças sociais que conduzem à tomada de poder, o triunfo da revolução chinesa de 1949 foi possível pela fusão entre o campesinato pobre e elementos marxistas oriundos da cidade, sendo que a base social agrária é a base fundamental da revolução.

Do ponto de vista da organização política, a existência de um poder revolucionário durante muitos anos antes da fundação da República Popular Chinesa e que se mostrou eficaz para a revolução fez com que, após a tomada de poder, não fosse fundamentalmente modifi- cado em sua estrutura: Partido, Exército fortemente centralizado e hierárquico,órgãos de Go- verno e organizações de massa. É certo que o Partido Comunista era, no entanto, o órgão que exercia o poder real159.

155ORTIZ, J. Sobre la lucha de líneas en la República popular china, El Carabo, Madri, nº 15, 1980, p. 5-6. 156RIO, E. La teoría de la transición al comunismo en Mao Tsetung (1949-1969). Madrid: Editorial Revolución, 1981, p. 9-10.

157 Ibidem, p. 13. 158 Ibidem, p. 11-12.

52 Além disso, a única experiência de administração adquirida pelo PCCh por meio das “zonas vermelhas”, que lhe possibilitaram lidar com problemas de organização da sociedade, se deu sob o regime de “nova democracia”, em aliança com a burguesia média, e sem experi- mentação com as novas questões com as quais viriam a se deparar após a revolução.

A Conferência Consultiva Política do Povo, reunida em 1949, constitui

(...) uma forma de poder político que Mao vai designar como uma ditadura democrá- tica popular, dirigida pela classe operária e composta dos camponeses, da pequena burguesia urbana e da burguesia nacional contra a burguesia monopolista, os propri- etários de terras e as forças contra revolucionárias e imperialistas, que podem ser “reprimidas e castigadas” se saem dos “limites”, seja por palavras seja por atos, e só o povo exerce o direito de voto, de modo que, diz Mao, “A combinação desses dois aspectos, democracia para o povo e ditadura para os reacionários, constitui a ditadu- ra democrática popular”. Assim, é formulado um programa de cooperação com a burguesia nacional que utiliza o método da persuasão e o trabalho educativo para a consecução dos objetivos revolucionários160.

Do ponto de vista ideológico, os costumes e tradições do país eram profundamente conservadores e retrógrados. A maioria das pessoas que apoiou a revolução não o fez por de- fender o comunismo e a ditadura do proletariado, mas porque o PCCh conseguiu promover um processo de integração, de regeneração patriótica, de “saída da prostração milenar”161. É de se destacar o elemento nacionalista inevitavelmente presente, na medida em que, na resis- tência contra o Japão, o Partido Comunista era a “força nacional mais consequente”, fazendo com que entrassem em suas fileiras diversos membros motivados pelo patriotismo162.

Se observamos a trajetória da revolução chinesa até 1949, encontramos nela elemen- tos que, em termos gerais, podem ser qualificados de proletários (diversos aspectos da ideologia e da política do Partido, especialmente). Mas falta nela uma presença

física elementar do proletariado e pesam como força os elementos não proletários.

Igualmente, o curso iniciado em 1949 se vê condicionado pela existência de um po- der, de um regime político que não pode ser considerado a rigor como um regime de ditadura do proletariado163.

Tratou-se assim, de uma revolução baseada na adoção de uma posição “fundamen- talmente agrária, democrática e nacional”164sem a qual aquela não teria sido possível.

Por fim, do ponto de vista internacional havia uma forte pressão norte-americana e uma influência da União Soviética e seu Partido (PCUS), que ajudou a cimentar o modelo de Estado que seria construído no país.