• Nenhum resultado encontrado

4. A OPERACIONALIZAÇÃO DO PNAE EM VIÇOSA-MG

4.4. Caracterização do Modo de Vida dos beneficiários do PNAE

4.4.2 Preservação das tradições de cultivo

Sobre o modo de cultivo e produção, no que se refere à preservação das tradições, a figura 5 ilustra a percepção dos entrevistados quanto a sua produção agrícola.

87 Figura 5: Preservação da tradição de cultivo, Viçosa-MG, 2018.

Fonte: Dados da pesquisa, elaborado pelo autor, 2018.

Dos 15 agricultores entrevistados, 10 afirmaram manter alguma tradição familiar no cultivo dos alimentos, como exemplificado nos excertos abaixo:

Ah sim, sim. Tipo o plantio da couve, hoje em dia muita gente né mudou um pouco como se planta e eu continuo plantando no método antigo lá que meu avô nos ensinou, entendeu? Eu faço a cova, ponho o esterco, misturo. Tem muita gente hoje em dia que planta sem esterco. [...] e a cebolinha, por exemplo, corta os pezinhos, limpa a raizinha. Então a gente continua. (sic) (Agricultora 5).

As minhas produções hoje eu trabalho quase do mesmo [jeito] lá, embora a gente é criticado que a gente tá na agricultura de 50 anos atrás. Mas a minha agricultura é mais ou menos [...] tradicional. Eu planto minha mandioquinha lá tradicional, tudo mais ou menos tradicional. Do jeito que aprendi com meu pai (sic) (Agricultor 11).

Relatos sobre tradições estiveram presentes nas falas de todas as participantes do gênero feminino, especialmente relacionadas às atividades de agroindústria familiar, como ilustrado a seguir:

O pai dele era padeiro. Minha mãe toda a vida gostou muito de fazer [...] inclusive o pão de mandioca que a gente faz hoje e vende bastante a minha mãe que ensinou tudo (Agricultora 9).

88

Sim, é o queijo...a minha sogra fazia e eu faço do mesmo jeito até hoje (Agricultora 12).

No que se refere à agroindústria familiar, essa se constitui em uma atividade de processamento e beneficiamento dos produtos cultivados no meio rural. Para Schneider (2003), os agricultores que atuam com agroindústria familiar não devem ser considerados como de atividade exclusivamente agrícola, mas como famílias pluriativas, pois atuam tanto em atividades primárias, com produção de matéria-prima, como secundárias, envolvendo a industrialização da produção. Tais agricultores desenvolvem uma variada gama de tarefas, procedimentos e operações dos produtos agrícolas cultivados na propriedade. Para o autor, as agroindústrias têm crescido no âmbito da Agricultura Familiar, assumindo importante papel na geração de renda para as famílias, dado o valor agregado.

De acordo com Freitas (2018), no município de Viçosa-MG, o processo de agroindustrialização teve início a mais de trinta anos. Atualmente, as famílias que já realizavam atividade de produção de alimentos, com a criação e investimentos em políticas públicas, ganharam maior reconhecimento, e passaram a desempenhar melhor essas atividades. Entre os principais benefícios das agroindústrias, estão o fomento à agricultura familiar no município; ao abastecimento local de alimentos; à segurança e soberania alimentar das famílias no meio rural; e melhoria na alimentação dos estudantes (redes municipais e estaduais). Além disso, a população do município também se alimenta desses produtos de qualidade, por meio de mercados locais ou feiras livres e agroecológicas. A autora destaca que para o processo de agroindustrialização do município, foi de suma importância o apoio e contribuição de diversas instituições, tais como: EMATER, Prefeitura Municipal de Viçosa, SENAR, UFV, EPAMIG. Em sua pesquisa foi mostrada toda a cadeia produtiva, desde a aquisição da matéria prima até o produto final. Os alimentos foram considerados de qualidade, uma vez que os produtores utilizavam matéria prima de base mais limpa e sustentável. A autora concluiu que as agroindústrias familiares, no município de Viçosa-MG, contribuem para o fomento do desenvolvimento rural, gerando renda de forma sustentável e uma produção diversificada. O trabalho realizado pelas famílias possui grande relevância social, gerando novas oportunidades de inserção econômica e, consequentemente, na melhoria da qualidade de vida.

89 Preocupado se a agroindústria familiar, enquanto promotora de geração de renda, pudesse trazer uma redução ou extinção da produção agropecuária nas propriedades, Wesz Junior (2009) realizou uma pesquisa com agroindústrias familiares de derivados da cana-de- açúcar do Rio Grande do Sul, buscando investigar se a agroindústria poderia levar a uma especialização nas propriedades de base familiar. Seus resultados demonstraram que os participantes possuiam “um forte vínculo com a terra, com seus meios de produção e com o grupo doméstico” (s/p). Além disso, a diversidade nos cultivos foi maior do que nas propriedades exclusivamente agrícolas, pois as culturas voltadas ao autoconsumo familiar continuaram a ser produzidas, associadas ao processamento. O autor concluiu que as agroindústrias pesquisadas não alteraram a reprodução social da família rural, pois o grupo doméstico manteve as relações com as atividades relacionadas à terra, e com a diversificação da propriedade. O autor não investigou se havia a manutenção de tradições familiares nas atividades de beneficiamento da produção. Nosso estudo corrobora os achados de Wesz (2009), pois as propriedades que mantinham agroindústrias também trabalhavam com a policultura, principalmente para o autoconsumo. Ademais, a fala dos agricultores também demonstrou uma estreita relação com a terra e com os costumes locais, especialmente ao mencionar a preservação das receitas de família.

Por outro lado, cinco entrevistados disseram não haver possibilidades de manter tradições de cultivo em um momento de grande demanda por alimentos, exigindo assim a busca por tecnificação, como pode ser observado, por exemplo, na fala do Agricultor 6.

Não, não tem como mais. Hoje nós temos que acompanhar a tecnologia mesmo, se não a gente fica para trás. Mesmo assim tá difícil. Não adianta (Agricultor 6).

Essa preocupação com a modernização das práticas agrícolas também é discutida por Wanderley (2003), ao afirmar que a tradição no cultivo, passada de geração em geração, não é mais capaz de orientar o comportamento econômico. Contudo, a autora, ao citar Mendras (1984), destaca que os serviços de assistência técnica gerados fora da comunidade local, não rompem com a forma tradicional de produzir, denominando essa prática de modernização tradicional.

90 A partir dessas observações pode-se inferir que o PNAE em Viçosa-MG, por meio dos trabalhos realizados pelos agrônomos da prefeitura e pelos agentes da Emater, fomenta o desenvolvimento produtivo, sem com isso romper com as técnicas, saberes e costumes dos agricultores envolvidos no referido programa, respeitando suas características e possibilitando um estreitamento de ideias, o que resulta em uma participação mais assertiva, mas que mantem a autonomia na coprodução, o que vai ao encontro das característica campesinas.

Documentos relacionados