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4. A OPERACIONALIZAÇÃO DO PNAE EM VIÇOSA-MG

4.4. Caracterização do Modo de Vida dos beneficiários do PNAE

4.4.3 Condições da terra, meios de aquisição e mão de obra

Sobre o tamanho das propriedades dos entrevistados, constatou-se um predomínio de propriedades com até 5 hectares (40%) conforme pode ser observado na figura 6.

Figura 6: Tamanho da propriedade dos entrevistados, Viçosa-MG, 2018.

Fonte: Dados da pesquisa, elaborado pelo autor, 2018.

O tamanho da propriedade dos entrevistados está em consonância com os critérios definidos para participação no PNAE, na qual os agricultores familiares são caracterizados, entre outras coisas, como aqueles que possuem até 4 módulos fiscais. Os módulos fiscais se diferenciam entre os diferentes municípios brasileiros. Para o estado de Minas Gerais, município de Viçosa, a dimensão do módulo fiscal é considerada como 22 hectares, como observado na figura 7.

91 Figura 7: Representação do módulo fiscal para o município de Viçosa-MG.

Fonte: https://www.embrapa.br/codigo-florestal/area-de-reserva-legal-arl/modulo-fiscal acesso em 05/11/2018.

Em relação à condição de aquisição das propriedades, cinco propriedades (33%), foram compradas com recursos próprios, sendo uma comprada de familiares (avós e tios); outras cinco pertenciam aos familiares ascendentes; além disso, foi constatado a aquisição por herança (20%); por doação em vida (7%); e na modalidade de meeiro de propriedade com terceiro (7%). As modalidades de aquisição estão ilustradas na figura 8.

Figura 8: Aquisição da propriedade, Viçosa-MG, 2018.

92 As características relativas à aquisição da propriedade apontam que a terra, que hoje pertence a grande parte dos entrevistados, tem envolvimento familiar, revelando como característica desses agricultores o histórico de trabalho com a terra, cuja propriedade foi passada de geração a geração por doação, herança ou mesmo por meio da comercialização de parte da propriedade entre os familiares. Essa característica corrobora as afirmações de Lamarche (1993), ao se referir aos agricultores familiares como detentores de tradição centrada na família pela forma de produzir e viver. Tal condição é também observada nos seguintes relatos:

É adquirida do meu pai. Meu pai e minha mãe (Agricultor 7). Aqui é meio herança [...] mais é de família (Agricultor 10).

Meu pai comprou [...] esta propriedade e tá até hoje (Agricultor 8). A propriedade é da minha sogra. Eu trabalho nela em parceria com ela (Agricultor 11).

Minha propriedade foi dos meus avós e meu pai que já residia lá. Essa aí é outra propriedade lá pertinho mesmo onde fui criado né. Fui comprando as partes, hoje consegui ter essa propriedade lá. Sempre vivi da terra, mas teve um período né que eu saí porque fiz meus 20 anos. Saí daqui e fui pra São Paulo fiquei 12 anos lá e quando eu voltei [...] tive que comprar as partes [...]. Fui comprando aos poucos e consegui fazer. Meu pai tinha uma propriedade, dispôs dela [...] fui comprando os pedaços (Agricultor 6).

Tal relação familiar também é coincidente com as informações referentes à mão de obra empregada na propriedade. Entre os 15 agricultores entrevistados constatou-se o envolvimento de um total de 42 pessoas que atuam nas atividades agrícolas junto a eles, sendo 39 do grupo familiar e apenas 3 pessoas externas, sem vínculo familiar. Destaca-se que entre as pessoas externas, uma delas pertence à comunidade rural na qual um dos agricultores convive, que também é proprietária de terra, atuando somente para auxiliar em situações de maiores demandas, como uma troca de mão de obra, e outras duas que residem na propriedade, como mencionado pelo agricultor 8:

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Sou eu, meu pai e mais dois rapaz que mora com nós (sic) (Agricultor 8).

A figura 9 ilustra a distribuição da mão de obra empregada nas propriedades.

Figura 9: Mão de obra empregada, Viçosa-MG, 2018.

Fonte: Dados da pesquisa, adaptado pelo autor, 2018.

