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Apesar das manifestações contrárias de destacados militantes, o PCCh se aliou ao

160 Ibidem, p. 48. 161ORTIZ, J. op. cit., p. 6. 162RIO, E. op. cit., p. 15. 163 Ibidem, p. 17. 164 Ibidem, p. 17.

53 Kuomitang por orientação da Terceira Internacional - onde predominava a posição da URSS e cuja concepção, como vimos, defendia um “processo revolucionário nacional democráti- co”165. Em pouco tempo aquele partido, aliado com setores reacionários da sociedade chinesa, mostrou-se uma dura força repressiva para com os revolucionários. Mesmo depois de vários ataques, a Internacional insistiu em que fosse mantida a referida aliança, demonstrando que o PCUS não compreendia a “real natureza de classe” do Kuomitang166 e acabou por contribuir por isso, com sérios atrasos e derrotas para os comunistas167, que acataram a orientação.

Por outro lado, Mao Tsé-tung já tinha começado a desenvolver reflexões sobre a aplicação do marxismo-leninismo como método de análise para a realidade específica da Chi- na - “chinificando” o marxismo168, e tinha identificado como “agente principal da transforma- ção, o campesinato, contra a doutrina “oficial” e a orientação dos dirigentes stalinistas”169, defendendo a necessidade de que os chineses seguissem um caminho próprio, não “copiando” dogmaticamente os soviéticos.

Contudo, apesar disso, no período da revolução chinesa a URSS gozava de grande prestígio, autoridade e importância entre os chineses. Havia, ainda, certa dependência econô- mica e diplomática acirrada pelo bloqueio americano à China, pelos atos de sabotagem vindos de Taiwan, e pelas catástrofes naturais ocorridas no período.Por isso, desde logo a revolução chinesa se desenvolveu em estreita relação com aquele país, seja pela assimilação de suas concepções políticas e ideológicas, seja pelo apoio material por eles fornecido, diante de situ- ações de grande dificuldade interna e externa.

Com efeito,

(...) a China firmou um importante tratado de ajuda mútua com a União Soviética, em fevereiro de 1950, em um encontro entre Mao e Stalin em Moscou. Esse tratado implicava essencialmente um compromisso de auxílio militar em caso de agressão do Japão ou de seus aliados e um empréstimo para a realização de projetos industri- ais na China170.

Não possuindo uma formulação própria e sólida sobre o problema da transição, e frente aos entraves objetivos, o PCCh adotou em absoluto a perspectiva soviética, tendo que aceitar uma dupla tutela:

165NAVES, M. Mao: o processo da revolução, op. cit., p. 20. 166 Ibidem, p. 23.

167 “A gravidade dessas ofensivas pode ser constatada pela quantidade de mortes, prisões, limitação de atividades

e dificuldades impostas aos comunistas pelo Kuomitang na insurreição operária de Xangai de 1929, nas tentativas de organização dos trabalhadores para levantes nas cidades, nas campanhas de cerco e aniquilamento dos comunistas, etc. até a realização da Grande Marcha, para a qual foram 300 mil combatentes e restaram aproximadamente 30 mil” (Ibidem, p. 28).

168 RIO, E. op. cit., p. 19.

169NAVES, M. Mao: o processo da revolução, op. cit., p. 29. 170Ibidem, p. 50.

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Tutela, em primeiro lugar, teórica: tiveram que tomar emprestada do PCUS suas concepções sobre a construção do socialismo. Tutela em segundo lugar, material: tiveram que recorrer ao concurso massivo de expertos e técnicos da URSS, que mar- charam alegremente à China a ensinar ao PCCh a dirigir a “construção do socialis- mo”. Não menos de 10.000 instrutores, engenheiros e técnicos soviéticos foram as- sim à República Popular Chinesa já durante o mesmo período de “restauração eco- nômica” (1949-1952). Eles deram sua marca ao Primeiro Plano Quinquenal (1953- 1957); eles marcaram fundamentalmente a orientação dos primeiros passos da tran- sição socialista. Eles diretamente, e a influência indireta da URSS no plano teórico, contribuíram a que se começasse a reproduzir na China situações similares às que

essas teorias e esse tipo de pessoal vinham gerando na URSS desde há anos, situa-

ções com indubitáveis aspectos positivos (rápido desenvolvimento das forças produ- tivas e da industrialização básica, acelerado crescimento do proletariado industrial, criação de uma infraestrutura essencial mínima...) mas com um peso maior de as- pectos negativos desde o ponto de vista revolucionário socialista: tendência ao en- frentamento com a massa popular camponesa – e de modo mais geral, da cidade com o campo -, menosprezo das necessidades materiais do povo trabalhador, favo- recimento do desenvolvimento da capa de administradores, funcionários, profissio- nais e técnicos em situação de aberto privilégio, agigantamento do burocratismo, di- vórcio entre o povo trabalhador e o aparato do Estado, entronização do objetivo do desenvolvimento das forças produtivas acima de qualquer outro...171.

Quanto à tutela teórica, Eugenio del Rio, ao analisar a teoria da transição ao comu-

nismo em Mao Tsé-tung, afirma que da Revolução (1949) até o XX Congresso do Partidos

Comunista da União Soviética (1956), suas obras demonstram uma aceitação das posições soviéticas sobre os problemas da transição. Chama inclusive a atenção que não se colocam em questão as contradições da experiência soviética face ao marxismo172.

