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B. DOC E os doces deles?

1.2.2. A Categoria Vazia em Posição de Objeto Direto

1.2.2.2. Condições de aparecimento da categoria vazia em posição de objeto

Diversas pesquisas sincrônicas e diacrônicas atestam o aumento da frequência de objeto nulo no PB e, em virtude disso, diversos pesquisadores buscaram investigar quais são os elementos que favorecem a ocorrência de uma categoria vazia nesta posição (cf. Duarte (1986), Cyrino (1994), Barra Ferreira (2000), Figueiredo (2009)).

Essas pesquisas, em geral, defendem que – na maioria dos casos - o objeto nulo tem atualmente como antecedente um elemento inanimado ou um antecedente sentencial. Quanto aos fatores de animacidade e de especificidade do antecedente, Cyrino (1994) constatou que este traço é importante para a ocorrência do objeto nulo através do tempo. Para a autora, a categoria nula com antecedente NP [+específico] começa a se intensificar no século XIX e, além disso, esse aumento se dá apenas com o objeto nulo cujo antecedente é [-animado], tal como no exemplo a seguir.

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(32) “Uma agência me indicou um sobrado na Praia Fermossa, por cima de um açougue, mas o dono não quis alugá ___” (Arthur Azevedo, p. 79)

(Exemplo retirado de Cyrino (1994: 164))

Quanto ao antecedente NP [-específico], Cyrino (1994) observou algo um pouco diferente, pois o índice de objeto nulo aumenta somente no século XX e, nesse século, parece que o traço ‘animacidade’ não é o fator mais relevante. “Inclusive, há mais nulos tendo como antecedente um NP [-específico, + animado] do que objetos preenchidos com o mesmo tipo de antecedente. Parece, portanto, que o aumento é causado pelo próprio traço [- específico]” (CYRINO, 1994: 173).

As constatações de Cyrino (1994) parecem indicar, portanto, que quando o antecedente está em uma posição baixa numa escala de referencialidade, ou seja, se o antecedente é [-animado] ou [-específico], tem-se um contexto favorecedor do uso de uma categoria vazia. Assim, a autora reforça a sua hipótese de que o objeto nulo no PB é resultado de reconstrução em FL de um conteúdo apagado em FF, quando seu antecedente é [-animado] ou [-específico, +animado].

Barra Ferreira (2000), ao estudar a natureza dos argumentos nulos no Português Brasileiro, também aponta a questão da animacidade como crucial para o favorecimento do objeto nulo no PB (cf. exemplos (33) e (34) abaixo).

(33) Esse livroi decepcionou as pessoas que tentaram ler ONi.

(34) *Esse artistai decepcionou as pessoas que tentaram cumprimentar ONi.

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Para o autor em questão, a única diferença entre os exemplos acima é o fato de que, em (33), o objeto nulo é licenciado devido ao traço [-animado] do antecedente, contrariamente ao que ocorre em (34), em que, em virtude do antecedente ser [+animado], o objeto nulo não seria favorecido. Assim, para que a sentença (34) se tornasse gramatical seria esperado o preenchimento desta posição por um clítico ou por um pronome lexical.

Esses fatos foram observados também em Duarte (1986), cujos resultados, no que concerne ao nível semântico, também evidenciaram que o traço [-animado] do antecedente favorece fortemente a não-realização fonológica do objeto direto anafórico, enquanto a sua realização fonológica é favorecida pelo traço [+animado] de seu antecedente, conforme os resultados da tabela seguinte:

Tabela 04 - Distribuição das variantes usadas segundo o traço semântico do objeto

Traço Variantes [+animado] [-animado] Clítico Pronome Lexical SN [SNe] quant. % quant. % quant. % quant. %

76 78,4 281 92,4 99 29,3 293 23,7

21 21,6 23 7,6 239 70,7 942 76,3

Total 97 100,0 304 100,0 338 100,0 1235 100,0

Fonte: Duarte (1986:28)