Nesse sentido, a ampla participação dos membros da família nos processos produtivos dos entrevistados se relaciona tanto com o conceito de agricultor familiar quanto de camponês, não havendo diferenciação entre os dois. O emprego de mão de obra predominantemente familiar, como o próprio nome diz, faz parte da caracterização legal da Agricultura Familiar, embora o produtor possa ter empregados, por exemplo, para períodos de colheita, desde que a eventualidade seja caracterizada. Segundo a Lei da Agricultura Familiar (Lei n. 11.326/2006, Art. 3º), que considera as exigências de que o produtor:

I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;

III - tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento;

IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

Por sua vez, também se relaciona ao modelo camponês defendido, por Wanderley (2014), ao presentar que a essência do campesinato está no caráter familiar de organização da

94 atividade produtiva, que prioriza as necessidades familiares; e no modo de organização do trabalho, que envolve a intrínseca participação entre os seus membros, sendo, portanto, “uma forma de viver e de trabalhar no campo que, mais do que uma simples forma de produzir, corresponde a um modo de vida e a uma cultura” (p. S026).

Por outro lado, alguns agricultores referiram que nem todos os membros da família atuavam na propriedade, especialmente os filhos, que saíram do campo para estudar. Sobre esse aspecto, Buainain, Romeiro e Guanziroli (2003) afirmam que a força de trabalho no campo tende a diminuir. Para eles, nas propriedades familiares mais desenvolvidas, essa diminuição é decorrente das melhores oportunidades apresentadas aos filhos, como a busca por estudo na cidade; já nas propriedades com menor desenvolvimento, a diminuição está relacionada à condição de expulsão.

Em nosso estudo, foi relatada por um entrevistado uma situação coincidente quanto ao aspecto de desenvolvimento da propriedade, pois o agricultor conseguiu dar oportunidades de estudos aos filhos, especialmente no âmbito da formação superior, mas eles não retornaram ao campo:

os filhos já não tão na roça não [...] Já formou na UFV, já tão trabalhando. [...] Eu tenho um casal de filhos, todos os dois trabalhou na horta a vida inteira comigo produzindo, mas hoje nenhum dos dois [trabalha no campo]. Estão empregados. [...] A menina mais velha é funcionária do Banco do Brasil, passou fez concurso e passou. O menino fez o concurso e hoje ele tá lá em Machado [IFET] dando aula [...] (Agricultor 3).

Por sua vez, o agricultor 13 narra uma situação oposta. Refere que vivia com os pais no campo, mas em dado momento foi para a cidade, trabalhar na cidade. Após o PNAE retornou as atividades na propriedade em parceria com o pai:

Depois que surgiu esse programa aí, que eu voltei pra cá e comecei a desenvolver mais. Antes era mais o meu pai que focava aqui, mexendo com boi...Mais ai depois que eu resolvi vir aí e comecei a mexer com banana, hortifrut né?[...] Eu trabalhava na cidade e voltei pelo PNAE (Agricultor 13).

Costa e Ralisch (2013) realizaram um estudo com jovens de um assentamento, no município de Florestópolis-PR, buscando compreender a opinião desses jovens no que diz respeito a permanência no campo. Os resultados demonstraram que a maioria dos

95 entrevistados deseja, como seus pais, continuar a trabalhar na terra, mas muitas vezes são levados a buscar outras formas de trabalho dada a baixa remuneração advinda do trabalho rural. Os autores apontam que a sucessão da agricultura familiar é uma problemática que pode implicar na extinção do assentamento, bem como comprometer a reforma agrária.

Por sua vez, para Wanderley (2003) é comum a observação de condições de pluriatividade, nas quais os agricultores buscam outras atividades fora da propriedade. Para a autora, essa condição se dá justamente como estratégia familiar para a permanência no campo. Nesse contexto, o PNAE em Viçosa-MG mostrou-se como uma oportunidade de regresso desses trabalhadores, que, por falta de renda, buscaram outras atividades fora da propriedade, mas voltaram ao trabalho familiar no campo, resgatando suas raízes.

Em vista do exposto, pode-se inferir, diante das variáveis apresentadas que, os beneficiários do PNAE possuem um modo de vida que os caracterizam como camponeses, mesmo que, a maioria não se reconheça como tal. Isso porque, dentre as características campesinas estão, as pequenas áreas para produção, o autoconsumo dos alimentos produzidos, as tradições de cultivo, a renda principal proveniente da produção; condições que se assemelham às apresentadas pelos entrevistados.

CAPÍTULO V

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