• Nenhum resultado encontrado

4. A OPERACIONALIZAÇÃO DO PNAE EM VIÇOSA-MG

4.1 Considerações sobre a estrutura operacional do PNAE em Viçosa-MG

4.1.3 As potencialidades e os limites do PNAE em Viçosa-MG

4.1.3.1 Potencialidades apontadas pelos entrevistados

4.1.3.1.2 Sustentabilidade Cultural

Nesta pesquisa, considerou-se, como uma forma de sustentabilidade cultural, a preservação das tradições de cultivo passadas de geração em geração. Enquanto política pública de fomento à agricultura familiar, tal sustentabilidade pode ser observada quando respeitada a capacidade produtiva dos agricultores participantes desses programas, uma vez

52 que forçar a mudança, seja no modo de cultivo, seja no produto a ser cultivado, implicaria no abandono dessas tradições unicamente para atender às demandas do mercado.

Nesse sentido, o PNAE em Viçosa-MG fomenta a manutenção da sustentabilidade cultural, conforme relatos do Gestora 01, ao apontar que a aquisição dos alimentos para o programa busca se adequar às produções regionais. Para isso, tanto a Emater quanto o agrônomo da Secretaria de Agricultura vão ao encontro dos agricultores familiares cadastrados para coletar informações sobre os alimentos que estão sendo produzidos, bem como sobre a capacidade de fornecimento de cada agricultor, como demonstrado na fala do agricultor 15:

[...] é o seguinte, o primeiro semestre que a gente entrega é lógico que eles não vão te colocar com a cota muito grande porque não sabe como é que é a nossa produção, não sabe nossa capacidade. Depois vai aumentando. Já tem produtor que tá aí há seis, sete anos no programa [...]. No caso quanto a isso para mim foi bom que eu comecei com pouco. Foi aumentando, com certeza o próximo mês vai ser um pouco melhor (Agricultor 15).

Com base nas informações de capacidade produtiva dos agricultores e considerando os hábitos alimentares e as necessidades nutricionais dos estudantes, as nutricionistas da prefeitura escolas elaboram o cardápio da alimentação escolar, que vai ser preparada pelas merendeiras, buscando a qualidade desse alimento, conforme relato da Gestora 01:

o papel da merendeira é preparar aquele cardápio que a gente encaminha pra escola, então toda escola tem o cardápio na cozinha e elas vão preparando. Tem treinamento, todo ano tem treinamento pra orientar a preparação, acompanha a questão sanitária da preparação, a questão do uso do óleo e do sal, dos alimentos que não são saudáveis, orienta o preparo das saladas, pra tá ofertando os nutrientes completos que o FNDE recomenda. Aí a participação delas é nesse sentido, preparar o cardápio e receber o alimento que o produtor entrega, o produtor deixa lá a alface, a couve e elas vão olhar a qualidade. Se não tiver na qualidade, elas têm autonomia de devolver aquela alface, aquela couve, aquela hortaliça que não está adequada, esse é o papel delas (Gestora 1)

A fala da gestora 1, nutricionista do PNAE, revela a preocupação com a qualidade dos alimentos ofertados aos estudantes. Os procedimentos adotados, com a possibilidade de um

53 contato direto entre os produtores dos alimentos e as pessoas encarregadas de realizar o seu preparo, incentivam o estabelecimento de um senso de responsabilidade e de compromisso entre os envolvidos, gestores e agricultores, na busca pela promoção de uma alimentação saudável aos estudantes, ainda que isso possa gerar a devolução dos produtos que não atendam ao padrão de qualidade esperado. A relação das merendeiras com os alimentos advindos diretamente dos produtores locais parece ser muito diferente das práticas que eram desenvolvidas quando os produtos eram adquiridos dos mercados, como demonstrado na fala da extensionista da Emater sobre as condições iniciais do PNAE em Viçosa:

[...] tivemos muitas dificuldades. Tivemos épocas, no início do programa a 10 anos atrás da própria direção de escolas. As cantineiras pediam ao produtor [que] em vez de entregar mandioca entregar batata. E ela assinava como tivesse recebido mandioca. Teve uma resistência muito grande, então foi preciso fazer um trabalho da importância social do projeto [...] (Gestora 4)

O exemplo acima ilustra como um único produto pode demandar uma ação coletiva entre os diversos setores e atores envolvidos com o programa. No caso da mandioca, a solução encontrada para aumentar a inserção do alimento na merenda foi a de comprá-la descascada para diminuir o tempo dedicado ao preparo. Porém, descascada, a mandioca passa a ser um produto processado, cuja comercialização demanda que o produtor tenha uma agroindústria adequada, com alvará sanitário, que ateste o atendimento às normas de segurança alimentar, o que, por sua vez, também agrega valor ao produto.

Essas constatações são coincidentes com os achados de De Paula et al. (2014), ao realizarem um estudo no Município de Mineiros, estado de Goiás, para identificar os principais desafios enfrentados pelos participantes do PAA e do PNAE. Os autores destacaram que os programas têm relevância social, nutricional e econômica, especialmente, na promoção de melhorias na qualidade do consumo, uma vez que permitem uma relação direta entre produtores e consumidores. Porém, também observaram que existem muitas dificuldades para que os produtores acessem os mercados institucionais, entre elas: a falta de produtos; dificuldade de padronização; falta de organização da produção; dificuldades na diversificação de uma produção, que atenda tanto às demandas da alimentação escolar, quanto o respeito pela cultura dos agricultores; falta de adequação às normas sanitárias; e problemas com a

54 logística. Para minimizar estes entraves, a Emater local elaborou projetos voltados para agricultores familiares tradicionais, assentados e quilombolas visando ampliar a participação dos mesmos no PAA e no PNAE. Os projetos envolveram ainda o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, prefeitura, câmara municipal, organizações não governamentais, instituições de ensino superior, de crédito rural, Sebrae, Senar e empresas da iniciativa privada. Os autores concluíram que, para o acessar os mercados institucionais, a agricultura familiar precisa de uma assistência técnica que primeiramente respeite sua cultura local, pois, só assim, conseguirá alcançar melhorias quanto à diversificação, ao uso de tecnologias apropriadas, à adequação das normas sanitárias, e à organização da logística da produção.

Documentos relacionados