Como se pode verificar nos dados da tabela, o traço [-animado] favorece o apagamento do objeto, constatação a que também chegou Corrêa (1991) na análise dos seus dados, que salientou, além da questão da animacidade, o fato de que o uso do objeto nulo está correlacionado com a função sintática do co-referente. Segundo ela, quando esse co- referente é também objeto direto, há maior ocorrência de não preenchimento desta posição. A questão do compartilhamento da função sintática e do papel semântico do antecedente e do objeto retomado também foi abordada na pesquisa desenvolvida por Figueiredo (2009), sobre o objeto nulo no português rural baiano. Segundo a autora, a questão da animacidade do antecedente não é um fator categórico na escolha entre o uso de uma categoria vazia em posição de objeto e o uso do pronome lexical Ele, pois haveria

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alguma diferença sintática envolvida nesta escolha, como a identidade estrutural23 e temática entre o objeto nulo e o antecedente.

Os dados da pesquisa desenvolvida por Figueiredo (op. cit.) indicam que o Ele, embora seja desfavorecido com antecedente [-animado], apresenta peso relativo (.42), resultado estatisticamente considerado bem próximo da média probabilística de (.50). “Este comportamento revela que o ELE, além do traço de nominativo, estaria perdendo, nas comunidades analisadas, traços que o identificariam como [+animado] ou até mesmo [+humano]” (FIGUEIREDO, 2009: 106), tal como se pode verificar nos exemplos em (35) a seguir.

(35) a. DOC: Você faz o que com o cacau, poda?

INF: É o cacaui a gente poda ___, [clona elei], é aduba ___. (SAR24-03)

b. Tarrafai é um... negóço grande de cordão. Aí, a gente [joga elai

den’d’água], aí ve... pega o pêxe. (SAR-07).

c. antigamente, eu, a senhora podia pegá um pedaço de toicinhoi, [salgava elei] botava lá, ele levava oito dia, quinze dia. (SAS-11).

(Exemplos retirados de Figueiredo (2009:106))

Nos exemplos acima, o Ele retoma antecedentes com traço [-animado]. Além disso, em (35ab), há a retomada de um DP com traço [+genérico], o que, segundo Figueiredo (op. cit.), favoreceria o uso do objeto nulo. Ainda segundo a autora,

quando o ELE retoma antecedentes com traço [-animado], a sua frequência cresce à medida que a faixa etária dos informantes diminui. (...) Isso revela que o ELE com traço [-animado], nesse dialeto seja inovador, visto ser favorecido na faixa dos indivíduos mais jovens (FIGUEIREDO, 2009:107).

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A diferença estrutural apontada pela autora diz respeito ao fato do objeto nulo e o seu antecedente terem a mesma função sintática, o que – segundo ela – favorece a ocorrência de um objeto nulo.

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As siglas utilizadas por Figueiredo indicam as fontes dos dados, de acordo com as comunidades estudadas por ela, a saber: Sapé (SP), a sede do município de Santo Antônio (SAS) e a zona rural deste mesmo município (SAR), seguido do número indicador do informante.

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Com base nestes resultados, Figueiredo (op. cit.) refina os dados da sua análise por meio do cruzamento da variável animacidade com a posição sintática e o papel temático do antecedente, no intuito de verificar qual a frequência do objeto nulo quando este retoma um DP na posição de objeto direto ou quando o seu antecedente possui o mesmo papel temático. Como consequência, a autora chega à conclusão de que, ao considerar a posição sintática do antecedente, a variação entre o objeto nulo e o uso do Ele não é livre, pois o último é categórico quando correferente a um DP nas posições de Sujeito Básico, Objeto Indireto, Adjunto Adnominal e Adverbial. O objeto nulo, por sua vez, é licenciado quando compartilha com o antecedente o mesmo papel temático, tema/paciente. Desse modo, a variação entre as duas formas – objeto nulo e o pronome lexical Ele – fica mais evidente quando se considera o antecedente na posição de objeto direto.