Nesse período, ocorreram movimentos de restauração econômica e foram levadas adiante mudanças no que se refere “à pressão da contrarrevolução, à luta contra os vícios que se registram entre os funcionários (movimento dos três antis: contra a corrupção, contra o desperdício e o autoritarismo), à luta contra a burguesia nacional (movimento dos cinco antis: contra os subornos, a fraude, a evasão fiscal, a malversação e obtenção ilegal de informações estatais secretas)”173 - ambas formas de luta contra o burocratismo, a guerra da Coréia (1950- 1953), o primeiro Plano Quinquenal (1953-1957), a Constituição de 1954, a reforma agrária e o movimento de coletivização no campo e sua aceleração em 1955174.

Verificava-se, todavia, uma clara identificação entre socialização e supressão da

propriedade individual. Ainda que o processo de ampla e imediata coletivização defendido

por Mao Tsé-tung gerasse transformações profundas nas formas de organização das relações sociais no campo (destaque-se que ao final de 1956, 120 milhões de famílias camponesas rea- lizavam seu trabalho de forma cooperativa e, paralelamente, nas cidades reorganizam-se as

171ORTIZ, J. op. cit., p. 7 – tradução nossa. 172RIO, E. op. cit., p. 24.

173 Ibidem, p. 23.

55 estruturas industriais e os canais de distribuição)175, predominava a suposição de que “a eli- minação da propriedade individual traz consigo a implantação de relações sociais de produção socialistas”176.

Os dirigentes chineses adotam do stalinismo sua concepção de transição ao comu- nismo, a partir da qual a extinção da propriedade privada “seria condição suficiente para o surgimento de relações de produção socialistas”. Mao entende, em texto de 1962, referencian- do-se em Stalin, que a base das relações de produção reside no sistema de propriedade177. As- sim, explica Eugenio del Rio que os problemas então vivenciados na construção do socialis- mo são considerados de forma isolada do próprio regime social.

Não existe, pois, uma conexão entre esses males e as relações sociais e políticas, as diferenças, a divisão social do trabalho próprias do novo regime. Esta é uma limita- ção de peso que dificulta abordar tais problemas em toda sua dimensão e elaborar as modificações do regime que são necessárias para superá-los (instauração de formas de poder das próprias massas trabalhadoras, luta por atenuar a divisão social do tra- balho então existente, etc.)178.

Marcados pelo “dogmatismo, expresso em uma concepção abstrata de marxismo e pela defesa da aplicação mecânica de princípios e métodos oriundos da experiência soviéti- ca”179 os chineses também adotam um modelo de constituição e exercício do poder que repro- duzirá, essencialmente, o soviético. Vejamos:

A estrutura geral do poder que se configura durante estes anos tem muito em comum com a soviética, se bem que leva o selo do processo que a gera. O poder repousa fundamentalmente sobre o Partido, ou mais precisamente, sobre seus órgãos dirigen- tes, estreitamente unido ao Exército. Na periferia do poder se inscrevem os organis- mos governamentais, que possuem certo conteúdo de frente unida, com representan- tes das diversas correntes políticas que romperam com Chiang Kaichek.

O Partido aparece, pois, como uma instituição oficial, integrante formalmente do poder estatal, e instância suprema de tal poder180.

Por isso, afirma Eugenio del Rio que “O Partido é, portanto, como no sistema sovié- tico, o eixo de poder”181. E se por um lado, assim se constitui devido à influência soviética, por outro, também corresponde à anterior experiência de organização política existente duran- te as guerras liberação nas quais, como visto, o Partido era quem exercia o poder real e não os próprios trabalhadores.

Contudo, há algumas inovações de destaque, por parte dos chineses como, por exemplo: a defesa reiterada da liberdade de expressão no seio do povo; a defesa de que as

175 Ibidem, 53; RIO, E. op. cit., p. 27. 176RIO, E. op. cit., p. 26.

177NAVES, M. Mao: o processo da revolução, op. cit., p. 57. 178RIO, E. op. cit., p. 29 – tradução nossa.

179NAVES, M. Mao: o processo da revolução, op. cit., p. 29. 180RIO, E. op. cit., p. 24-25 – tradução nossa.

56 massas não devem ser forçadas quanto ao processo de coletivização – e outros processos, mas devem fazê-lo quando convencidas, e por isso a defesa de reeducação no socialismo; a defesa de que a repressão deve ser realizada com a participação das massas, não centralizada pela cúpula dirigente, e que deve ser restringida o máximo possível; a luta contra a corrupção ad- ministrativa, que, ainda que não seja compreendida como uma questão estrutural que corres- ponde às relações sociais e políticas existentes, mas como um problema de indivíduos cor- rompidos pela burguesia, foi feita convocando-se as massas para tanto. Além disso, podemos mencionar a publicização de contas para controle público182 e o desencadeamento de campa- nhas de educação política de massas, com a criação de novos organismos de poder (como de bairros, de ruas, para cuidar dos problemas da vida cotidiana)183.

Outra questão, bastante presente no discurso de Mao Tsé-tung nesse período, foi a busca por uma “redução do culto aos dirigentes”, chegando a defender não se presentear diri- gentes, “aplaudir menos” e “não colocar camaradas chineses no mesmo patamar que Marx, Engels, Lenin e Stálin”184.

Também é significativa a emergência de debates relativos à luta contra a separação entre funcionários estatais e as massas, apontando-se a necessidade de os primeiros “saírem de seus escritórios” e terem mais contato com a realidade do povo chinês, e, por outro lado, a necessidade de as massas exercerem controle sobre os aparelhos do Estado.

Fundamentalmente, existia entre os chineses, em contraste com os soviéticos, a preo- cupação com a realização de transformações no modo de produzir como uma necessidade da edificação socialista. Buscavam, assim, diferenciar sua produção e organização do trabalho daquela da URSS.