Para Figueiredo (op. cit.), apesar de a animacidade ser a diferença visível na análise dos dados, é a identificação das operações sintáticas aplicadas na derivação de uma sentença que se mostra importante para o licenciamento do objeto nulo. Isto desfaz a impressão de que o licenciamento do objeto nulo se deve, sobretudo, à ausência de animacidade do antecedente. A proposta da autora está, pois, baseada na questão da identidade temática e estrutural entre o objeto nulo e o DP retomado.

Cumpre ressaltar que, conforme aponta Figueiredo (op. cit.), o requerimento de que a coindexação entre a categoria vazia e o seu antecedente se dê através da satisfação de papel temático foi apontada por Galves (1989 [2001:83]). Com base, portanto, nessa idéia de que uma cadeia formada por dois papéis temáticos não distintos licencia o objeto nulo, Figueiredo (op. cit.) propôs ainda que a identidade entre a posição em que o objeto nulo e o seu antecedente são conectados durante a derivação25 é importante para que esta categoria seja licenciada.

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Em linhas gerais, na versão Minimalista do modelo de Princípios e Parâmetros, pressupõe-se uma Numeração (Num), um conjunto de itens lexicais, do qual os elementos são retirados para serem conectados pelas operações de Merge (Concatenar) e Move (Mover) para derivar/gerar as sentenças da língua. Assim, uma derivação converge se a Num tiver todos os seus itens zerados (tiver sido esgotada). Caso contrário, é cancelada e a sentença torna-se agramatical.

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Para dar suporte a sua proposta, a autora apresenta uma série de exemplos, bem como a derivação das sentenças. Assim, nas sentenças em (36) e em (37), pode-se verificar através da correferência proposta abaixo que o antecedente do objeto nulo está na posição de sujeito da sentença matriz em ambas as sentenças. No entanto, durante a derivação, os DPs na posição de sujeito dessas sentenças são conectados em posições distintas, uma vez que não possuem o mesmo papel temático.

(36) a. *O Joãoi impediu a esposa de PRO [matar ___i]26

(Exemplo e representação arbórea retirados de Figueiredo (2009: 172)).

Segundo Figueiredo (op. cit.), na representação em (36b), é possível verificar que o objeto nulo e o seu antecedente são conectados em diferentes posições. Isto faz com que eles tenham papéis temáticos distintos e a sentença seja, portanto, agramatical27. “O DP

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No original, a sentença e a representação arbórea estão com nomes distintos, a saber: José na primeira e João na última. Decidi uniformizá-los para facilitar a compreensão por parte do leitor.

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Para Figueiredo (2009), o papel temático possui um papel na estrutura e, por isso, tanto a posição em que os elementos são gerados, quanto o papel temático desses elementos exercem influência na gramaticalidade das sentenças.

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agente O João é conectado na sentença matriz em spec de vP; enquanto o ON, cujo papel é de

tema, é conectado na posição de complemento em VP” (FIGUEIREDO, 2009: 172-173). Já na sentença em (37), o objeto nulo e o antecedente compartilham o mesmo papel temático, além de haver coincidência entre a posição em que eles são gerados, o que resulta, segundo a hipótese da autora, na gramaticalidade da sentença.

(37) a. quande o fumoi cresce, [corta ___i]

(Exemplo e representação arbórea retirados de Figueiredo (2009: 173)).

Desse modo, a idéia defendida por Figueiredo (op. cit.) para o licenciamento da categoria vazia no PB envolve a posição em que o objeto nulo e o seu antecedente são conectados. Quando há identidade entre estas posições, a derivação converge, no entanto, quando o objeto nulo e o antecedente são conectados em diferentes posições, a sentença não converge, comportamento que é refletido, na opinião da referida autora, no papel temático que o objeto nulo e o seu antecedente possuem. Em outras palavras, a autora

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defende que o uso do objeto nulo é favorecido quando há à identidade estrutural e temática entre esta categoria e o DP retomado.